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Cultura e Sociedade

Conselho Universitário aprova título de Doutor Honoris Causa para Racionais MC’s

Integrantes do grupo são reconhecidos assim como intelectuais públicos com contribuições culturais e sociais

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Na sessão do Consu, o presidente da comissão de especialistas formada para avaliar a pertinência da concessão do título ao grupo, Mário Medeiros (IFCH), apontou os principais pontos do parecer da comissão (Foto: Antoninho Perri)

A outorga do título de Doutor Honoris Causa para o grupo Racionais MC’s foi aprovada pelo Conselho Universitário (Consu) da Unicamp nesta terça-feira (28). Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, integrantes dos Racionais, foram reconhecidos como intelectuais públicos que dialogam com o pensamento social brasileiro. A honraria também ressalta sua atuação política no combate ao racismo e às violências sociais existentes no país, destacando a crítica social incluída em sua produção.

Na sessão do Consu, o presidente da comissão de especialistas formada para avaliar a pertinência da concessão do título ao grupo, Mário Medeiros, professor do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCH), apontou os principais pontos do parecer da comissão, que salienta a atuação do grupo e ressalta a pertinência do título se levado em conta o histórico recente da Universidade na busca pela ampliação da inclusão.

“O pedido tem vínculo com uma série de mudanças sociais importantes das quais a Unicamp faz parte desde meados dos anos 2010, e em particular 2017, quando neste Conselho Universitário foi aprovado um parecer favorável às ações afirmativas para estudantes pretos, pardos, indígenas e oriundos de escola pública”, afirmou.

Ele também lembrou que, no dia 1º de novembro, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) concedeu o mesmo título a Mano Brown. Citando um trecho do parecer, o docente destacou o fato de o título concedido pela Unicamp se diferenciar por estar sendo concedido a todo o grupo Racionais.

“Esses são intelectuais públicos que somente existem em seu conjunto e, a partir dele, os quatro enunciam poéticas, projetos estéticos e projetos políticos desde 1988 a respeito do Brasil. Dialogam e lutam com o pensamento social brasileiro, confrontam o racismo e as violências sociais que nos constituem enquanto sociedade, incitando a atitudes antirracistas e solidárias de negros e não negros, periféricos e não periféricos, visando a mudanças sociais profundas. Destarte, o título só fará sentido se concedido ao conjunto.”

O título de Doutor Honoris Causa, a distinção máxima prevista no estatuto da Unicamp, é concedido a pessoas que tenham contribuído, de maneira notável, para o progresso das ciências, das letras ou das artes e/ou que tenham beneficiado, de forma excepcional, a humanidade ou tenham prestado relevantes serviços à Universidade. Conforme assinalou o reitor da Unicamp, Antonio José Meirelles, na sessão do Consu, a concessão dele aos Racionais alinha-se aos objetivos do título, contemplando “saberes externos à Universidade que dialogam com um período do país e da Universidade”.

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Em 2022, o grupo veio à Universidade para uma aula aberta, como parte da conclusão da disciplina “Tópicos Especiais em Antropologia IV: Racionais MC’s no Pensamento Social Brasileiro” (Foto: Felipe Bezerra)

Os Racionais e a presença na Unicamp

A formação dos Racionais MC’s ocorreu em 1988, quando a dupla Mano Brown (Pedro Paulo Soares Pereira) e Ice Blue (Paulo Eduardo Salvador) uniu-se aos bboys Edi Rock (Edivaldo Pereira Alves) e KL Jay (Kléber Geraldo Lelis Simões). O grupo foi responsável, até o momento, pela produção de quatro álbuns e dois EPs, com músicas que expressam a vivência de boa parte da população brasileira nas periferias do país.

Além de reconhecidos como o mais importante grupo brasileiro de rap, gênero que nasce da cultura negra estadunidense e passa a expressar a vivência de afrodescendentes no Brasil, Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay também são reverenciados pela atuação política e por letras que trabalham com a autoestima de jovens negros e negras periféricos. A arte do grupo faz-se atravessar por questões caras à sociedade brasileira, como o racismo, a desigualdade social e a violência de Estado.

