


(Continuação)
Adriana Vilar de Menezes
O cenário da estrutura de saúde na Faixa Gaza é de terra devastada, com 94% dos hospitais bombardeados e apenas 6% em operação, ainda que danificados. Os dados provêm da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF). No início de setembro, enquanto se desocupavam os dois principais hospitais em funcionamento na cidade de Gaza, Al Shifa e Al Ahli, segundo autoridades da área da saúde, médicos continuavam a atender pacientes. Mais de mil profissionais do setor perderam a vida desde outubro de 2023. Além do controle sobre a circulação de alimentos, Israel proíbe, desde o primeiro semestre deste ano, a entrada e a saída da Faixa de Gaza de suprimentos e insumos médicos.
O médico e professor da Unicamp Hazem Adel Ashmawi acompanha à distância o trabalho dos profissionais da saúde ainda presentes na região. “Há crianças com menos de cinco anos, muitos bebês, com olhos fundos. Muitos médicos fazem trabalho voluntário. Tenho o relato de uma médica britânica, com menos de 40 anos, que disse não ter mais drenos de tórax, um equipamento muito usado em quem leva um tiro. Ela está há alguns anos em Gaza e diz que tudo piorou. A médica atendeu uma criança que teve o pé explodido e que precisou reconstruir esse pé. Há muitos casos de infecção, mas não há antibióticos”, conta Ashmawi.

(Continuação)
Adriana Vilar de Menezes
O cenário da estrutura de saúde na Faixa Gaza é de terra devastada, com 94% dos hospitais bombardeados e apenas 6% em operação, ainda que danificados. Os dados provêm da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF). No início de setembro, enquanto se desocupavam os dois principais hospitais em funcionamento na cidade de Gaza, Al Shifa e Al Ahli, segundo autoridades da área da saúde, médicos continuavam a atender pacientes. Mais de mil profissionais do setor perderam a vida desde outubro de 2023. Além do controle sobre a circulação de alimentos, Israel proíbe, desde o primeiro semestre deste ano, a entrada e a saída da Faixa de Gaza de suprimentos e insumos médicos.
O médico e professor da Unicamp Hazem Adel Ashmawi acompanha à distância o trabalho dos profissionais da saúde ainda presentes na região. “Há crianças com menos de cinco anos, muitos bebês, com olhos fundos. Muitos médicos fazem trabalho voluntário. Tenho o relato de uma médica britânica, com menos de 40 anos, que disse não ter mais drenos de tórax, um equipamento muito usado em quem leva um tiro. Ela está há alguns anos em Gaza e diz que tudo piorou. A médica atendeu uma criança que teve o pé explodido e que precisou reconstruir esse pé. Há muitos casos de infecção, mas não há antibióticos”, conta Ashmawi.

“Não tem leito, não tem UTI [unidade de tratamento intensivo]. Eu soube de médicos presos e torturados. Trata-se de uma fábrica de desgraças, uma produção de mortos, feridos e sequelados. Eu vi fotos de uma criança que teve os quatro membros amputados. Fico imaginando o grau de sequela que sobrará naquela sociedade. É muito doloroso ver pessoas com tanto sofrimento, fazendo cirurgia sem anestesia, sem remédio para dor. Esse é um sofrimento humano atroz. Qualquer ser humano que tem empatia sente essa dor”, conclui o médico.
Na opinião do historiador Luiz Marques, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade, a falta de reação dos países de um modo em geral “representa uma baixeza moral indescritível”. “Muitos países da Europa se calam diante do genocídio porque são obedientes aos Estados Unidos, com raras exceções. Hoje praticamente a Europa inteira reza a cartilha norte-americana.”

“Não tem leito, não tem UTI [unidade de tratamento intensivo]. Eu soube de médicos presos e torturados. Trata-se de uma fábrica de desgraças, uma produção de mortos, feridos e sequelados. Eu vi fotos de uma criança que teve os quatro membros amputados. Fico imaginando o grau de sequela que sobrará naquela sociedade. É muito doloroso ver pessoas com tanto sofrimento, fazendo cirurgia sem anestesia, sem remédio para dor. Esse é um sofrimento humano atroz. Qualquer ser humano que tem empatia sente essa dor”, conclui o médico.
Na opinião do historiador Luiz Marques, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade, a falta de reação dos países de um modo em geral “representa uma baixeza moral indescritível”. “Muitos países da Europa se calam diante do genocídio porque são obedientes aos Estados Unidos, com raras exceções. Hoje praticamente a Europa inteira reza a cartilha norte-americana.”

