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Transformação das agências brasileiras é um dos passos essenciais para sucesso de medidas

No início de 2024, o governo federal anunciou uma nova política industrial baseada em missões. O plano, chamado de Nova Indústria Brasil, foi elaborado de modo participativo no âmbito do CNDI (Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial) ao longo de 2023. Enquanto temas como instrumentos de financiamento para inovação, tributação das atividades de pesquisa e desenvolvimento, uso estratégico de compras públicas e diminuição do Custo Brasil estão em alta no debate público, uma questão ainda permanece em baixa: como as agências brasileiras de inovação e de desenvolvimento poderão implementar e orquestrar as missões propostas?

As políticas orientadas por missão têm sido adotadas em vários países e podem representar uma nova estratégia do Estado brasileiro para focar a inovação em questões críticas da sociedade. Entretanto, pôr em prática políticas por missões requer enormes capacidades das agências responsáveis por sua implementação. As agências precisam ser capazes de atuar estrategicamente e prospectar as oportunidades disponíveis; identificar os melhores instrumentos de intervenção; engajar empresas, ICTs, sociedade civil e outros órgãos públicos e monitorar a política pública, verificando se está no caminho certo. A construção dessas capacidades demanda uma reflexão mais atenta dos desenhos jurídicos e institucionais e das rotinas organizacionais dessas agências.

As missões enunciadas pelo CNDI representam uma transformação em relação às abordagens anteriores que visavam estimular, de maneira horizontal ou setorial, a inovação. Elas buscam direcionar o esforço inovador, ou seja, recursos financeiros e não financeiros, privados e públicos, para questões específicas, como 1) cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais, 2) complexo econômico industrial da saúde resiliente, 3) infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis, 4) transformação digital da indústria, 5) bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas e 6) tecnologias de interesse para a defesa e a soberania. Priorizar missões específicas como essas oferece um fio condutor para a inovação estratégica, alinhada com as necessidades da sociedade.

No entanto, para que essa visão seja concretizada, é importante que as organizações brasileiras, como Finep, Embrapii, BNDES, Apex, Sebrae, entre outras, desenvolvam o que se convencionou chamar de capacidades dinâmicas. Até porque, em geral, as ditas missões são amplas e abrangentes, e são os projetos específicos que estão abaixo delas que dão materialidade à política. Mas isto não é simples.

Os estudos sobre essas capacidades dão ênfase a três dimensões: percepção, aproveitamento e transformação. A capacidade de percepção para missões requer que as agências de inovação sejam ágeis na identificação e prospecção de oportunidades, acompanhando mudanças em curso no ambiente global de inovação, desde o surgimento de tecnologias disruptivas até mudanças nas preferências do mercado. Já a capacidade de aproveitamento implica na competência de alocação de recursos, financeiros e não financeiros, de maneira assertiva, eficaz e eficiente para capturar valor nas oportunidades identificadas. Em outras palavras, as agências devem poder investir de maneira contínua e assertiva sem interrupções bruscas por flutuações orçamentárias ou mudanças políticas. Por fim, a capacidade de transformação exige que as agências sejam capazes de se adaptar (e mesmo, desejavelmente, se antecipar) e se renovar em resposta às mudanças em seu ambiente, por meio de aprendizado, evolução e melhoria contínua das práticas internas, processos e estruturas organizacionais.

Para o desenvolvimento dessas capacidades, é essencial aprimorar o desenho jurídico-institucional que sustenta as principais rotinas organizacionais das agências de inovação, incluindo aspectos como governança, desenho organizacional, orçamento e finanças, compras públicas, parcerias e gestão de recursos humanos. As rotinas organizacionais estão enraizadas nessas dimensões jurídico-institucionais e afetam profundamente a forma como as agências de inovação funcionam.

Algumas dessas reformas para ampliação de capacidades do Estado já estão sendo realizadas com iniciativas como o novo Pacto Fiscal, os compromissos de sustentabilidade da dívida pública, a introdução da nova Lei de Licitações e o Concurso Nacional Unificado, mas ainda há espaço para mais reformas para implementação de políticas orientadas por missões. Aprimorar a seleção de lideranças, intensificar mecanismos de participação social, fortalecer unidades de controle e inovação, aprimorar avaliações de impacto, viabilizar o uso estratégico das compras públicas e garantir orçamento são ações fundamentais para o sucesso na execução das missões. A própria criação do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos representa um avanço com sua atribuição de ampliar as capacidades do Estado, mas dada a centralidade das políticas de inovação para o desenvolvimento, ainda é necessário um olhar mais específico para a implementação bem-sucedida de missões pelas agências de inovação.

Com a chegada das políticas industriais orientadas por missões, é indispensável refletir sobre seus desenhos e sua implementação pelo Estado brasileiro, atentando para experiências anteriores com pouco sucesso e para os desafios contemporâneos inéditos. Talvez o maior destes seja repensar aspectos das rotinas organizacionais das agências para construir suas capacidades específicas para missões, tornando-as mais ágeis, assertivas, eficazes, flexíveis e alinhadas com as demandas da sociedade.

À medida que enfrentamos desafios cada vez mais complexos, como a mitigação das mudanças climáticas e a resposta a pandemias globais, a inovação é uma das chaves para o sucesso. As políticas orientadas por missões podem ser uma abordagem que facilite enfrentar esses tipos de desafios. A transformação das agências brasileiras é um dos passos essenciais para o sucesso das missões que temos pela frente.


Eduardo Spanó é diretor do Instituto Jataí e doutorando no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp .

Rafael Monnerat é analista de projetos do Instituto Jataí e mestrando no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp.

Carlos Américo Pacheco é diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp e professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp.

Maria Beatriz Bonacelli é professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp.

Artigo publicado originalmente no Nexo Jornal


Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

Reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), no Palácio do Planalto, durante lançamento do plano Nova Indústria Brasil
Reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), no Palácio do Planalto, durante lançamento do plano Nova Indústria Brasil
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