A obra dos Racionais MC’s faz parte do cotidiano da Unicamp desde 2018, quando as letras do álbum Sobrevivendo ao Inferno tornaram-se leitura obrigatória do Vestibular. Foi a primeira vez que um disco de música entrou na lista de obras da prova. A inclusão do álbum no Vestibular marcou um momento de expansão da inclusão social e étnico-racial na Unicamp, cujas cotas desse tipo e a criação do Vestibular Indígenas haviam sido aprovadas no ano anterior.

Já em 2022, o grupo veio à Universidade para uma aula aberta, como parte da conclusão da disciplina “Tópicos Especiais em Antropologia IV: Racionais MC’s no Pensamento Social Brasileiro”, ministrada pela professora do Departamento de Antropologia do IFHC Jaqueline Santos. Naquela ocasião, anunciou-se a ideia de conceder o título ao grupo. Santos, também pesquisadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, foi uma das propositoras da outorga do título, junto aos professores Omar Thomaz e Daniela Vieira.

“Os Racionais MC’s extrapolam a fala do gueto, sem abandoná-lo. Não se restringem à crônica cotidiana, mas a revelam. Interpretam o Brasil a partir de outro lugar, por tempo demais percebido como objeto de reflexão e não como sujeito da própria reflexão. Os Racionais MC’s se colocam ao lado dos grandes intérpretes do Brasil, e não só: suas letras e canções dialogam com uma história de luta contra a escravidão, o racismo e a tremenda desigualdade que acompanham a experiência da diáspora negra”, pontuam os docentes no documento de proposição.

Eles também destacam que o grupo apresenta uma reflexão responsável por trazer à tona uma multidão de excluídos, agora reconhecida pela Universidade. “Essa é uma Universidade que mudou. Já não mais exclusiva, mas inclusiva. Já não mais branca, mas com todas as cores do próprio Brasil e do mundo. Uma Universidade sobretudo mais generosa e justa.”

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O grupo foi responsável, até o momento, pela produção de quatro álbuns e dois EPs, com músicas que expressam a vivência de boa parte da população brasileira nas periferias do país (Foto: Felipe Bezerra)

Rompendo a branquitude no histórico dos títulos

A concessão do título ao grupo se distingue também quando se olha para os outros intelectuais laureados pela Universidade desde 1971. Em mais de 50 anos, receberam o título 31 pessoas – todas elas brancas. Os Racionais tornam-se os primeiros intelectuais negros e periféricos contemplados pela honraria e também os primeiros músicos. “Tratou-se de uma ação coordenada por parte da comunidade acadêmica, em contexto de mudança social e em aliança com movimentos negros. São setores da sociedade que anseiam a concessão do título ao grupo”, destaca o parecer da comissão de análise.

O documento também frisa o fato de apenas uma mulher ter recebido o título, sendo a concessão do Doutor Honoris Causa aos Racionais uma oportunidade de sinalizar um compromisso com mudanças sociais, iniciando “um ciclo distintivo e distinto em sua trajetória, em que intelectuais negros, mulheres intelectuais e intelectuais dos povos originários possam ser reconhecidos e representados como sujeitos valorizados por uma renomada instituição de conhecimento e saberes, em que sua contribuição para a produção de conhecimento sobre a sociedade é legitimada”.

Por isso, segundo os pareceristas – o já citado Medeiros, Aparecida Sueli Carneiro Jacoel, filósofa e escritora, Omar Thomaz, docente do Departamento de Antropologia, e Ricardo Teperman, cientista social –, é a Unicamp quem ganha com a concessão do título.

“[…] considerando a capilaridade e abrangência do prestígio dos Racionais MC’S como artistas e intelectuais públicos, reconhecidos nacional e internacionalmente, o significado da entrega dessa distinção por uma das maiores universidades nacionais e do continente americano alcança a população negra, brasileira, estrangeira e periférica, bem como todas e todos aqueles que compartilham com o grupo as experiências e marcas sociais históricas comuns. O efeito irradiador de sentidos positivos, políticos e culturais, é muito amplo”, destaca o documento.

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