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Atualidades Cultura e Sociedade

A masculinidade precisa de novos modelos, afirma a psicanalista argentina Debora Tajer

Pesquisadora defendeu abordagem interseccional do tema durante palestra de abertura do Programa de Cientista Residente

Em palestra realizada na noite dessa quarta-feira (22), a pesquisadora residente na Unicamp Debora Tajer chamou a atenção para a necessidade da construção coletiva de novos modelos de masculinidade não machistas. O evento inaugurou a participação da psicanalista argentina no Programa Cesar Lattes de Cientista Residente do Instituto de Estudos Avançados (Idea).

“Na nossa sociedade, há um forte questionamento dos emblemas da masculinidade tradicional hegemônica devido aos seus custos para o sujeito e para os outros. Mas, ao mesmo tempo, não foram constituídos modelos valiosos de masculinidade não hegemônica para transmitir às novas gerações”, afirmou Tajer.

Durante a palestra, intitulada “Masculinidades contemporâneas. Construção, desconstrução e reconstrução conservadora – abordagens interseccionais”, a pesquisadora defendeu que os jovens de hoje não são acolhidos pelas políticas públicas, sentem-se sozinhos e desafiliados, o que gera raiva. “Ninguém fala com essas gerações de homens, exceto os discursos neoconservadores, que propõem um retorno aos lugares tradicionais.”

A psicanalista Debora Tajer:  questionamento dos emblemas da masculinidade tradicional hegemônica
A psicanalista Debora Tajer: questionamento dos emblemas da masculinidade tradicional hegemônica

Esse cenário exige novas estratégias para a desconstrução da masculinidade tradicional e a construção de novas identidades do que é ser homem. A analista propõe uma abordagem interseccional, analisando como os diferentes eixos (gênero, raça, classe, geolocalização, sexualidade e outros) constroem a identidade do sujeito. “Essa perspectiva nos permite considerar como eles [eixos] se constituem em marcadores de identidade histórica e culturalmente contingentes, o que nos abre a porta para pensá-los [os homens] de outra forma do que temos pensado até agora.”

Mudanças e desafios

Na paternidade e na heteronormatividade há mudanças importantes nas masculinidades — com a participação mais ativa na criação dos filhos e a rejeição à ideia de que é preciso desejar uma mulher para ser um homem. Ocorreram menos mudanças, no entanto, nas relações afetivas de homens com mulheres, pontuou Tajer.

A desconstrução da masculinidade hegemônica é um conceito utilizado pelas militâncias feministas e LGBTQIAPN+, derivado do trabalho do filósofo Jacques Derrida, e busca questionar se pode haver uma formulação mais plural e inclusiva do que significa ser homem. A pesquisadora ressaltou que esse é um trabalho que os homens devem assumir para si próprios, com palavras e dispositivos que consigam comover e agrupar os homens.

“É preciso pensar numa saída solidária e fortalecedora do vínculo social para o mal-estar dos homens”, falou Tajer. Os homens não sabem lidar com esse mal-estar, que amplia a hostilidade — proveniente de uma reconstrução conservadora da masculinidade em um contexto neoliberal. Para a psicanalista, os homens progressistas devem conversar entre si e “levar a sério, não apenas defensivamente, a interpelação que fazemos [as mulheres e outros grupos sociais]”.

O jornalista Bernardo Fernandes: masculinidade nas relações internacionais
O jornalista Bernardo Fernandes: masculinidade nas relações internacionais

Novos diálogos

“É muito raro alguém, especialmente uma mulher, levar o tema da subjetividade masculina a sério academicamente. O olhar da professora foi muito sensível com a masculinidade, não foi acusatório. Ela trouxe uma ideia que realmente aproxima”, afirmou Willians de Sousa, aluno do 5º ano de Medicina na Unicamp.

Interessado na relação entre psicanálise e interseccionalidade, Sousa pesquisa – sob orientação do professor Claudio Banzato – modelos de diagnóstico do transtorno de personalidade borderline e como eles afetam a vida dos pacientes, inspirado no próprio diagnóstico. Conforme o discente, os autores citados por Tajer colaborarão com o seu trabalho.

Isabela Lodis estuda psicologia na Universidade São Francisco e participou da palestra motivada a entender mais sobre o recorte de gênero na saúde mental. “Não esperava que fosse me tocar tanto. Sou mulher e tendo a pensar por essa via, mas ouvir sobre as masculinidades abre o campo de discussão e de reflexão.”

O jornalista Bernardo Fernandes investigou a masculinidade nas relações internacionais em seu mestrado, em 2020. Também presente no evento, ele destacou que o homem precisa se envolver mais na discussão sobre esse tema. “Chamou a minha atenção quando Tajer falou que a masculinidade hegemônica é egossintônica — ‘eu sou assim e vocês têm que me aturar’. A maior parte do mundo é governada por homens, e as políticas são pensadas por eles, mas as mulheres, que são maioria no mundo, são as mais afetadas. Isso precisa ser discutido.”

O coordenador-geral da Universidade, Fernando Coelho (à esquerda) e o coordenador do Idea, Marco Aurélio Cremasco: relevância do tema
O coordenador-geral da Universidade, Fernando Coelho (à esquerda) e o coordenador do Idea, Marco Aurélio Cremasco: relevância do tema

Saúde mental em pauta

Debora Tajer é a nona cientista a participar do programa de residência da Unicamp. Na abertura do evento, o coordenador-geral da Unicamp, Fernando Coelho, destacou a relevância do tema em um mundo cheio de tensões e polarizações, potencializadas por mecanismos que promovem o afastamento social e o aumento do adoecimento mental. “Termos aqui uma pesquisadora de uma universidade co-irmã, da Argentina, que passará um tempo discutindo conosco essas questões dentro de um ambiente brasileiro, é uma grande contribuição. É bom saber que o Idea está capitaneando esse tipo de ação.”

Marco Aurélio Cremasco, coordenador do Idea, falou da importância do resgate da ternura, do afeto e do amor, parafraseando Tajer. A professora da FCM Rosana Onocko Campos, que coordena o grupo de trabalho “Saúde Mental e Violência: Tessituras Dissidentes”, do Idea agradeceu Tajer pela disponibilidade de agenda para estar na Unicamp.

Foto de capa:

O evento inaugurou a participação da psicanalista argentina Debora Tajer no Programa Cesar Lattes de Cientista Residente do Idea
O evento inaugurou a participação da psicanalista argentina Debora Tajer no Programa Cesar Lattes de Cientista Residente do Idea

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