Entre os meses de maio e novembro, durante uma residência científica no Instituto de Estudos Avançados (IdEA), a astrônoma e geóloga planetária Rosaly Lopes compartilhou com o público da Unicamp seu conhecimento sobre a exploração espacial, a astrobiologia e o vulcanismo e sobre suas mais de três décadas de experiência como pesquisadora da Nasa (a agência espacial dos Estados Unidos). No dia 22, a cientista carioca deu uma palestra no Centro de Convenções da Universidade, discutindo os desafios das missões espaciais e o futuro da exploração de planetas e encerrando o ciclo de atividades em Campinas. Na quarta-feira (27), sua última palestra aconteceu na Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, quando abordou as descobertas da missão Cassini, em Saturno.
Pesquisadora do Jet Propulsion Laboratory (JPL), uma entidade ligada à agência norte-americana, Lopes promoveu nesse período a residência científica “Da Terra ao Sistema Solar e Além: Presente e Futuro da Exploração Espacial” como convidada do Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente. Vice-diretora de Ciências Planetárias do JPL, um dos principais centros de pesquisas da Nasa, a astrônoma deu palestras e oficinas, participou de aulas, promoveu estudos em parceria com pesquisadores da Unicamp e realizou reuniões com grupos de alunos, pesquisadores e docentes.
Para Christiano Lyra, coordenador do IdEA e um dos organizadores da residência, o ciclo trouxe benefícios para uma parcela significativa da comunidade brasileira de geologia planetária. “A participação da Rosaly Lopes no Programa ‘Cesar Lattes’ teve um leque amplo de benefícios, para a comunidade da Unicamp e para toda a comunidade brasileira de pesquisadores em geologia planetária, estudantes e curiosos em astronomia. Por meio de palestras, entrevistas e muitas conversas, Rosaly dividiu seus conhecimentos sobre o universo, sempre aliando uma componente poética à precisão científica”, afirmou. Segundo Lyra, a participação do professor Alvaro Crósta, conselheiro do IdEA e principal anfitrião da astrônoma durante a residência, mostrou-se fundamental.
Docente do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, Crósta vem trabalhando com Lopes em pesquisas sobre crateras de impacto desde que esteve um período na Nasa, em 2019. Para ele, o programa de atividades superou as expectativas, já que o número de interações com a comunidade estudantil e científica brasileira foi além do previsto, com desdobramentos também na área de divulgação científica.
“Durante o período da residência, a Rosaly interagiu diretamente com a comunidade científica e acadêmica da Unicamp e também do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp [Universidade Estadual Paulista], dos institutos de Geociências e de Astronomia e Geofísica da USP [Universidade de São Paulo] e com pesquisadores de várias universidades do Rio de Janeiro presentes na palestra promovida conjuntamente naquela cidade pelo IdEA e pela Academia Brasileira de Ciências. Em todas essas oportunidades, foram discutidos interesses conjuntos de pesquisa e oportunidades de colaboração e interação entre grupos brasileiros no campo das ciências planetárias”, elencou Crósta. Com centenas de visualizações no YouTube, a transmissão da palestra na ABC, no dia 27, teve também uma grande participação presencial, tanto de membros da academia quanto do público em geral, composto majoritariamente por estudantes. Houve uma ampla repercussão do evento na mídia carioca, de acordo com Crósta.
Natural do Rio de Janeiro, a cientista iniciou sua jornada acadêmica em astronomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1975. Após um breve período, foi selecionada para o University College London, onde se graduou e aprofundou seus estudos em geologia planetária. A paixão pela vulcanologia teve início na universidade, durante um curso de geologia planetária. A notícia de que um professor tinha ido para a Itália acompanhar a erupção do vulcão Etna despertou o desejo pela aventura nesse trabalho de campo e de se aprofundar nessa disciplina. Concluído o doutorado, Lopes trabalhou no Observatório de Greenwich antes de se mudar para os Estados Unidos, onde realizou um pós-doutorado no JPL.
Sua trajetória culminou em sua contratação como pesquisadora na Nasa, em 1991, participando da histórica missão Galileu. Após contribuir para essa primeira missão, a cientista participou da Cassini, uma parceria entre a Nasa e a Agência Espacial Europeia. Destinada a estudar Saturno, seus anéis e luas, incluindo a histórica descida da sonda Huygens em Titã, em 2005, a Cassini marcou uma nova etapa em sua carreira. “Na Galileu, eu estudei principalmente a lua vulcânica de Júpiter, que se chama Io, onde há muitos vulcões. Depois, trabalhei na Cassini, que foi a Saturno, e estudei Titã. Atualmente, sou vice-diretora da área de ciências planetárias. Então, todas as missões planetárias do JPL fazem parte da minha diretoria e estão sob minha supervisão.”
Como as missões espaciais demandam muito tempo de planejamento, desenvolvimento e execução, e as viagens a planetas como Saturno e Júpiter levam anos, é comum, segundo Lopes, alguns pesquisadores da Nasa dedicarem praticamente uma carreira inteira a apenas uma missão e à análise da enorme quantidade de dados gerada. A mais recente missão da agência norte-americana foi a Europa Clipper, lançada em outubro deste ano, e destinada a explorar a lua Europa, de Júpiter. A Galileu havia descoberto que nessa lua existe um oceano de água líquida sob uma camada espessa de gelo, o que motivou questionamentos sobre a possibilidade de Europa ser habitável e de haver condições para o desenvolvimento da vida.
A colaboração de Lopes com Crósta teve início em 2017, a partir dos estudos sobre a lua Titã, resultando em um convite para a cientista participar de um workshop na Unicamp, em 2023. “Foi durante conversas dessa época que eu soube do Programa ‘Cesar Lattes’ e, assim que surgiu a ideia, eu fiquei muito feliz em participar. Foi um ótimo programa, que está terminando agora, e foi muito bom conhecer outros professores e alunos e interagir com o pessoal daqui”, destacou a pesquisadora da Nasa.
Segundo Lopes, a área de geologia planetária, que estuda as superfícies de outros planetas sólidos e suas luas, ainda conta com poucos pesquisadores no Brasil, motivo pelo qual a parceria com Crósta revelou-se muito oportuna para estreitar os vínculos com instituições brasileiras. O desenvolvimento dessa disciplina, a partir dos anos 1960, abriu oportunidades para que a ciência pudesse compreender melhor as próprias condições geológicas da Terra, de acordo com a cientista.
“Os estudos de crateras de impacto na Lua nos fizeram ver que existiam na Terra também crateras de impacto, como a do Arizona [Estados Unidos]”, apontou a pesquisadora, ressaltando ainda que Crósta foi o responsável pela descoberta de várias dessas crateras no Brasil. A Cratera de Barringer, no deserto do norte do Arizona, formou-se há cerca de 50 mil anos pelo choque com o solo de um meteorito com cerca de 50 metros de diâmetro.
A residência científica de Lopes gerou um grande interesse de especialistas e do público leigo nas temáticas da exploração espacial. Para as oficinas e palestras virtuais ou presenciais, o IdEA recebeu mais de 800 inscrições, incluindo de docentes, pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação de fora da Unicamp.
“As palestras e oficinas tiveram uma participação bastante expressiva, tanto de maneira presencial como online. Foi muito emblemática a participação de jovens estudantes nessas atividades, cumprindo assim o objetivo inicial de disseminar as ciências planetárias e as ações de exploração espacial entre os jovens e, assim, estimular o seu envolvimento nesse campo da ciência”, elogiou Crósta. Segundo o pesquisador, outra forma de alcançar o público jovem durante a residência foi a participação de Lopes em entrevistas concedidas a divulgadores científicos com milhões de seguidores nas mídias sociais.
O foco no estímulo a uma maior participação feminina nas ciências foi outra frente que a organização considera como exitosa ao longo do ciclo. A pesquisadora da Nasa manteve reuniões com grupos organizados da Unicamp que promovem essa inclusão no ambiente científico, principalmente de jovens estudantes, como nos projetos Meninas SuperCientistas e GeoMinas e o da Rede de Mulheres Acadêmicas da Universidade. “Em todos, a principal mensagem transmitida por Rosaly é de que o lugar das meninas e das mulheres nas ciências é aquele em que elas desejarem, sem qualquer restrição”, afirmou o professor do IG.
Para Lyra, o protagonismo de Lopes como cientista e como gestora de missões espaciais representa um modelo inspirador para a participação das mulheres na ciência. “Durante a residência, seu papel inspirador foi amplificado e humanizado por meio de interações pessoais com grupos de mulheres cientistas de todas as áreas do conhecimento.”
O programa “Da Terra ao Sistema Solar e Além: Presente e Futuro da Exploração Espacial” iniciou-se com a palestra “Geologia Planetária: Saturno e suas luas”, em 10 de maio, no Centro de Convenções da Unicamp, seguida das oficinas virtuais “Vulcões e Luas Geladas: A Viagem de uma Cientista do Brasil às Missões Galileu e Cassini da Nasa” e “Explorando os Vulcões Ativos da Terra e do Sistema Solar”, ambas em dois encontros, entre os meses de junho e setembro. A última palestra na Universidade ocorreu em 22 de novembro, com a apresentação “Presente e Futuro da Exploração dos Planetas: Missões espaciais e seus desafios”.
O coordenador do IdEA anunciou que o próximo convidado do Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente será o sociólogo chinês Qiu Zequi, da Universidade de Pequim (PKU, na sigla em inglês), em março de 2025. Em julho deste ano, Qiu deu uma palestra no Instituto de Economia (IE) da Unicamp abordando o uso de ferramentas de inteligência artificial no aprimoramento da produção científica nas humanidades, uma de suas principais áreas de pesquisa.
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Astrônoma e geóloga planetária Rosaly Lopes – Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente
Assista a entrevista realizada pela TV Unicamp com Rosaly Lopes: