
Instituído oficialmente em julho deste ano pelo governo federal, o Plano Nacional de Cuidados, que pretende promover o cuidado como um direito de todas as pessoas, ganhou um caráter “familista”, na definição da economista, demógrafa e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Ana Amélia Camarano.
Camarano, que participou, nesta quarta-feira (30), do IV Geronto Meeting — um encontro sobre o envelhecimento e o cuidado organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Gerontologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp —, avalia que o plano nacional não coloca a pessoa idosa como principal alvo das ações (a prioridade são as crianças e os adolescentes), apesar de ser a população que mais cresce no país. Segundo ela, a parcela da população menor de cinco anos registra crescimento negativo a uma taxa de 1,1% ao ano, enquanto que a população a partir dos 80 anos cresce a uma taxa de 3,2% ao ano. Além disso, diz, os programas de ação previstos no Plano transferem de forma prioritária, para a alçada familiar, a responsabilidade por esse tipo de cuidado.
Para a pesquisadora, o plano representa um avanço, “já que não havia nada antes”, mas há problemas. “Ele tem um caráter familista. Aliás, como todas as ações adotadas até hoje nessa área. Na verdade, o plano é uma forma de dizer que vai ajudar a família a cuidar.”
Hoje, segundo Camarano, dos cerca de 3,3 milhões de idosos que precisam de cuidados especiais no Brasil, apenas 150 mil estão em instituições de longa permanência (ILPs). O restante fica sob os cuidados dos próprios familiares. Diz que 82,1% dos homens idosos que recebem cuidados especiais são atendidos em casa, por familiares, não remunerados. Esse índice cai para 79,5% no caso de mulheres.
A demógrafa lembra que essa situação produz anomalias, como o caso de pessoas que cuidaram dos pais por mais de 20 anos e, quando estes morrem, se dão conta de não estarem preparadas para ingressar no mercado de trabalho e nem estarem em condição de prover seu sustento. Camarano citou também casos em que famílias cuidadoras sobrevivem com a pensão ou a aposentadoria dos idosos e, após a morte dessas pessoas, acabam sem uma fonte de renda. Há ainda, nas palavras da economista, o risco de os futuros idosos, por conta das recentes mudanças nas leis trabalhistas, chegarem à terceira idade com um rendimento insuficiente ou mesmo sem a garantia de um salário regular. A pesquisadora lembrou também que cuidar de idosos gera conflitos familiares e pode se transformar em motivo de barganhas. “Eu cuido, mas fico com a herança”, exemplificou.

Segundo Camarano, até hoje o cuidado não domiciliar, especialmente por meio das ILPs , no passado chamadas de asilos, ainda é visto com muito preconceito. “[Essas alternativas] soam como se fossem a última opção, quando, na verdade, é preciso pensar que muitos idosos não têm família ou têm laços conflituosos com a família”, observou. A especialista disse ainda que a política de assistência social, da qual fazem parte as ILPs, reconhece esses espaços como de acolhimento temporário. “E isso é muito complicado porque, se eu vou para um asilo, é porque preciso. Só que, depois de alguns meses, eu tenho de sair. E vou para onde?”, questionou. Uma solução, diz, é a criação, pelo governo, de uma rede de acolhimento. Camarano informa ainda, que 74% dos municípios brasileiros não possuem ILPs.
A pesquisadora afirma haver um outro problema. Não há definição clara sobre os critérios de acolhimento nesses lugares. Uma possibilidade em estudo, observou, é repetir a fórmula do Sistema Único de Saúde (SUS) e criar uma fila virtual.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgadas no ano passado a expectativa de vida de um brasileiro, ao nascer, subiu de 71,1 anos em 2000 para 76,4 anos em 2023. Entre os homens, esse indicador passou de 67,3 anos para 73,1 anos, no período, e entre as mulheres, de 75,1 anos para 79,7 anos. As projeções para 2070 indicam uma expectativa de vida nacional de 83,9 anos — 81,7 anos para os homens e 86,1 anos para as mulheres.
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