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Cultura e Sociedade

Estudo aponta que o latim tem perdido espaço nos cursos de Letras de universidades particulares em São Paulo

A hipótese levantada é que as mudanças da LDB em 1996 comprometeram a presença da língua nesses cursos

Durante o bacharelado em  Linguística no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, a pesquisadora Lara Mantovani desenvolveu um projeto na área de Estudos Clássicos. O estudo fez parte do PIBIC-CNPq de Iniciação Científica e recebeu Menção Honrosa da Pró-Reitoria de Pesquisa da Unicamp, pela apresentação dos resultados no XXXI Congresso de Iniciação Científica da Unicamp, em outubro de 2023. O estudo mapeia a presença do ensino de latim nas grades curriculares do curso de Letras das três universidades públicas do Estado de São Paulo e de seis universidades particulares entre 2010 e 2023. O trabalho, orientado pela professora de língua latina do IEL Patricia Prata, teve como objetivo observar se o latim tem perdido espaço nos cursos de Letras e entender como tem sido esse processo.

Mantovani afirmou que a sua motivação inicial veio do gosto pelo latim e por tudo aquilo que envolve as letras clássicas, somado ao seu interesse pelo ensino. A aluna também é professora em uma escola particular e percebeu nos alunos o interesse em saber mais sobre a origem das palavras da língua portuguesa, a maior parte delas vindas do latim. Segundo Mantovani, os alunos a procuravam no final da aula para perguntar sobre assuntos relacionados à gramática latina e até sobre termos da área do direito. Conversando, então, com Patricia Prata, as duas resolveram pela continuidade de uma pesquisa já iniciada em 2010 por outra pesquisadora, realizando o levantamento sobre como o ensino de latim vinha ocorrendo nos cursos de Letras do Estado de São Paulo.

Essa pesquisa acabou suscitando uma discussão importante, a respeito da relevância do conhecimento do latim na formação do aluno de Letras. Segundo a pesquisadora, há uma desvalorização do estudo da língua latina e da cultura greco-romana no Brasil, algo ligado a interesses mercadológicos e ao estigma do latim como língua morta.

“A gente percebeu que esse ensino do latim estava deixando de existir. Algumas universidades começaram a trocar o latim pelo ensino de Libras [Língua Brasileira de Sinais], por exemplo, hoje obrigatória nas licenciaturas. Mas até que ponto a gente está se importando com a origem da nossa língua? Com a etimologia das palavras? Com pensar qual o papel do latim na formação do português e também de outras línguas latinas?”, afirmou Mantovani.

Ao rememorar pesquisadoras como Leni Ribeiro Leite e Marihá Barbosa Castro, que pensam o ensino de latim e seus desdobramentos, a pesquisa reiterou a importância do estudo da Língua Latina, justificada na predominância de seu uso entre os intelectuais até o século XVIII, ao ser língua oficial da Igreja Católica e ter permanecido como idioma principal entre filósofos, cientistas, letrados e religiosos. Portanto, a pesquisa coloca o Latim em destaque, como veículo da literatura e da cultura latina, base constituinte da sociedade ocidental e também da Língua Portuguesa.

Em seu estudo, Mantovani analisou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que rege o ensino superior, e constatou que a presença da disciplina de língua latina nos cursos de Letras foi obrigatória por 34 anos, de 1962 até 1996. Depois disso, a LDB sofreu uma alteração e os currículos passaram a basear-se em competências e habilidades, deixando sua estrutura mais flexível, sem a obrigatoriedade de disciplinas específicas, como é o caso do Latim. Essa mudança fez com que as disciplinas específicas de língua latina fossem sendo deixadas de lado nos cursos de licenciatura em Letras, embora o seu ensino ainda esteja previsto na LDB e deva fazer parte do currículo de alguma forma.

Para dimensionar a presença do ensino do latim nos currículos dos cursos de Letras, Lara Manovani levantou as grades curriculares, as ementas, os projetos políticos pedagógicos e os programas das disciplinas oferecidas pelas nove universidades avaliadas. Em alguns casos, os dados coletados resultaram parciais pois houve dificuldade de acesso a esses materiais, principalmente no caso das universidades privadas. Foram analisadas a Unicamp, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), todas públicas, e as instituições particulares FAM (Centro Universitário), Universidade Paulista (Unip), Centro Regional Universitário de Espírito Santo de Pinhal (Unipinhal), Universidade São Francisco (USF), Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O estudo concluiu que o ensino do latim continua a existir nas três universidades públicas, mas, na maioria das privadas, extinguiu-se ou viu-se espalhado por outras disciplinas. A hipótese levantada é que, realmente, as mudanças da LDB em 1996 comprometeram a presença do latim nesses cursos.

Mantovani fez questão de frisar, em sua pesquisa, que a flexibilização dos currículos das licenciaturas não é algo necessariamente ruim, pois permite às instituições escolherem a composição de seus cursos. O latim, no entanto, não deveria ser simplesmente esquecido , pois se trata de um saber essencial na formação do profissional de Letras. A língua latina, defende a pesquisadora, deveria continuar a existir ao lado das demais disciplinas, todas se complementando.

A pesquisadora disse pretender continuar a pesquisa em seu doutorado, ampliando o mapeamento dos cursos de Letras a fim de abranger universidades federais e universidades estaduais de fora do estado de São Paulo, verificando se essa tendência pode ser observada em todo o país. Mantonvani destacou ainda que seu trabalho abre questionamentos sobre a importância da língua latina no ensino básico e na formação dos alunos do ensino fundamental e médio.

Lívia Mendes Pereira é discente no curso de Especialização em Jornalismo Científico da Unicamp, bolsista da Fapesp (Mídia Ciência) no Centro de Estudos Clássicos do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e possui doutorado em Linguística.

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