Desumanização
Para Ashmawi, filho de mãe palestina, existe uma tentativa de desumanizar os palestinos. “Não dão nome às pessoas. Fica mais fácil o mundo aceitar a morte de quem você não humaniza. Mas uma pessoa gritando de dor é uma pessoa gritando de dor. O resgate da humanização dos palestinos é muito importante. Talvez isso comova as pessoas que só chamavam os palestinos de terroristas”, afirma o médico.
Suas tias Mayson, Arwa e Rofida, mortas dentro de casa por soldados israelenses em 2024, na cidade de Gaza, não foram os únicos integrantes da família do docente vítimas das ações de Israel nos últimos quase dois anos de ataques realizados na Faixa de Gaza. O médico ginecologista Bahaa El Ghalayni, tio de Ashmawi e primo de sua mãe, conseguiu sair vivo da região, mas seu centro de fertilização, o maior da cidade, sofreu bombardeios mesmo armazenando mais de 4 mil embriões em tanques de hidrogênio líquido. Formado no Cairo (Egito), na década de 1990, o tio de Ashmawi está hoje na Inglaterra, graças à cidadania britânica que possui.
“A impressão é que eles não querem que exista um Estado palestino. Mas essa situação não pode continuar. Não tem como você manter um povo sem liberdade eternamente. Você consegue manter essa situação durante um período, mas uma hora a coisa estoura”, desabafa o médico da Unicamp. “Durante os primeiros meses, eu falei com meu tio e perguntei o que achava que iria acontecer. E ele disse: ‘Eu acho que não vão ter coragem de destruir, porque eles [os israelenses] nunca invadiram [a Faixa de Gaza] por terra’. E, de repente, eles entraram”, observa Ashmawi. “Não havia motivo para bombardear um hospital ou um centro de fertilização. Eu falo com meu tio até hoje e dá para perceber que ele não voltou ao seu normal. Ele tem 75 anos. Como vai reconstruir a vida? Não vai reconstruir.”

Desumanização
Para Ashmawi, filho de mãe palestina, existe uma tentativa de desumanizar os palestinos. “Não dão nome às pessoas. Fica mais fácil o mundo aceitar a morte de quem você não humaniza. Mas uma pessoa gritando de dor é uma pessoa gritando de dor. O resgate da humanização dos palestinos é muito importante. Talvez isso comova as pessoas que só chamavam os palestinos de terroristas”, afirma o médico.
Suas tias Mayson, Arwa e Rofida, mortas dentro de casa por soldados israelenses em 2024, na cidade de Gaza, não foram os únicos integrantes da família do docente vítimas das ações de Israel nos últimos quase dois anos de ataques realizados na Faixa de Gaza. O médico ginecologista Bahaa El Ghalayni, tio de Ashmawi e primo de sua mãe, conseguiu sair vivo da região, mas seu centro de fertilização, o maior da cidade, sofreu bombardeios mesmo armazenando mais de 4 mil embriões em tanques de hidrogênio líquido. Formado no Cairo (Egito), na década de 1990, o tio de Ashmawi está hoje na Inglaterra, graças à cidadania britânica que possui.
“A impressão é que eles não querem que exista um Estado palestino. Mas essa situação não pode continuar. Não tem como você manter um povo sem liberdade eternamente. Você consegue manter essa situação durante um período, mas uma hora a coisa estoura”, desabafa o médico da Unicamp. “Durante os primeiros meses, eu falei com meu tio e perguntei o que achava que iria acontecer. E ele disse: ‘Eu acho que não vão ter coragem de destruir, porque eles [os israelenses] nunca invadiram [a Faixa de Gaza] por terra’. E, de repente, eles entraram”, observa Ashmawi. “Não havia motivo para bombardear um hospital ou um centro de fertilização. Eu falo com meu tio até hoje e dá para perceber que ele não voltou ao seu normal. Ele tem 75 anos. Como vai reconstruir a vida? Não vai reconstruir.”
Os horrores do atendimento médico em Gaza são relatados pelo professor Hazem Adel Ashmawi. Os bombardeios constantes e a falta de estrutura hospitalar provocam mutilações e mortes principalmente entre jovens, que constituem a maior parte da população. Entre as crianças, a situação é dramática e uma geração inteira levará para sempre as sequelas da guerra.

Geopolítica, petróleo e gás
Há um elemento geopolítico fundamental a justificar a tomada por Israel da Faixa de Gaza, diz Marques: 20% do petróleo do mundo passa por aquela região. Por isso, um dos momentos mais tensos do conflito deu-se com a ameaça de fechar o Estreito de Ormuz, no Irã, por onde circulam pelo menos 20 milhões de barris de petróleo por dia. A China também alimenta um grande interesse no petróleo do Golfo Pérsico, região que inclui o Irã, o Iraque, o Kuwait, a Arábia Saudita, Bahrein, Catar, os Emirados Árabes Unidos e Omã, destaca Marques.
Tomar a Faixa de Gaza configura ainda uma estratégia dos Estados Unidos para que Israel garanta acesso às jazidas de gás do Mediterrâneo, na altura da Faixa de Gaza, ou seja, em território palestino. “Israel não permitiria o fluxo de recursos para a Faixa de Gaza. Inclusive porque, em geral, onde tem gás tem petróleo, e vice-versa, dizem os especialistas.” De acordo com o professor do IFCH, na geopolítica ocidental, Israel —a maior potência militar daquela região — sempre funcionou como a maior arma dos Estados Unidos a garantir que os outros países do Oriente Médio não se voltem contra os norte-americanos. Contudo, nesse grande jogo de xadrez atravessado por diferentes estratégias, há ainda a Turquia, que, segundo Marques, é a “chave”, por ser, ao mesmo tempo, um país muçulmano e um integrante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). “A Turquia é a maior potência militar da Otan depois dos Estados Unidos.”

Geopolítica, petróleo e gás
Há um elemento geopolítico fundamental a justificar a tomada por Israel da Faixa de Gaza, diz Marques: 20% do petróleo do mundo passa por aquela região. Por isso, um dos momentos mais tensos do conflito deu-se com a ameaça de fechar o Estreito de Ormuz, no Irã, por onde circulam pelo menos 20 milhões de barris de petróleo por dia. A China também alimenta um grande interesse no petróleo do Golfo Pérsico, região que inclui o Irã, o Iraque, o Kuwait, a Arábia Saudita, Bahrein, Catar, os Emirados Árabes Unidos e Omã, destaca Marques.
Tomar a Faixa de Gaza configura ainda uma estratégia dos Estados Unidos para que Israel garanta acesso às jazidas de gás do Mediterrâneo, na altura da Faixa de Gaza, ou seja, em território palestino. “Israel não permitiria o fluxo de recursos para a Faixa de Gaza. Inclusive porque, em geral, onde tem gás tem petróleo, e vice-versa, dizem os especialistas.” De acordo com o professor do IFCH, na geopolítica ocidental, Israel —a maior potência militar daquela região — sempre funcionou como a maior arma dos Estados Unidos a garantir que os outros países do Oriente Médio não se voltem contra os norte-americanos. Contudo, nesse grande jogo de xadrez atravessado por diferentes estratégias, há ainda a Turquia, que, segundo Marques, é a “chave”, por ser, ao mesmo tempo, um país muçulmano e um integrante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). “A Turquia é a maior potência militar da Otan depois dos Estados Unidos.”

Conflitos históricos
Para entender os conflitos históricos envolvendo o Oriente Médio e como os países da região se relacionam, faz-se necessário estudar o assunto — ou ter nascido ali. Ashmawi veio à luz no Brasil, mas, como filho de pai egípcio e mãe palestina, sempre esteve envolvido e engajado nas causas pertinentes à região de origem de sua família. Desde a juventude, participa de manifestações de apoio aos palestinos. Antes de formar-se em medicina, cursou biologia em São Paulo. E lembra que tinha 18 anos quando ocorreu o massacre perpetrado por uma milícia cristã maronita nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, em Beirute (Líbano), em 1982, uma área então sob controle das Forças Armadas de Israel. A Organização das Nações Unidas (ONU) classificou o ataque como um genocídio.
“Eu e outros estudantes resolvemos protestar no clube Hebraica, em São Paulo. Fomos à noite fazer pichação nos muros, em protesto contra o massacre de Sabra e Chatila. Eram cerca de 11h da noite. Eles tinham acabado o treino de basquete. Eram jogadores enormes que saíram correndo atrás de nós. Estávamos de carro, fomos embora”, lembra o médico anestesiologista, que desde 1992 especializou-se em tratamento para dor.
“Eu participo de quase toda manifestação de apoio aos palestinos que acontece nas ruas”, afirma Ashmawi, integrante do Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino de Campinas, criado exatamente no mesmo ano do massacre de Sabra e Chatila.
A também brasileira Jamile Abdel Latif, filha de pai palestino e mãe portuguesa, integra o mesmo comitê e faz curadoria de mostras de filmes árabes para o Museu da Imagem e do Som de Campinas (MIS Campinas). “Eu sou de família muçulmana e cristã. Minha mãe é católica, nascida em Portugal. Meu pai é palestino, nascido em Belém. Eles se conheceram no Brasil, um ano depois da chegada do meu pai, em 1958. Tiveram quatro filhos. A infância do meu pai na Faixa de Gaza foi convivendo com soldados israelenses”, diz Latif, cujo marido é um médico palestino.

Conflitos históricos
Para entender os conflitos históricos envolvendo o Oriente Médio e como os países da região se relacionam, faz-se necessário estudar o assunto — ou ter nascido ali. Ashmawi veio à luz no Brasil, mas, como filho de pai egípcio e mãe palestina, sempre esteve envolvido e engajado nas causas pertinentes à região de origem de sua família. Desde a juventude, participa de manifestações de apoio aos palestinos. Antes de formar-se em medicina, cursou biologia em São Paulo. E lembra que tinha 18 anos quando ocorreu o massacre perpetrado por uma milícia cristã maronita nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, em Beirute (Líbano), em 1982, uma área então sob controle das Forças Armadas de Israel. A Organização das Nações Unidas (ONU) classificou o ataque como um genocídio.
“Eu e outros estudantes resolvemos protestar no clube Hebraica, em São Paulo. Fomos à noite fazer pichação nos muros, em protesto contra o massacre de Sabra e Chatila. Eram cerca de 11h da noite. Eles tinham acabado o treino de basquete. Eram jogadores enormes que saíram correndo atrás de nós. Estávamos de carro, fomos embora”, lembra o médico anestesiologista, que desde 1992 especializou-se em tratamento para dor.
“Eu participo de quase toda manifestação de apoio aos palestinos que acontece nas ruas”, afirma Ashmawi, integrante do Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino de Campinas, criado exatamente no mesmo ano do massacre de Sabra e Chatila.
A também brasileira Jamile Abdel Latif, filha de pai palestino e mãe portuguesa, integra o mesmo comitê e faz curadoria de mostras de filmes árabes para o Museu da Imagem e do Som de Campinas (MIS Campinas). “Eu sou de família muçulmana e cristã. Minha mãe é católica, nascida em Portugal. Meu pai é palestino, nascido em Belém. Eles se conheceram no Brasil, um ano depois da chegada do meu pai, em 1958. Tiveram quatro filhos. A infância do meu pai na Faixa de Gaza foi convivendo com soldados israelenses”, diz Latif, cujo marido é um médico palestino.

Racismo e religião
Latif promete nunca se calar, afirmando que os palestinos têm sido tratados como seres inferiores e que por isso se tornaram “deletáveis” aos olhos do mundo. “O apartheid de Israel é muito pior que o da África do Sul, segundo o próprio Nelson Mandela [líder negro sul-africano e ex-presidente do país]”, afirma. Latif diz ter esperança de que um dia os israelenses tomem consciência disso e que “quebrem o sionismo”.

“Os judeus crescem acreditando que os palestinos os odeiam e que são perigosos. E que nós fugimos do território palestino, ou seja, que não fomos expulsos. Muitos não sabem a verdade e são criados de forma racista. Por isso, fazem isso na Faixa de Gaza. A única possibilidade de mudança é uma pressão do mundo. Não existe paz com violência, já dizia [o filósofo alemão Immanuel] Kant.”
Leitora da Bíblia e do Alcorão, Latif elenca como seu livro bíblico preferido o Evangelho de João. “Nós acreditamos em Jesus. Mas, para os muçulmanos, Jesus não morre. Ele sobe vivo [aos céus]”, afirma. “Se as pessoas conhecessem a Bíblia, não falariam que aquela terra é dos judeus.”
De acordo com Marques, a ideologia que prega a criação de uma grande Israel possui textos religiosos como base, textos nos quais há registros sobre uma terra prometida para os judeus em território palestino. Esse é o fundamento do movimento sionista. “Há aí uma ideologia completamente impermeável a qualquer racionalidade”, afirma o historiador.
“Não se trata apenas do sionismo, porém. Trata-se de um tipo de ideologia evangélica de extrema direita que, no Brasil, tem enorme penetração e que faz de Israel um símbolo para esses cristãos. Essa obsessão por Israel se dá porque, para os cristãos, quando Jerusalém for finalmente a capital de Israel, isso desencadeará o retorno de Cristo”, diz o docente. O povo judeu carrega traumas muito antigos. “Houve uma perseguição milenar contra os judeus que culminou em violentos ataques da população não judia contra os judeus, como, por exemplo, os pogroms na região dominada pelo Império Russo”, lembra o historiador. Depois ocorreu o Shoá, palavra hebraica que designa o genocídio nazista contra os judeus na Segunda Guerra Mundial. Por conta desse histórico, afirma o professor, “qualquer crítica [a respeito de Israel] é considerada antissemitismo, e isso encerra qualquer possibilidade de discussão”.

Racismo e religião
Latif promete nunca se calar, afirmando que os palestinos têm sido tratados como seres inferiores e que por isso se tornaram “deletáveis” aos olhos do mundo. “O apartheid de Israel é muito pior que o da África do Sul, segundo o próprio Nelson Mandela [líder negro sul-africano e ex-presidente do país]”, afirma. Latif diz ter esperança de que um dia os israelenses tomem consciência disso e que “quebrem o sionismo”.

“Os judeus crescem acreditando que os palestinos os odeiam e que são perigosos. E que nós fugimos do território palestino, ou seja, que não fomos expulsos. Muitos não sabem a verdade e são criados de forma racista. Por isso, fazem isso na Faixa de Gaza. A única possibilidade de mudança é uma pressão do mundo. Não existe paz com violência, já dizia [o filósofo alemão Immanuel] Kant.”
Leitora da Bíblia e do Alcorão, Latif elenca como seu livro bíblico preferido o Evangelho de João. “Nós acreditamos em Jesus. Mas, para os muçulmanos, Jesus não morre. Ele sobe vivo [aos céus]”, afirma. “Se as pessoas conhecessem a Bíblia, não falariam que aquela terra é dos judeus.”
De acordo com Marques, a ideologia que prega a criação de uma grande Israel possui textos religiosos como base, textos nos quais há registros sobre uma terra prometida para os judeus em território palestino. Esse é o fundamento do movimento sionista. “Há aí uma ideologia completamente impermeável a qualquer racionalidade”, afirma o historiador.
“Não se trata apenas do sionismo, porém. Trata-se de um tipo de ideologia evangélica de extrema direita que, no Brasil, tem enorme penetração e que faz de Israel um símbolo para esses cristãos. Essa obsessão por Israel se dá porque, para os cristãos, quando Jerusalém for finalmente a capital de Israel, isso desencadeará o retorno de Cristo”, diz o docente. O povo judeu carrega traumas muito antigos. “Houve uma perseguição milenar contra os judeus que culminou em violentos ataques da população não judia contra os judeus, como, por exemplo, os pogroms na região dominada pelo Império Russo”, lembra o historiador. Depois ocorreu o Shoá, palavra hebraica que designa o genocídio nazista contra os judeus na Segunda Guerra Mundial. Por conta desse histórico, afirma o professor, “qualquer crítica [a respeito de Israel] é considerada antissemitismo, e isso encerra qualquer possibilidade de discussão”.

O meio ambiente e a ONU
O docente faz ainda um alerta a respeito das questões ambientais na região. “Além do abismo moral do genocídio na Faixa de Gaza, há o declínio econômico e ambiental da área. Israel cava sua própria ruína. O mundo está em rápido e acelerado processo de colapso. É autodestrutiva a situação climática de um país que desde 2019 tem registrado temperaturas de até 49 graus Celsius e que está em um processo de aquecimento a uma taxa de 0,6 grau por década”, afirma Marques. Pesquisas recentes apontam que 40% da população de Israel pensa hoje em migrar. E, a cada dia, cresce o número de israelenses contrários à atual política do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

Na opinião do historiador, a ONU, criada em 1945, deveria ser refundada. “Hoje em dia, a entidade é uma casca de ovo vazia”, defende Marques. “O ordenamento jurídico [da ONU] não tem mais nada a ver com a realidade de 2025. Esse ordenamento não fala sobre a poluição, a mudança climática, a perda da natureza, porque na época isso não era um problema.”
Em um prazo de dez anos, a elevação média das temperaturas em Israel deve atingir 2,4 graus Celsius acima da média do período pré-industrial. “Isso é bem superior do que o aquecimento médio global. Nessa trajetória, será em breve impossível para os organismos humanos e para os de outras espécies se adaptarem aos picos de calor, que devem ultrapassar regularmente os 50 graus Celsius. O que mais a gente pode dizer?”, pergunta o professor.
Ouça a entrevista com o professor Luiz Marques.

O meio ambiente e a ONU
O docente faz ainda um alerta a respeito das questões ambientais na região. “Além do abismo moral do genocídio na Faixa de Gaza, há o declínio econômico e ambiental da área. Israel cava sua própria ruína. O mundo está em rápido e acelerado processo de colapso. É autodestrutiva a situação climática de um país que desde 2019 tem registrado temperaturas de até 49 graus Celsius e que está em um processo de aquecimento a uma taxa de 0,6 grau por década”, afirma Marques. Pesquisas recentes apontam que 40% da população de Israel pensa hoje em migrar. E, a cada dia, cresce o número de israelenses contrários à atual política do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

Na opinião do historiador, a ONU, criada em 1945, deveria ser refundada. “Hoje em dia, a entidade é uma casca de ovo vazia”, defende Marques. “O ordenamento jurídico [da ONU] não tem mais nada a ver com a realidade de 2025. Esse ordenamento não fala sobre a poluição, a mudança climática, a perda da natureza, porque na época isso não era um problema.”
Em um prazo de dez anos, a elevação média das temperaturas em Israel deve atingir 2,4 graus Celsius acima da média do período pré-industrial. “Isso é bem superior do que o aquecimento médio global. Nessa trajetória, será em breve impossível para os organismos humanos e para os de outras espécies se adaptarem aos picos de calor, que devem ultrapassar regularmente os 50 graus Celsius. O que mais a gente pode dizer?”, pergunta o professor.
Ouça a entrevista com o professor Luiz Marques.

Especialmente produzidas para a série Gaza, as quatro faixas musicais “Para Gaza” (do #1 ao #4) foram compostas pelo músico Matheus Mota, estudante de Música da Unicamp e estagiário da Secretaria Executiva de Comunicação (SEC), como bolsista da Diretoria Executiva de Apoio Estudantil (Daepe).
“Pensando em uma mistura de jazz com música árabe, compus a partir das emoções e sensações que tive com as notícias sobre Gaza”, resume Mota, que convidou Brisa Maria, também estudante de Música, para fazer a percussão. Brisa toca derbak (instrumento originário do Oriente Médio). Segundo Mota, o álbum Blue Camel, de Rabih Abou-Khalil, foi uma de suas referências musicais para a composição.
Composição, programação, violão: Matheus Mota Derbak: Brisa
Para Gaza #1
Para Gaza #2
Para Gaza #3
Para Gaza #4
Edição: Álvaro Kassab
Reportagem: Adriana Vilar de Menezes
Edição de arte: Luis Paulo Silva
Vídeos: Aguinaldo Matos
Edição de vídeo: Aguinaldo Matos, Hebe Rios
Fotos: Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti
Edição de imagem: Luis Paulo Silva
Revisão: Rodrigo Castro
Edição de áudio: Octávio Augusto Bueno Fonseca da Silva
Design web: Renan Barreto
Trilha sonora: Matheus Mota
Coordenação geral: Álvaro Kassab, Laura Freitas Rodrigues
Créditos das imagens
Capa – UN News, UNRWA, UNICEF, WHO, MSF
Galerias – UN News, UNRWA, UNICEF, WHO, UNICEF, MSF Abdelhakim Abu Riash/ IAJ, monitordooriente.com, FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil, IAJ – institute.aljazeera.net
