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O Brasil vivia a transição democrática, em 1985, após 21 anos de ditadura militar, quando nasceu o Coral Unicamp Zíper na Boca na jovem Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Quatro décadas depois, muita coisa mudou, mas o Zíper na Boca mantém seu caráter irreverente, sua formação diversa – aberta a estudantes, funcionários, docentes e comunidade externa – e a mesma batuta da maestrina Vivian Nogueira, que abraçou o coral quando era recém-formada em Regência Plena pela própria Unicamp, hoje uma universidade quase sexagenária – no próximo ano, a Unicamp fará 60 anos.

Atualmente composto por 78 coralistas, o Zíper na Boca comemora sua trajetória com o espetáculo “40 anos de EnCantos”, no dia 10 de outubro, às 20h, no Teatro Municipal Castro Mendes, em Campinas (ingressos a R$ 10, inteira, e R$ 5, meia, à venda no Sympla).

Ao longo de sua trajetória, o coro acumulou prêmios e muitas histórias. Foi premiado em três edições do Mapa Cultural Paulista e recebeu a Medalha Carlos Gomes da Câmara Municipal de Campinas, em 2011, pela relevante atuação artística na cidade. Dentro da estrutura da Universidade, é vinculado ao Centro de Integração, Documentação e Difusão Cultural (Ciddic) da Unicamp.

“Não imaginava que o coral chegaria a 40 anos, porque, no início, não sabia nem se chegaria ao fim do ano. Mas acredito que a recepção do público é o que mais nos nutre e nos dá força, mesmo com muitos desafios a superar”, pontua a maestrina, que também organiza anualmente o Festival Unicamp de Corais, em sua 20ª edição realizada este ano no Teatro Vitória, em Limeira, no último dia 5 de outubro. O Zíper na Boca participou de 30 festivais online no Brasil, América Latina e Europa. Em 2023, fez intercâmbio com a Universidad Nacional de Río Negro (UNRN), na Argentina.

A maestrina Vivan Nogueira: 30 festivais online no Brasil, América Latina e Europa
A maestrina Vivan Nogueira: 30 festivais online no Brasil, América Latina e Europa

A origem do nome

Para entender o nome de “batismo” do coral, é preciso contar a história de seu nascimento. Nogueira foi contratada como regente em 1987, mas dois anos antes – desde 1985 – assumira o Coral Unicamp, criado pelo maestro Benito Juarez, que estava desfeito desde que Adriana Giarola havia se formado e não poderia mais estar à frente do projeto como estagiária (Giarola saiu do país e, anos depois, veio a se tornar professora da Unicamp, na Música). O coro ficou sem regente por algum tempo, até que Juarez deu a missão de reorganizá-lo à recém-formada Vivian Nogueira, que atuaria como regente contratada. Com a demora burocrática para a efetivação, após mais de um ano de trabalho voluntário, Nogueira foi informada de que os planos para o Coral Unicamp haviam mudado.

“Foi uma revolta total do pessoal que já cantava no coro. Teve uma carta aberta para a comunidade, em 1986, e o caso envolveu até o Diretório Central dos Estudantes (DCE). O pró-reitor de Extensão, José Carlos Valladão de Mattos, resolveu a situação e me contratou em 1987, mas eu não poderia usar o nome Coral Unicamp. Ele disse: ‘Podem chamar do nome que vocês quiserem’. Fiz uma enquete no grupo e escolheram Zíper na Boca. Foi uma reação à proibição de usarmos o nome Coral Unicamp”, lembra Nogueira. Segundo Nogueira, o pró-reitor disse que não gostou do nome, “mas eu disse que foi o grupo que escolheu, e ele aceitou”, conta. 

Em setembro de 1987, Nogueira começou os ensaios para uma apresentação em novembro, quando promoveu um encontro de corais, com a participação do coral da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Em pouco tempo, o Zíper se tornou conhecido no meio universitário e em Campinas e região. “Todo mundo queria ver o Zíper na Boca, o próprio nome chamava a atenção. A primeira música que ensaiei foi Ponta de areia, do Milton Nascimento. Nosso repertório era eclético, de Música Popular Brasileira a renascenças e spiritual.”

No sentido horário, os coralistas Yara Teodora de Magalhães Teles Kociuba, Vânia Raquel Monteiro, Maria Edite Andrade Benini e Daniel Candeloro Cunha
No sentido horário, os coralistas Yara Teodora de Magalhães Teles Kociuba, Vânia Raquel Monteiro, Maria Edite Andrade Benini e Daniel Candeloro Cunha

Grupo diverso

As primeiras apresentações ocorreram dentro da Universidade, mas aos poucos o coral começou a receber convites externos. “Nossa primeira viagem foi para Mococa, em 1988”, conta a regente. Os ensaios aconteciam em uma sala do Ciclo Básico, sempre na hora do almoço, duas a três vezes por semana, como é até hoje. Desde o início, o coro era grande, com cerca de 40 coralistas. Hoje o Zíper na Boca tem 78 integrantes: 29 sopranos, 17 contraltos, 11 tenores e 21 baixos. “Não tínhamos pianista, por isso cantávamos muito a capela. Eu mesma trazia meu teclado para ensaiar.”

Nogueira conta hoje com o apoio administrativo de Renata Monteiro, desde 2016, e com estagiários para algumas atividades, como as de pianista e de preparador vocal, além de muito trabalho voluntário. “É gratificante ver as pessoas se envolvendo. Aqui já tivemos até casamento”, revela a regente, referindo-se- ao casal Kelly Hofsetz, professora da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), e Marco Antonio Garcia de Carvalho, professor da Faculdade de Tecnologia (FT). “Eles se conheceram no coral: ela é do Rio Grande do Sul, e ele, do Rio Grande do Norte. Não estão mais no Zíper, mas ambos são docentes da Unicamp e têm dois filhos.” Esse não foi o único casal que se formou no coral, garante Nogueira.

Entre os integrantes que estão há mais tempo no Zíper estão Oswaldo Baltazar dos Santos e Benigna Almeida, ambos servidores da Unicamp. A também servidora Vânia Raquel Monteiro ingressou em 1998. “Vi uma apresentação e fiquei encantada. Procurei saber onde aconteciam os ensaios e logo comecei”, conta Monteiro. “O coral acrescenta muito pra mim. Além da interação, ele me alegra. Quando venho, saio renovada e volto para o trabalho. Às vezes nem almoço, mas vou me adequando”, descreve a coralista e também percussionista do Zíper na Boca.

“Coral é vida”

Aberto à participação da comunidade, o Zíper na Boca é composto por pessoas das mais diversas idades e formações. Maria Edite Andrade Benini, de 75 anos, está no coral desde 2018. Convidada pela coralista Cristina Toledo, que é servidora da Unicamp e soprano do Zíper, Benini fala que nunca havia cantado antes. Como professora aposentada, ela diz que participar do coral a faz ter vontade de sair. “É uma coisa muito boa. Melhora a memória e a autoestima. Hoje tenho facilidade de decorar músicas. Também é um lugar onde fiz novos amigos, e minha família me dá todo apoio, gostam de me assistir, até meu neto de 3 anos está curtindo. Acho que o coral é vida”, conclui Benini.

A mestre em Musicologia Yara Teodora de Magalhães Teles Kociuba conta que 80% dos seus amigos em Campinas integram o coral. “Acaba sendo uma família, não é só uma atividade profissional. O Zíper ocupa um espaço imenso na minha vida”, afirma Kociuba. Ela lembra que, quando cursava o mestrado e vinha para as aulas na Unicamp, ainda morava em Curitiba e ficava hospedada em um hostel atrás da Casa do Lago. “Eu escutava o ensaio do coral e achava lindo. Assim que abriram as inscrições, eu entrei. Hoje o coral significa muita coisa pra mim”, diz a musicista, que está no processo seletivo para o doutorado e que também integra o Coral Contemporâneo, com o qual participou de duas óperas e participará de mais uma ainda este ano. “O Zíper me faz muito bem.”

