Com o objetivo central de debater a descolonização do ensino de música no país, o V Encontro de Estudos do Canto e da Canção Popular ocorrerá na Unicamp entre os dias 12 e 14 de novembro. Organizado pelo grupo Vox Mundi, o evento contará com debates e oficinas, reunindo pesquisadores, estudantes, artistas e o público em geral. O encontro é aberto e gratuito. As inscrições para as oficinas poderão ser realizadas a partir do dia 7 de novembro. Serão ofertadas 20 vagas em cada uma.
A professora do Instituto de Artes (IA) da Unicamp Regina Machado organizou o evento junto com o professor Ricardo Lima, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “Neste ano, o encontro focaliza a questão da decolonialidade, um assunto que está provocando a música. Temos modelos ainda muito conservatoriais, que são reproduções de uma determinada cultura, e isso em um país que tem uma cultura tão diversa. Nosso objetivo também é alimentar a reflexão sobre como estão essas relações de reprodução de modelos e o que estamos fazendo para mudar isso”, disse Machado.
A docente também coordena o grupo Vox Mundi – Grupo de Estudos da Voz Cantada. “O grupo pretende fomentar a discussão a respeito da vocalidade para além da questão técnica musical, mas pensando na perspectiva do sentido, da voz enquanto agente, da voz enquanto possibilidade de expressão. Além disso, olhar os silenciamentos, quem são os sujeitos silenciados em uma sociedade patriarcal, machista, racista”, explica.
O desafio de descolonizar o ensino
A Unicamp, como lembra Machado, criou no Brasil o primeiro curso superior de música popular, em 1989, mas ainda são necessários avanços. “Pretendemos alimentar esse pioneirismo, e que a Universidade seja um lugar para quebrar paradigmas e estabelecer novos diálogos. Sabemos que o modelo conservatorial é muito replicado, embora tenhamos tido nos últimos anos outros cursos de música popular, principalmente licenciaturas.”
Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Luiz Ricardo Queiroz, um dos palestrantes do evento, estuda o ensino de música e ressalta o fato de o componente de música popular estar presente em apenas em 6% da estrutura curricular dos cursos de música.
“Os cursos de música no Brasil são historicamente pautados no conhecimento da música de concerto, consolidada na Europa entre o século 18 e o século 19. Herdamos o modelo dos conservatórios como uma forma de estruturar o ensino de música e consequentemente há um privilégio para os conhecimentos e saberes musicais da música clássica de concerto erudito no Brasil. Hoje a gente tem só 12 cursos de música popular em todo o território nacional em mais de 150 cursos de música, o que mostra então que a música popular ainda está engatinhando na maioria das universidades”, sintetiza.
Queiroz explica que, devido a esse perfil de formação, muitos artistas da música popular não tiveram a oportunidade de se capacitar academicamente, o que resultou em um número menor de professores desse tipo. “Esse processo foi historicamente retroalimentado no país”, aponta.
Para o professor da UFPB, o encontro será uma oportunidade de, além de discutir a criação de cursos de música popular, discutir como isso pode ser feito. “O debate que a gente vai fazer no encontro é sobre de que maneira, para além de ampliar cursos de música popular no Brasil, a gente pode ter uma identidade mais brasileira para os nossos cursos de música popular dentro do que a gente chamamos de identidade decolonial”, afirma.
Samuel Araújo ministra conferência de abertura
A conferência de abertura, intitulada “Voz, trabalho e práxis: o som como inscrição estético-política”, será ministrada pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Samuel Araújo. Araújo deve abordar os conceitos desenvolvidos ao longo de sua carreira e que trazem reflexões pertinentes ao debate sobre a descolonização do ensino de música.
Ao falar sobre o trabalho, o docente critica a visão segundo a qual a universidade deveria oferecer apenas formação para o mercado e ressalta o seu papel de, inclusive, repensar esse mercado. “Queremos formar quadros que sejam capazes de trabalhar com a voz no sentido mais amplo e mais socialmente impactante possível, em um sentido político também, para criar uma sociedade mais justa e, no caso do Brasil, livre de uma série de chagas históricas.”
Ainda assim, indica, mesmo que a formação fosse voltada apenas para o mercado, não se justificaria a ausência da música popular nos currículos, já que há mais espaço para músicos populares do que para a chamada música erudita, expressão que ele critica por supor uma superioridade. “Mesmo esse conceito de música popular é um construto feito para segregar algumas práticas e impedir que elas entrassem no âmbito da especulação do ensino superior. Mas os sambistas também passam o tempo todo pensando no modo de emissão vocal, no recado que vai ser dado. E assim o cantor, a cantora lírica também.”
Essas classificações, para o professor, servem “para diminuir certas categorias, certas práticas, e valorizar outras, um processo resultante não exclusivamente do debate estético, fisiológico ou de outra natureza mais técnica, mas sim estético-político”.
Na conferência, indica Araújo, o professor também compartilhará sua experiência com o projeto Musicultura, que desenvolve junto a moradores da Favela da Maré, no Rio de Janeiro, há cerca de 20 anos. Por meio do projeto, diz, nasceu o conceito de práxis sonora. “A práxis é essa interferência recíproca e contínua na experiência humana entre teoria e prática, aquilo que o pensamento europeu acabou separando. Nós trabalhamos nessa perspectiva integrada, incorporamos moradores da região, tanto estudantes de pós-graduação, graduação e de ensino médio, no nosso grupo de pesquisa. O que acontece aí é a formulação dos problemas, a formulação dos conceitos para lidar com os problemas e os próprios protocolos de pesquisa são negociados com esse contingente de moradores.”
A conferência de abertura, assim como as mesas do evento, contarão com transmissão online por meio do canal youtube.
PROGRAMAÇÃO
Acesse o formulário de inscrição para as oficinas a partir de 7 de novembro.
12 de novembro
10h – Conferência de Abertura – Samuel Araújo (UFRJ)
14h – Oficina com Stênio Mendes
16h – Mesa I – “Em música, o que o termo ‘popular’ define?”
Mediação: Ricardo Lima (UFRN), Walter Garcia (Instutito de Estudos Brasileiros, IEB, da Univesidade de São Paulo, USP), Suzel Reily (IA), Rafael dos Santos (IA) e Ivan Vilela (USP e do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas, IFCH)
18h – Palestra – “O ensino da música popular no Brasil: matrizes africanas, tecnologia e mercado de trabalho” – Sergio Molina
13 de novembro
10h – Oficina II – Guinga e Anna Paes
14h – Oficina III – Vanessa Moreno
16h – Mesa II – “O que temos feito para descolonizar o ensino de música nas universidades?” – Clara Sandroni (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Unirio). Mediação: Luiz Ricardo Queiroz (UFPB), Paula Molinari (Universidade Federal do Maranhão, UFMA), Isabel Nogueira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS), Marilda Santana (Universidade Federal da Bahia, UFBA) e Claudia Sizan (Universidade do Estado da Bahia, Uneb)
14 de novembro
10h – Conferência com Rosane Borges
14h – Mesa 3 – “O que temos feito para descolonizar o ensino do canto popular?” – Mediação: Regina Machado (IA), Ricardo Lima (UFRN), Joana Mariz (Faculdade Santa Marcelina, Fasm), Flavia Caraibas (Instituto de Formação em Voz, IFV), Suely Mesquita (Procanto), Anna Paes (Escola Portátil de Música), Mateus Corusse (FASM) e Clara Sandroni (Unirio)