Exercício moderado atenua efeitos de envelhecimento associado à obesidade
Estudo demonstra também potencial do treino físico como tratamento contra a inflamação crônica
Mariana Garcia
Texto
Felipe Bezerra
Fotos
Uma pesquisa feita no Laboratório de Fisiologia do Exercício (Fisex) da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp confirmou haver uma relação entre a obesidade em seres humanos e a aceleração da imunossenescência – processo de envelhecimento do sistema imunológico – e mediu a eficácia do treinamento físico combinado com o objetivo de reduzir esse efeito. O estudo, realizado pelo educador físico Diego Brunelli em seu pós-doutoramento, desenvolveu-se sob supervisão da professora da FEF Cláudia Cavaglieri, também coordenadora associada do Fisex.
Os resultados da pesquisa indicam, ainda, o potencial do exercício físico como tratamento não farmacológico contra a inflamação crônica associada à obesidade, decorrente de fatores como aumento do tamanho das células de gordura, dificuldade de oxigenação celular e excesso de nutrientes. Esse processo promove mudanças em marcadores séricos, substâncias presentes no corpo (como genes e proteínas) que podem sinalizar diferentes enfermidades, entre as quais o diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer. Foi com base na análise de marcadores de inflamação e imunossenescência, além de informações genéticas, que Brunelli realizou sua pesquisa, que contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Uma série de estudos envolvendo animais já havia demonstrado a ligação entre a inflamação causada pela obesidade e o declínio precoce de algumas funcionalidades do sistema imunológico, afirma o educador físico. No entanto, pesquisas com seres humanos eram pouco esclarecedoras, o que motivou Brunelli a estudar o assunto. Já a taxa de incidência de problemas como sedentarismo, obesidade e doenças decorrentes do envelhecimento determinou o foco do estudo – a faixa etária dos 40 aos 60 anos (conhecida popularmente como meia-idade), na qual esses problemas mostram-se mais frequentes. “Se for possível mudar o estilo de vida das pessoas especificamente nesse período, elas poderão ter um envelhecimento mais saudável. Por isso a importância de trabalhar com esse público”, justifica Cavaglieri.
Na primeira fase da pesquisa, o educador físico se dedicou a investigar se a obesidade por si só – portanto sem uma doença associada – poderia acelerar o envelhecimento do sistema imunológico no caso dos seres humanos. Para tanto, o cientista coletou, inicialmente, amostras sanguíneas de três grupos distintos de voluntários: indivíduos magros, obesos não diabéticos e obesos portadores de diabetes tipo 2. Em seguida, analisou marcadores genéticos de inflamação e imunossenescência em células de defesa do sangue, os leucócitos.
Essa parte do trabalho, conta Brunelli, transcorreu no Laboratório de Neuroimunomodulação do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, com a colaboração do docente Alessandro Farias. Ao comparar os resultados, o pesquisador observou que os leucócitos dos voluntários obesos (dos dois grupos) apresentavam mais informações genéticas associadas à inflamação e à imunossenescência do que os voluntários magros – e que, entre os dois grupos de obesos, não havia diferenças significativas. O pesquisador concluiu, portanto, que a obesidade pode induzir a um estado precoce de imunossenescência mesmo quando não há doença associada.
Em uma fase posterior do pós-doutorado, Brunelli trabalhou com um novo grupo de voluntários, composto estritamente por obesos com diabetes tipo 2, todos sedentários. “O foco era investigar os efeitos do treinamento de força e exercício aeróbico [combinados] na imunossenescência precoce. Por isso optamos por indivíduos que, além de obesidade, já tivessem uma doença associada. Justamente para investigar o que o exercício físico poderia promover nesse caso”, sublinha.
O educador físico estabeleceu, ainda, um recorte específico para as voluntárias, selecionando apenas mulheres que já haviam entrado na menopausa – para que esse grupo apresentasse condições de saúde similares. “Buscou-se assim anular o efeito da ciclagem hormonal, de modo a haver uma influência mínima nos marcadores pesquisados. Mulheres em idade fértil têm respostas diferentes em função da variação hormonal.” A partir da menopausa, esclarece Cavaglieri, a mulher fica mais propensa a ganhar peso. Perde, ainda, uma importante proteção cardiorrespiratória, garantida pelo estrogênio. Portanto, seu organismo passa a apresentar características mais parecidas com as de um homem de meia-idade.
Os voluntários considerados aptos a participar da pesquisa, após passarem por exames para descartar problemas cardiovasculares, como arritmia e risco de isquemia, foram submetidos a um programa de 16 semanas de treinamento físico combinado, composto de atividade aeróbica e musculação, de intensidade moderada. Cavaglieri ressalta que o treino escolhido, além de ser recomendado por diversas instituições de pesquisa, vem sendo pesquisado na FEF desde 2006. Seu protocolo inicia-se com uma série de exercícios de força, voltados para grupos musculares grandes e pequenos, e termina na esteira ergométrica. “As principais sociedades científicas preconizam essa atividade para a promoção da saúde”, diz a professora.
Na oitava semana do programa de exercícios, os participantes passaram por uma avaliação cardiorrespiratória, que serviu de base para que Brunelli revisasse as cargas utilizadas nos treinos aeróbico e de força – afinal, cada pessoa tem um ritmo próprio de evolução. Dessa forma, foi possível manter a progressão ao longo de todo o protocolo de 16 semanas para que o experimento continuasse a surtir efeito, com segurança. “Sem aumentar a carga, o corpo se acostuma e então não há benefício”, enfatiza a orientadora.
O pesquisador coletou amostras sanguíneas do grupo antes de o treinamento começar e ao final das 16 semanas. A análise comparada dos leucócitos revelou que, concluído o período de treinos, houve uma redução em informações genéticas que indicam inflamação crônica e imunossenescência. “Foi o caso do fator de necrose tumoral-α [TNF-α], marcador que induz o aumento da resistência à insulina, e das proteínas PD-1 e CD-27”, cita Brunelli. Segundo o educador físico, os achados reforçam a hipótese de que o exercício físico pode recrutar células já envelhecidas e mais resistentes à morte (portanto disfuncionais), enviando-as para outras regiões do corpo, onde, finalmente, morrem. Consequentemente, há um estímulo para a produção de novas células e o fortalecimento das defesas do organismo. “Isso pode explicar, em parte, como o exercício promove efeitos antienvelhecimento e melhora a função das células imunológicas.”
O treinamento combinado de intensidade moderada aplicado pelo educador físico em seu estudo promoveu melhoras significativas na capacidade cardiorrespiratória e na força máxima de membros superiores e inferiores. Reduziu, ainda, a circunferência de cintura, que indica risco cardiovascular por ter relação direta com o acúmulo de gordura abdominal. “Os resultados apontam uma ação benéfica para melhorar aspectos que contrabalançam os efeitos da imunossenescência associada à obesidade”, finaliza.