Estudo avalia como velocidade de rotação dos corpos e força de coesão de seus componentes interferem nas colisões contra o solo
Os cerca de mil habitantes da pacata cidade de Araguainha podem não saber, mas estão no centro de uma cratera resultante da queda de um asteroide há cerca de 250 milhões de anos. A área se estende por um diâmetro de 40 quilômetros no sul de Mato Grosso, próximo à divisa com Goiás, o que faz dela a maior cratera de impacto da América do Sul. Diferentemente de outras crateras já documentadas no mundo, como a de Barringer, no Estado do Arizona (Estados Unidos), com uma forma côncava bem definida, Araguainha apresenta uma grande extensão e formações de relevo variadas, incluindo colinas e montes, além do afloramento de rochas, como o granito.
Erick Franklin, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, é autor de um artigo, publicado na revista Physical Review E, que de- monstra como determinados fatores, entre os quais a velocidade de rotação dos asteroides e sua força de coesão, podem explicar a assimetria existente entre as crateras. “Vemos crateras assimétricas na natureza e não sabíamos explicar como elas surgiram”, aponta o professor. O estudo conta com a coautoria de Douglas Carvalho, doutorando em Engenharia Mecânica, e Nicolao Lima, pes- quisador de pós-doutorado.
Diversidade de crateras
O comportamento e dinâmica de corpos granulares, como os grãos que formam solos arenosos, é um dos temas de estudo de Franklin, o que inclui analisar materiais que caem sobre esses solos e o efeito dessas colisões. “Toda vez que uma semente cai de uma árvore, o choque contra o chão abre uma pequena cratera. É algo que faz parte da dinâmica da natureza”, conta. O docente explica que, enquanto a queda de uma semente gera uma quantidade ínfima de energia, a de um asteroide de 1 quilômetro de diâmetro, a uma velocidade de 10 mil quilômetros por hora, por exemplo, teria impacto maior que o de uma bomba de hidrogênio, causando, entre outros fenômenos, a fusão e evaporação de materiais. “Trata-se de fenômenos com escalas diferentes. No entanto, se desconsiderarmos pontos específicos, como a fusão e a evaporação de materiais, a mecânica deles permanece a mesma”, pontua.
Devido à sua complexidade, é comum que estudos envolvendo a mecânica da queda de asteroides os vejam como corpos sólidos, contínuos, que não se fragmentam ao se chocarem contra o solo. A inovação proposta pelos pesquisadores consiste em tratá-los como agregados de fragmentos, que podem estar submetidos a uma maior ou menor força de coesão, a força responsável por mantê-los íntegros. A partir dessa premissa, os cientistas realizaram simulações para analisar o comportamento de cada partícula que compõe um determinado projétil – um asteroide, por exemplo – e o solo contra o qual ele se choca. Dessa forma, foi possível testar as colisões em condições nas quais variavam tanto a velocidade de rotação do asteroide como a força de coesão de seus elementos.
O modelo virtual criado considera uma fatia de solo de 12,5 centímetros de extensão, composto por 1 milhão de grãos de cerca de 1 milímetro de diâmetro cada, e um projétil, simulando um asteróide, com 15 milímetros de diâmetro, feito de 1.710 grãos de 1 milímetro de diâmetro cada. Uma das primeiras consta- tações realizadas explica as condições para que o projétil afunde no solo ao cair. A análise mostrou que, enquanto houver vibração entre as partículas do solo, resultado da energia do impacto, o projétil consegue penetrá-lo. Entretanto, as partículas da parte inferior do solo param de se agitar antes das localizadas na parte superior, o que explicaria por que o projétil, após o afundamento inicial, desloca-se um pouco para cima, em uma espécie de efeito rebote.
Ao testarem cenários com diferentes velocidades de rotação do projétil e diferentes forças de coesão de suas partículas, os pesquisadores verificaram que, à medida que o asteroide gira mais rápido e a tensão que mantém seus fragmentos unidos diminui, aumenta a tendência de ele se desfazer com a colisão, espalhando os fragmentos para mais longe. O contrário também ocorre: com uma menor velocidade de rotação e uma maior força de coesão, o asteroide tende a se manter íntegro e a penetrar no solo mais profundamente.
Esse processo impacta diretamente o formato das crateras. Colisões de asteroides com menor rotação e maior coesão geram crateras mais simétricas e profundas, com maior tendência de afundamento. Já no caso de corpos com coesão mais baixa e rotação mais alta, as crateras tendem a ser mais planas e irregulares, incluindo casos em que se formam picos em sua porção interior. Os achados abrem novas perspectivas para a busca de minérios resultantes desses fenômenos, pois, a partir da morfologia das crateras, consegue-se obter indícios sobre as características do asteroide, sobre como a colisão pode ter ocorrido e sobre o quão distante ou profundamente seus fragmentos podem ter se depositado. “Nem sempre os materiais penetram no solo. Eles podem ficar mais próximos da superfície e se espalhar na horizontal”, afirma Franklin.
Novas possibilidades
A aplicação dos conceitos de mecânica na formação de crateras por asteroides é uma das vertentes de estudo em desenvolvimento por Franklin e pelos pesquisadores sob sua orientação. Outras pesquisas tratam dos movimentos lentos de corpos em meios granulares, como, por exemplo, o da penetração de sondas. O professor explica que, nesses casos, levam-se em conta diferentes fatores, como a influência de uma rede de forças resultantes do contato entre as partículas, que deve ser quebrada pelo corpo perfurante em questão. Isso se aplica a áreas como a do desenvolvimento de equipamentos de perfuração de solos e a do estudo sobre o crescimento de raízes de plantas. Segundo Franklin, parte dessas aplicações parecem, à primeira vista, questões menores. Porém, com o avanço tecnológico e das possibilidades científicas, mostram-se necessárias. “No contexto de uma exploração de planetas como Marte, por exemplo, toda energia que puder ser economizada conta.”