Aplicativo auxilia na oferta de frutas a crianças
Ferramenta permite que pais criem metas de consumo adaptáveis à rotina familiar


Aplicativo auxilia na oferta de frutas a crianças
Ferramenta permite que pais criem metas de consumo adaptáveis à rotina familiar
O futuro de nossas crianças passa pelo que oferecemos a elas nas refeições. No entanto os dados mostram que esse futuro pode estar ameaçado. De acordo com o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), elaborado por universidades e instituições públicas do país e lançado em 2019, 88,8% das crianças brasileiras com até 5 anos de idade consomem alimentos ultraprocessados. Trata-se de alimentos com maior grau de processamento e que podem levar em sua composição mais gorduras, sal e açúcares do que os alimentos in natura ou minimamente processados, segundo a definição do Guia Alimentar da População Brasileira.
O resultado disso também se verifica em termos estatísticos. Segundo o Atlas da Obesidade Infantil de 2019, publicado pelo Ministério da Saúde, 14,3% das crianças de 2 a 4 anos apresentam excesso de peso. O índice dobra quando se levam em conta as crianças de 5 a 9 anos, faixa etária em que 29,3% apresentam sobrepeso. Isso representa cerca de 352.800 crianças com obesidade e 200 mil com obesidade grave. Na previsão de outra pesquisa, divulgada em 2024 pela Federação Mundial da Obesidade, o Brasil poderá ter até 50% de crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade até 2035.
“A formação dos hábitos alimentares ocorre na infância. Se não trabalharmos na base, o que vamos colher lá na frente?”, questiona a nutricionista Samantha Dalbosco Lins Carvalho, doutora em ciências da saúde pela Faculdade de Enfermagem (Fenf) da Unicamp. Com o objetivo de mudar esse cenário, a pesquisadora desenvolveu um aplicativo para celulares que auxilia pais e responsáveis na oferta de frutas a crianças de 2 a 5 anos. O recurso, que recebeu o nome de Frutificar, nasceu de estudos que identificaram os diversos fatores que podem determinar o comportamento dos adultos junto às crianças. A pesquisa de doutorado contou com a orientação da professora da Fenf Marilia Estevam Cornélio.

Obstáculos às frutas

Foi a familiaridade com os desafios de promover uma alimentação saudável com diferentes públicos que motivou Carvalho a criar um instrumento capaz de incentivar essa mudança junto às crianças. A nutricionista conta que pesquisou a respeito da alimentação de adolescentes e trabalhou com crianças sofrendo de condições, como doenças renais e metabólicas, que exigiam adequações na dieta. “Não adianta somente pensarmos nos problemas quando eles já estiverem instalados se não trabalharmos para sua prevenção”, aponta a nutricionista, justificando a opção por intervir na alimentação de crianças saudáveis e na primeira infância.
Carvalho percebeu, ainda, a necessidade de atuar junto aos pais e responsáveis, já que, por meio desses adultos, as crianças têm acesso aos alimentos, além desta também tratar-se de uma população que depende de incentivos. Segundo um estudo publicado em 2021 na revista Ciência e Saúde Coletiva, os brasileiros consomem em média 42,7 gramas de frutas e vegetais por dia, bem menos do que os 400 gramas diários recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Percebemos essa problemática geral e direcionamos a intervenção para o consumo de frutas”, afirma.
Antes de definir que a intervenção ocorreria por meio de um aplicativo de celular, a pesquisadora fez entrevistas com pais e responsáveis de crianças usuários de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de Campinas para compreender quais fatores interferem na forma como lidam com a alimentação desses menores de idade. Os procedimentos seguiram a metodologia chamada roda de mudança de comportamento (behaviour change wheel – BCW), utilizada na identificação das motivações para comportamentos e na implementação de mudanças. Carvalho explica que os principais fatores alegados envolviam a habilidade de deixar frutas disponíveis no dia a dia, o conhecimento sobre a quantidade necessária para uma porção, as condições econômicas e geográficas – que afastam as famílias de fontes de alimentos frescos – ou mesmo o desconhecimento sobre a necessidade de consumi-los todos os dias.
O aplicativo Frutificar oferece aos usuários a possibilidade de definir os horários em que desejam receber notificações lembrando sobre ofertar frutas às crianças, como no lanche da escola ou na hora da sobremesa. O sistema também fornece dicas e receitas para facilitar o processo, além de vídeos com informações úteis sobre o tema. Conforme os usuários registram as metas cumpridas de oferta de frutas, o aplicativo dá feedbacks positivos e mede também a aceitação das crianças, permitindo adaptações a cada realidade familiar. “Para que tenha sucesso, uma intervenção não pode basear-se apenas no que o pesquisador acha ser importante, mas, sim, deve partir da própria população e do que esse grupo acredita que deva ser mudado”, explica a orientadora do estudo.

Novos parceiros

A pesquisa focou o delineamento sobre como a intervenção se estruturaria e o desenvolvimento do aplicativo, que contou com o auxílio do Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Faepex) da Unicamp. O ensaio clínico de eficácia da ferramenta e a avaliação a respeito de sua usabilidade integrarão outra pesquisa de doutorado, também orientada por Cornélio. Por conta disso, o aplicativo ainda não está disponível para download. “Esse foi um processo contínuo de desenvolvimento, testes e reformulações”, lembra a orientadora. Carvalho comenta que, ainda durante essa etapa, o retorno mostrou-se positivo. “Muitos pais alegaram se tratar de um recurso que auxilia muito, pois é comum se esquecerem de incluir o consumo de frutas no dia a dia.”
As pesquisadoras também buscam empresas e instituições públicas que se interessem pela ferramenta e que a disponibilizem para o público em geral. Um estudo semelhante ao que resultou no Frutificar, orientado igualmente por Cornélio, desenvolveu o aplicativo Sal na Medida, que monitora a ingestão diária desse condimento – tema de uma reportagem da edição 683 do Jornal da Unicamp. Hoje, a ferramenta compõe o portfólio de tecnologias da Agência de Inovação da Unicamp (Inova Unicamp) e está aberta a parcerias. “Estamos explorando novas formas de parceria para implementar esses recursos”, afirma a orientadora.