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Aluna de doutorado em teoria e história literária no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, a cearense Gilvaneide Santos acaba de lançar o Minidicionário Teórico Negro Brasileiro do Pensamento de Sueli Carneiro. Carneiro é uma reconhecida filósofa e ativista do movimento negro. A obra, escrita durante a residência de pesquisa na Casa Sueli Carneiro, em 2024, sob a mentoria da bibliotecária responsável pelo acervo Ionara Lourenço, está em exibição na mostra Casa Sueli em Residência até o dia 3 de agosto, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.

Capa do livro Minidicionário Teórico Negro Brasileiro do Pensamento de Sueli Carneiro

O livro, disponível online e gratuitamente, apresenta, de forma concisa e didática, 15 verbetes de conceitos utilizados pela filósofa, como feminismo enegrecido, dispositivo de racialidade e mito da democracia racial. A obra se baseia, principalmente, na tese de doutorado de Carneiro, defendida na Universidade de São Paulo (USP) em 2005 e, posteriormente, transformada no livro intitulado Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento do ser (Editora Zahar, 2022).

A doutoranda – graduada em letras-português pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestra em estudos literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – trabalha como professora da educação básica em Fortaleza (CE) e pretende, com o dicionário, difundir as ideias da acadêmica negra junto a um público mais amplo. “Sueli Carneiro é a nossa principal referência viva dentro do movimento negro, mas não é tão conhecida em outros espaços.” A obra de Santos contribui também ao preencher uma lacuna de conteúdos pedagógicos para o ensino da cultura afro-brasileira nos currículos escolares – conforme prevê a legislação brasileira desde 2003.

Na opinião da professora, a publicação serve para contrapor outros discursos que circulam nas redes sociais e fortalecem o racismo. “Como vou combater o racismo se meu aluno, que é da periferia, não tem acesso a essa plataforma teórica? Minha função é ser tradutora dessas linguagens acadêmicas. Quero levar esse material para disputar o discurso da ultradireita que chega ao meu celular todos os dias.”

Com uma proposta diferente da tradicional, o minidicionário busca atrair a atenção pelo design interessante, um trabalho realizado pela artista visual alagoana Alice Guedes, e convida à reflexão e à construção conjunta – por meio de um “caderno do aluno”, um espaço em que o leitor pode escrever suas próprias ideias sobre os verbetes e sobre outros assuntos.

 Gilvaneide Santos durante a residência, em 2024
Gilvaneide Santos durante a residência, em 2024

Apagamento histórico

A proposta do minidicionário tem relação estreita com a pesquisa desenvolvida por Santos na Unicamp, sob orientação do professor Carlos Eduardo Berriel. A doutoranda estuda o conceito de branqueamento cultural no Brasil, tendo como referência a História da Literatura Brasileira de Sílvio Romero, publicada em 1888. “Nós sofremos na pele, literalmente, esse racismo. Mas a gente apaga como ele foi construído historicamente. Nossa tese é demonstrar como ele foi construído dentro das teorias dos séculos 19 e 20 e as consequências disso no século 21”, esclarece.

Um dos conceitos presentes no minidicionário é o do epistemicídio, cunhado pelo pensador português Boaventura de Sousa Santos e usado por Carneiro para descrever a inferiorização e anulação intelectual das pessoas negras – um processo que, segundo Santos, a própria filósofa sofreu. “Não é apenas um apagamento das teorias, mas também um apagamento corpóreo e político: o povo negro chegou às universidades por causa das cotas e enfrenta muita resistência”, afirma.

Gilvaneide e Sueli Carneiro durante lançamento de livro sobre a Lélia Gonzalez
Gilvaneide e Sueli Carneiro: lacuna

Na tese de Carneiro, o epistemicídio é uma das características do dispositivo de racialidade. Trata-se de uma categoria explicada no minidicionário e se refere ao conjunto de componentes do racismo brasileiro. “O que a Sueli vai trazer é essa disputa teórica para a construção do outro lado da história [brasileira], diferente da imagem de Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, tão fincada na academia. Temos esse dispositivo que pensou o Brasil a partir das narrativas dos homens sudestinos brancos. Queremos construir narrativas com outras vozes”, esclarece Santos.

Aparecida Sueli Carneiro Jacoel (São Paulo,1950) é doutora em educação pela USP, escritora e ativista. É uma das fundadoras do Geledés – Instituto da Mulher Negra, criado em 1988. Sua trajetória já foi reconhecida por meio de diversas premiações – entre as mais recentes, tornou-se a primeira mulher negra a receber o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB), em 2022. No mesmo ano, também recebeu o Troféu Esperança Garcia da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e foi homenageada como Personalidade Literária do Prêmio Jabuti em 2022.

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