A realização de missões espaciais implica uma série de desafios de ordem técnica, orçamentária e diplomática. E isso porque as demandas científicas são enormes, os recursos, limitados e muitas das viagens, efetuadas em parceria com empresas privadas e agências estrangeiras. A Nasa (agência espacial dos Estados Unidos) tem recorrido com frequência a grandes empresas do setor aeroespacial para as missões tripuladas, principalmente quando da construção de naves com destino à Lua.
A astrônoma e geóloga planetária Rosaly Lopes explicou, durante uma palestra no Centro de Convenções da Unicamp, no dia 22 de novembro, a importância de elaborar adequadamente as questões científicas que se queiram responder ao planejar uma missão e quais instrumentos ou qual combinação de instrumentos deverão ser empregados para obter os dados desejados. Vice-diretora do Departamento de Ciências Planetárias do Jet Propulsion Laboratory (JPL), da Nasa, Lopes conta que algumas missões ficam sob responsabilidade do JPL enquanto que, no caso de outras, a agência abre uma concorrência para vários laboratórios disputarem o encargo por sua realização.
“Nós usamos a parte comercial quando podemos, mas o setor comercial sempre quer ter lucro. Nós temos a tendência de fazer o que o setor comercial não faz. Em grandes missões, por exemplo, nós contratamos a Lockheed Martin para fabricar a nave, enquanto os instrumentos podem vir de universidades ou serem feitos nos laboratórios da Nasa”, afirmou Lopes, destacando que missões científicas não representam o foco dessas empresas privadas. A astrônoma, porém, não descarta a possibilidade de isso mudar no futuro. No caso, por exemplo, da mineração espacial.
A cientista brasileira se disse particularmente impressionada com a precisão da tecnologia desenvolvida pela SpaceX, do empresário Elon Musk, para a recuperação dos propulsores de naves, inclusive com pousos em torres de lançamento, o que representa um marco para o setor. “Isso é uma coisa extraordinária, que seria algo de ficção científica no tempo em que eu era estudante.” Lopes aponta como a principal consequência dessa interação com o setor privado o barateamento dos lançamentos, permitindo a realização de um número maior de missões.
Desde maio, a astrônoma vem promovendo várias atividades como participante do Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente, do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp, entre palestras, oficinas e reuniões científicas. A palestra “Presente e Futuro da Exploração dos Planetas: Missões Espaciais e seus Desafios”, realizada no dia 22, foi a última etapa das atividades ocorridas dentro da Unicamp. No dia 27, Lopes fará uma apresentação na Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, intitulada “Luas geladas e criovulcanismo: Descobertas da missão Cassini”.
Atualmente, o JPL conta com sete missões planetárias em operação, da Mars Odyssey (2001), que orbita Marte em busca de sinais da presença de água e que estuda a geologia do planeta vermelho, até a Europa Clipper, sonda lançada em outubro de 2024 para explorar uma das luas de Júpiter e que tem previsão de chegada a seu destino em 2030. Outras cinco missões estão em fase de planejamento hoje: Lunar Trailblazer (2025), Cadre Rovers (sem previsão), Farside Seismic Suite (2025), VenSAR (2031) e Veritas (2031). A VenSAR, uma missão europeia que vai estudar Vênus com a contribuição do JPL na área de instrumentos de radar, desenrola-se sob a liderança de outro brasileiro que atua nesse laboratório da Nasa, o astrônomo carioca Daniel Nunes.
Ainda na fase de estudos, que antecede a de desenvolvimento, há uma missão planejada pelo JPL para trazer amostras do solo de Marte, um projeto que deve ter um custo elevado, mesmo para os padrões atuais da exploração espacial. Durante a palestra, Lopes disse que a Nasa considerou o orçamento feito inicialmente pelo JPL para essa missão, a Mars Sample Return, muito elevado e decidiu abrir a proposta para outras instituições, inclusive empresas privadas, na busca por soluções mais baratas. Na reavaliação, o JPL propôs usar uma nave menor e um sistema batizado de sky crane, já utilizado para pousar em Marte duas vezes. Nesse sistema, um tipo de guindaste, a nave desce o rover, o veículo de exploração de superfície, por meio de cabos, cortados após o pouso. A decisão da Nasa deve ser anunciada nos próximos meses, de acordo com a astrônoma brasileira.
“O pouso em Marte é algo muito desafiador por conta das condições, da gravidade e do ar rarefeito. Muitas missões falharam ao pousar em Marte. Um país que sempre teve uma tecnologia muito avançada de exploração espacial, a antiga União Soviética, depois Rússia, nunca conseguiu pousar uma missão lá. Todas tiveram problemas e fracassaram. Então, esse é um desafio muito grande”, declarou, durante a sessão de perguntas do público, o geólogo Alvaro Crósta, professor do Instituto de Geociências (IG) e principal pesquisador a atuar em parceria com Lopes na Unicamp.
Drones também estão entre os planos do JPL para a exploração de Marte em missões futuras, projetos esses, porém, ainda sem previsão de implantação. Esses veículos seriam usados principalmente para o transporte de instrumentos e a realização de medições aéreas em altitudes intermediárias em relação às das sondas presentes na órbita marciana e às dos equipamentos de exploração de superfície. “Um dos instrumentos que estamos pensando em usar seria um espectrômetro, que poderia mostrar a composição das rochas. Mas ainda não temos nada decidido”, afirmou a pesquisadora.
Na palestra, Lopes recebeu um certificado de participação no Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente das mãos do coordenador do IdEA, Christiano Lyra. “Esse ciclo com a presença da Rosaly foi encantador, seja presencialmente ou online. Destaco a capacidade de ela motivar a comunidade, inclusive nossos colegas da USP [Universidade de São Paulo] e da Unesp [Universidade Estadual Paulista]. Este ano foi muito especial por termos a Rosaly como cientista residente”, elogiou Lyra, no encerramento. “Ela tem sido um modelo inspirador para as meninas cientistas e para nossas colegas da Unicamp.”
Além do trabalho na Nasa como astrônoma, geóloga planetária e vulcanóloga, Lopes desempenha a função de comunicadora científica, fazendo palestras e apresentações para audiências diversas e escrevendo livros para leigos e para o público especializado. Um deles, Turismo de Aventura em Vulcões, foi publicado no Brasil, em 2008, pela Editora Oficina de Textos.
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Astrônoma e geóloga planetária Rosaly Lopes – Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente