Em uma solenidade de mais de três horas duração, o Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp reuniu amigos, admiradores e familiares, nesta quinta-feira (22), para uma homenagem ao físico Cesar Lattes – cujo centenário de nascimento completou-se em julho. Leia a matéria publicada no Jornal da Unicamp.
A diretora do IFGW, professora Mônica Cotta, disse que a homenagem – iniciada pela manhã e concluída no começo da tarde com o plantio de uma muda de ipê amarelo – foi uma forma de resgatar a memória da instituição, honrar a contribuição de Lattes para a ciência e dar destaque à rica vida pessoal do cientista, cujo trabalho conquistou repercussão internacional.
“Aqui era a casa dele. Por isso, quisemos fazer uma homenagem que tivesse esse caráter quase familiar”, explicou Cotta, que também chamou para a cerimônia ex-alunos do físico, como a professora Carola Dobrigkeit – há 50 anos no IFGW – e o ex-orientando Edison Shibuya, hoje professor aposentado do instituto. A diretora ainda convidou para o evento três filhas de Lattes – Maria Lúcia, Maria Teresa e Maria Cristina.
Psicóloga, Maria Lúcia falou em nome das três e contou que o pai detestava homenagens e fugia de ocasiões formais. Os títulos de professor emérito e Doutor Honoris Causa que ganhou da Unicamp em 1986, por exemplo, ele só foi receber em outubro de 2004, assim mesmo porque o reitor de então, professor Carlos Henrique de Brito Cruz, entregou os diplomas pessoal e solenemente na casa dele. Lattes morreria seis meses depois.
“Ele não era um pai moderno. Não nos acompanhava na escola, mas nos oferecia uma enorme profusão de informações sobre música, literatura, pintura. Ele amava os livros. Tínhamos conta na livraria. Para se ter uma ideia, ele deixou como herança – para cada uma de nós – uma coleção da Encyclopedia Britannica”, revela.
“Ele nos ensinava a olhar a vida a partir da natureza e sabia sobre quase tudo. Falava longamente com a gente sobre a rotação da água que desce pelo ralo, explicava as roscas que aparecem na parte interna de um caramujo”, conta. A filha diz que Lattes adorava música clássica, em especial Antonio Vivaldi, e tinha um cachorro chamado Gaúcho, que rebatizou de Arthur – uma referência ao presidente ditador da época, marechal Arthur da Costa e Silva. Com frequência, Lattes levava o cão para as aulas ou sessões de defesa de tese, relembra a filha. “Ele gargalhava alto. Era um brincalhão.”
Maria Lúcia revelou ainda estar surpresa com a quantidade de eventos programados para homenagear o pai. “Já estivemos na Câmara dos Deputados em Brasília. [Houve cerimônias] em Curitiba, no Rio de Janeiro, em Rondônia. E nas próximas semanas vamos voltar a Brasília para uma homenagem dedicada aos heróis nacionais”, disse.
Exposição virtual
A homenagem do IFGW feita a Cesar Lattes foi marcada também pelo lançamento de uma exposição virtual montada pelo Arquivo Central do Sistema de Arquivos (Siarq). (@siarqunicamp).
Para a historiadora do Siarq e responsável pela curadoria da exposição, Rafaela Basso, o trabalho oferece um recorte da vida do físico. “A exposição pretende dar visibilidade ao nosso acervo, revelar as contribuições que Cesar Lattes trouxe para a ciência e, sobretudo, falar sobre o que ele produziu para a Unicamp”, explica.
Aspectos da vida pessoal de Lattes ganharão visibilidade na exposição, segundo a coordenadora do sistema de arquivos da Unicamp, Janaina Andiara dos Santos. “Tanto que teremos conteúdos específicos. Um deles será o ‘Lattes fora do Lattes’, que mostra justamente aspectos de sua vida pessoal”, revela.
Física atômica
A homenagem do IFGW contou, ainda, com manifestações dos professores Shibuya, Dobrigkeit e Julio César Hadler Neto. Eles lembraram da importância do trabalho de Lattes para a consolidação da física atômica no Brasil e revelaram detalhes sobre as pesquisas dele, mostrando até mesmo documentos originais da época.
Shibuya falou, por exemplo, sobre a pesquisa realizada no Monte Chacaltaya, a 5.500 metros acima do mar, na Bolívia, um esforço que resultou na identificação do méson pi e que, em 1950, rendeu o Prêmio Nobel a Cecil Powell, chefe do laboratório encarregado do projeto.
Os professores contaram que Lattes trabalhou na Universidade de Berkeley (Estados Unidos), tendo conseguido, em cerca de duas semanas, capturar e identificar os mésons. A descoberta do méson pi abriu as portas para a descoberta de novas partículas subatômicas.
Os professores falaram ainda sobre quando Lattes voltou para o Brasil e chegou à Unicamp, em 1967. “Aqui não era nada mais que uma fazenda de cana”, contou Carola.