O Instituto de Economia (IE) da Unicamp realiza nesta semana uma exposição e um seminário em homenagem ao professor Celso Furtado. O evento relembra os 20 anos da morte, em 20 de novembro de 2004, de Furtado, um dos maiores economistas e pensadores do país, cuja trajetória se destaca pela extensa reflexão sobre as bases da economia brasileira e as relações entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. A programação conta com mesas temáticas de discussão em torno das grandes vertentes da obra do intelectual e também com uma exposição de livros e documentos que compõem o Acervo Celso Furtado, hoje mantido pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP). Os debates ocorrem até o dia 8 de novembro, no Auditório Zeferino Vaz, e a exposição, no Auditório Jorge Tápia, ambos espaços localizados no IE.
A abertura do seminário, realizada na tarde do dia 6, contou com a presença do reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, do pró-reitor de Graduação, Ivan Toro, do diretor do IE, Célio Hiratuka, e do professor do IEB Alexandre Barbosa, especialista na obra de Furtado e que cuidou do recebimento do acervo doado ao instituto. Compartilhando suas memórias pessoais, participaram também o professor André Tosi Furtado, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e filho do economista, e Rosa Freire d’Aguiar, jornalista, tradutora, viúva do intelectual e a responsável pela organização de seu acervo.
Em sua palestra, Barbosa afirmou que aquela significava a primeira ocasião na qual parte do acervo doado ao IEB seria exposto ao público, oferecendo uma grande oportunidade para as pessoas conhecerem suas obras e seu pensamento, segundo o qual a soberania, a justiça social e a democracia figuram como condições para o desenvolvimento. “O IE da Unicamp é a escola que melhor representa o pensamento de Celso Furtado no Brasil”, afirmou. O professor também justificou o nome escolhido para os eventos, “Celso Furtado: para além da fantasia”. O epíteto serviria de título para Ares do mundo, um dos três volumes da obra autobiográfica de Furtado, escrita em seus últimos anos de vida. “Ele [Furtado] preparou seu legado para que outros realizassem sua fantasia de um país verdadeiramente desenvolvido.”
Para Meirelles, a obra do economista funciona como um pilar de sustentação para que acadêmicos e intelectuais possam atuar de forma significativa, tal como o próprio Furtado. O reitor apontou que o mundo passa por situações complexas, que não tendem a se arrefecer, mas ressaltou haver a necessidade de encontrarmos vias rumo a um futuro melhor. “Não há como hoje trabalharmos com a ideia de desenvolvimento sem considerarmos fatores como a justiça e a inclusão. Nós, intelectuais, temos uma responsabilidade imensa nisso.”
Pensador do Brasil
Nascido em 1920, na cidade de Pombal, no sertão paraibano, Furtado foi um dos maiores economistas do país. Seu pensamento faz-se marcar pela busca em compreender o Brasil trilhando os caminhos de seu problemático desenvolvimento econômico e atentando para o peso de suas imensas desigualdades. Doutor em economia pela Universidade de Paris-Sorbonne (França), o estudioso elaborou grande parte de seu pensamento no período em que integrou a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Suas ideias questionaram o entendimento segundo o qual o subdesenvolvimento representaria uma etapa na trajetória de países periféricos rumo ao desenvolvimento pleno.
Na visão de Furtado e da Cepal, o subdesenvolvimento é somente uma condição estrutural desses países, fazendo-se necessária a atuação do Estado para a promoção do desenvolvimento e a ruptura com a situação de dependência em relação aos países já desenvolvidos. Em uma de suas principais obras, Formação Econômica do Brasil (1959), o intelectual analisa como a história econômica do país, desde o período colonial, influenciou a configuração do Brasil no cenário econômico mundial, com suas desigualdades e dependência externa. “Celso era um pensador múltiplo, trafegava com muita facilidade pelas disciplinas das humanidades”, comentou Freire d’Aguiar. A jornalista também observou que a Unicamp foi a primeira universidade do país a conceder a Furtado o título de Doutor Honoris Causa, o que despertou no economista uma relação sentimental com a instituição.
Além de intelectual, Furtado também teve importante atuação política, participando da criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, no governo de Juscelino Kubitschek, e chefiando o Ministério do Planejamento durante o governo de João Goulart. Atuou ainda como ministro da Cultura no governo de José Sarney e integrou a Academia Brasileira de Letras (ABL).
Limites para o desenvolvimento
Destaca-se no pensamento de Furtado sua capacidade de incorporar conhecimentos de outras áreas ao pensamento econômico, tornando-o mais atual e abrangente. O seminário contemplará essa faceta do economista, ao comemorar os 50 anos de publicação de O mito do desenvolvimento econômico, obra inspiradora na qual o estudioso antecipa a discussão sobre os limites do desenvolvimento capitalista em vista da escassez dos recursos naturais. “Essa é uma importante obra em que ele rompe com a fé cega no desenvolvimento e chama a atenção para outros aspectos essenciais”, destacou André Tosi Furtado.
A exposição e o seminário são uma realização do IE em parceria com o IEB, a Faculdade de Direito (FD) da USP, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, também da USP, a Universidade Federal do ABC (UFABC), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.