Quebra da rotina

O professor Daniel Candeloro Cunha, da Engenharia Mecânica (FEM), é hoje o único integrante docente do Zíper na Boca. “Sempre quis cantar. Quando estava no doutorado, na Unicamp, comecei a participar das oficinas, cheguei a fazer seleção para entrar no Zíper, mas logo começou a pandemia (covid-19) e preferi deixar pra lá. Acabei o doutorado, fui para São Paulo e logo que passei no concurso para professor da Unicamp eu vim para o coral. Gosto muito porque é uma atividade estimulante, com a qual saio da minha rotina e interajo com pessoas diferentes. Isso me faz muito bem”, diz Cunha, que tocava bateria, mas achava que tinha dificuldade no canto. Hoje ele compõe o grupo de vozes masculinas do naipe Baixo.

A vida de Weverton Silva mudou de direção quando ele conheceu o Zíper na Boca, conta ele.  Formado em Canto Lírico pela Unicamp e cursando uma modalidade combinada com Regência, Silva é hoje o preparador vocal do coral e já substituiu a regente Vivian Nogueira em uma apresentação. No ano em que ingressou na Unicamp, no curso de Filosofia, na primeira semana assistiu a uma apresentação do coral, na recepção de calouros, e decidiu ingressar no projeto.

O preparador vocal do coral Weverton Silva: a vida mudou de direção
O preparador vocal do coral Weverton Silva: a vida mudou de direção

“O Zíper foi muito responsável por minha mudança. No mesmo ano fiz solos, tive a oportunidade de cantar numa ópera, O Elixir do Amor (Gaetano Donizete – 1797-1848). Era a primeira vez que eu via uma ópera. Encantei-me ainda mais com a música e mudei minha carreira. O coral me conduziu para o canto lírico. Abracei o coral e a música. No final de 2018, me aventurei a fazer um arranjo de Aquarela do Brasil, a esta altura eu já era bolsista do coral. Fui me envolvendo cada vez mais nos trabalhos musicais. Durante a pandemia, passei a ser o preparador vocal, em 2021. Desde lá venho fazendo arranjos. A Nogueira sempre me deu oportunidades. Ela é muito especial na minha vida. O coral Unicamp Zíper na Boca é, antes de tudo, uma família, onde me sinto muito abraçado. É um grupo importante também para meu aprimoramento profissional. Enquanto eu estiver por aqui, pretendo seguir com o coral. Vamos ver o que o futuro reserva.”

“Sempre tive em mente a ideia de levar o coro para quem quer ouvir. Acho que temos que levar nosso trabalho para diferentes lugares. A música precisa chegar nas diferentes pessoas. Não é só para teatro fechado”, defende Nogueira, que é doutora em Música e Mestre em Artes. Desde 2017, ela já poderia estar aposentada, mas ainda não tem certeza de quando vai parar, ao mesmo tempo que se preocupa com o futuro do coral e faz planos. Para ela, Silva reúne as qualidades de um profissional que pode dar continuidade ao projeto. “Estou pensando no futuro, porque acho que já contribuí o suficiente. Quero deixar as melhores condições para o Zíper continuar.”

Confira imagens do coral ao longo da sua história:

Ficha técnica

 “40 anos de EnCantos” – 10 de outubro, às 20h, no Teatro Municipal Castro Mendes, em Campinas.

Regência/Direção Geral e Musical: Vívian Nogueira

Direção Cênica: Dirceu Soares de Carvalho

Assistente de Direção Cênica: Breno Martins Silva

Preparação Vocal: Weverton Silva

Solistas: Luísa Cardoso e Maloba Glodi

Instrumentistas: Gabriela de Camargo (piano), Osvaldo Baltazar, Vânia Monteiro, Breno Martins, Luísa Cardoso, Arthur Nogueira e Lucas Anjos (percussão), Wenisley Lima (violino), Lyan Lisboa de Souza (guitarra), Arthur Sesana (sanfona), Guilherme Bacci (trompete)

Produção Zíper 40 anos: Luísa Cardoso

Bolsistas: Arthur da Silva Nogueira, Breno Martins Silva, Isaac Vidal, Luis Eduardo Amaral, Maloba Glodi, Wenisley Lima e Weverton Silva

Figurinos: Maria Ângela Catana Trucollo

Apoio Administrativo: Renata Monteiro

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