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Embalando o futuro
Cientista citado na Nature como referência na área da ciência dos materiais tem sistemas naturais como modelo
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Reconhecido pela revista Nature, em dezembro, como um dos cientistas mais inovadores da área da ciência dos materiais, Caio Gomide Otoni, pesquisador e docente do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, tem transformado o desenvolvimento e a produção de materiais a partir da ótica da sustentabilidade e da economia circular. Seu trabalho, que une inspirar-se com a natureza e usar altas doses de tecnologia, tem o potencial de redefinir o futuro das embalagens e de outros materiais feitos com polímeros a partir do aproveitamento de recursos naturais renováveis.
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“Gosto de ter como modelo os sistemas naturais. A natureza tem bilhões de anos de pesquisa e desenvolvimento à nossa frente, com processos e sistemas já otimizados em termos de composição, eficiência energética e propriedades. Em cada estrutura, em cada mecanismo, há uma função bem definida”, conta Otoni, que, tendo concluído o pós-doutorado na Unicamp em 2020, saiu da Universidade, mas retornou em 2024, como pesquisador e docente, sem nunca ter deixado de manter um vínculo com a instituição.
“Observamos os sistemas biológicos e tentamos espelhar seus conceitos em nossos materiais, como estratégia para atingir materiais com funcionalidades otimizadas e adaptadas às nossas necessidades”, complementa.
Otoni conta que sua trajetória na ciência começou com o interesse por embalagens de alimentos durante a graduação em engenharia de alimentos. Posteriormente, o pesquisador mudou de área, para a ciência e engenharia de materiais, tendo como foco de estudo os polímeros de biomassa, um nicho promissor na busca por alternativas aos recursos petroquímicos.
“Há diferentes formas de promover a circularidade na cadeia do plástico. Uma delas é reduzir ou até eliminar a nossa dependência de recursos naturais virgens. Se queremos extrair menos recursos fósseis para produzir plásticos, podemos buscar alternativas nas árvores”, explica.
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No entanto Otoni pondera que, embora recursos naturais renováveis, as plantas continuam sendo virgens. Por isso, uma de suas linhas de pesquisa tem como objetivo aproveitar somente os resíduos da agroindústria. “Em vez de cortar uma árvore para obter celulose, aproveitamos tudo aquilo que sobra da cadeia agroindustrial e que tem baixo valor agregado para extrair moléculas e converter em materiais”, explica.
Com essa perspectiva, o cientista criou o grupo de pesquisa chamado Matreerials – uma junção das palavras inglesas materials (materiais) e tree (árvore) –, ao lado de integrantes de diversas universidades e de diversos institutos, como a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuára (Embrapa).
O grupo busca mimetizar processos naturais para criar materiais com funcionalidades únicas, como no caso das embalagens para alimentos que vão além do papel de embalagens comuns. Entre os principais focos dos estudos constam as chamadas embalagens ativas e inteligentes, capazes de interagir com os produtos embalados. Esses materiais podem liberar compostos antioxidantes ou antimicrobianos e absorver fluidos que aceleram a deterioração dos alimentos. Já as embalagens inteligentes, por exemplo, incluem sensores que indicam mudanças no ambiente, como a quebra da cadeia de frio ou a própria deterioração do produto embalado.
Outro exemplo prático do trabalho do grupo: o desenvolvimento de um curativo baseado em nanofibras multicamadas de acetato de celulose, outro derivado vegetal. “A inovação dessa tecnologia que patenteamos recentemente é conseguir, no mesmo material, uma face hidrofílica [que atrai água] e outra hidrofóbica [que a repele], combinando o melhor dos dois mundos para feridas cutâneas”, explicou. O material ajuda na cicatrização e previne infecções.
Desafios da ciência
Ainda que as pesquisas de Otoni tragam resultados relevantes para a sociedade, há desafios quando se trata de garantir que as soluções sustentáveis transpassem as fronteiras da universidade e se façam presentes no cotidiano da sociedade.
“A maior barreira é a viabilidade econômica. A concorrência desigual com matérias-primas subsidiadas torna desafiadora a produção em larga escala de alternativas de menor impacto ambiental. Tratando-se das embalagens, atualmente os maiores vilões da circularidade dos plásticos, um aumento de apenas 10 centavos [de real] no custo de produção pode inviabilizar um produto. O mercado não tem demonstrado elasticidade suficiente para absorver esse aumento, especialmente em um cenário no qual os custos ambientais ainda não são considerados”, explica.
Apesar das dificuldades, o pesquisador acredita existir um cenário favorável para a inovação e que a mudança é uma questão de tempo e também de realizar algumas alterações nas leis vigentes. O Tratado Global da Poluição Plástica, liderado pela Organização das Nações Unidas (ONU), oferece um exemplo sobre como as leis podem impulsionar soluções sustentáveis. “Estamos em um momento propício para essas discussões. Quando existem leis que demandam alternativas, os países que já possuem soluções desenvolvidas saem na frente”, observa.
No papel de gestor executivo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Circularidade em Materiais Poliméricos, Otoni afirma manter um constante diálogo com o governo federal para posicionar o Brasil na vanguarda desse campo do conhecimento.
O caminho do cientista
“Sempre quis ser cientista e criar coisas”, afirma o pesquisador. Exemplo e inspiração não lhe faltaram dentro de casa. Com um pai também professor universitário, uma mãe artesã e uma família de músicos, o docente cresceu em um ambiente que estimulava a curiosidade e a criatividade. “Era comum meu pai me levar, quando criança, ao laboratório, onde eu o via preparando meios de cultura para as plantas crescerem. Ele fez isso com minha sobrinha neste último Natal. Comentei com ele que estava criando um cientista.”
Em agosto de 2023, Otoni ganhou o prêmio Materials Today Rising Star Award, entregue a pesquisadores de três diferentes campos de estudo da área de ciência e engenharia de materiais. Ele era o único cientista do Sul Global dentre os seis contemplados com o prêmio.
Hoje cientista e professor de futuros químicos e cientistas de materiais, Otoni compartilha sua visão com os alunos, incentivando-os a inovar: “No primeiro dia de aula, eu digo a eles: pensem no macro – no produto, na aplicação –, mas não se esqueçam do micro – da molécula, do átomo. Tentem conectar esses dois mundos a todo momento. Quando vocês conseguem estabelecer essa conexão entre a estrutura molecular, o processamento, as propriedades e a aplicação, inovar se torna um processo muito mais natural”.