Livro tem como base duas revistas da época sobre educação
O livro Debate educacional nas origens da “Nova República”, de Fabiana Rodrigues, professora livre-docente na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, discute a luta pela educação na transição da ditadura militar para a Nova República.
A obra aborda o período que vai de 1978 a 1985, quando se verificava “um conjunto de tensões políticas que colocava em questão a ultrapassagem ou não dos limites da ordem burguesa a fim de que fosse possível realizar as reformas estruturais”. Para o estudo, Rodrigues utilizou duas publicações da época, a Ande e a revista Educação & Sociedade, que nasceram em meio a um amplo movimento de defesa da educação.
Jornal da Unicamp – Embora a obra tenha caráter interdisciplinar, há um público principal ao qual se destine?
Fabiana Rodrigues – Essa obra destina-se aos estudiosos da graduação e pós-graduação, além de professores nas áreas de Educação, História, Jornalismo e Sociologia. Mais especificamente, é possível identificar como público principal do meu livro os professores da educação básica, os pesquisadores das temáticas relativas à escola pública e os demais profissionais da educação interessados em investigar os limites e as possibilidades para a educação pública no Brasil.
O livro aborda um período de efervescência política na defesa da escola pública, em que retornam ao debate público tanto a urgência da universalização do acesso à escola pública como a necessidade de permanência nela. Creio que o livro poderá interessar, também, aos movimentos sociais vinculados à educação (sindicatos e outros) e aos movimentos feministas e antirracistas. Provavelmente, o enfoque na “batalha das ideias”, seus sujeitos e seus desdobramentos pedagógicos será um dos aspectos mais atraentes para os leitores.
JU – Em que se diferencia o debate educacional do início da ditadura militar com o do final desse período? Podemos dizer que ele se intensificou?
Fabiana Rodrigues – Sim, intensificou-se. E isso se deve à conjuntura específica do período abordado no livro, entre os anos 1970 e 1980, período de “refluxo da contrarrevolução preventiva” instaurada em 1964. A obra destaca as contradições do capitalismo monopolista e a emergência de novos sujeitos sociais em conflito, que conferem um sentido original à luta pela democracia. Assim, a análise ilumina a contribuição do campo educacional para a campanha contra a permanência da ditadura empresarial-militar, bem como para a crítica das políticas educacionais da ditadura.
O período apresenta aspectos inteiramente novos ao debate educacional e que se expressam nas importantes formulações teórico-políticas abordadas no livro. Entre elas estão: as possibilidades de forjar uma escola pública estatal comprometida com a formação integral das crianças e dos jovens e, até mesmo, a defesa de que entre as melhores vias estaria a constituição de iniciativas de formação autogestionadas.
Cabe ainda indicar que a principal novidade no debate educacional durante a crise da ditadura reside no fato de se tratar do primeiro momento em nossa história no qual a luta pela educação pública não se fez apenas em meio a um pequeno número de intelectuais engajados, mas, sim, com ampla base, na organização do professorado e do movimento social nas periferias urbanas. Os desdobramentos da organização política dos professores repercutiram intensamente no debate educacional.
JU – Pensando no atual momento do Brasil, em que a ciência e as universidades públicas vêm sendo atacadas, qual a importância de se discutir e pesquisar a educação?
É preciso ter presente que a busca por uma universidade pública crítica e por uma produção científica autônoma e vinculada aos interesses nacionais é uma luta permanente na história da educação brasileira. Mais recentemente, com o avanço da extrema direita, o combate à universidade ganhou contornos de maior gravidade. Por isso, é inspirador e necessário resgatar o papel que as universidades desempenharam na resistência à ditadura, muito embora vários de seus setores tenham também compactuado com o autoritarismo.
O livro demonstra que na área da Educação, no final dos anos 1970, especialmente a Unicamp e a PUC-SP [Pontifícia Universidade Católica de São Paulo] constituíram espaço de produção científica e engajamento político na defesa da escola pública como condição para a democratização da sociedade brasileira. Desse modo, a luta dos educadores se articulou com o adensamento inédito das lutas trabalhistas por reforma agrária, por saúde pública etc. que ocorreram em todo o país. Considero que os ataques atuais não são fortuitos e possuem profunda correlação com o papel político que a produção científica pode desempenhar. Aqueles ataques são realizados visando minar a potencialidade crítica desta última.
JU – A obra deixa clara a relevância que a mobilização social teve no passado para a melhoria da educação. No presente, qual é a importância dos movimentos sociais para a educação brasileira?
Um dos pontos fundamentais da análise reside justamente na articulação entre o debate político em torno da luta pela democracia, ao final dos anos 1970 e no início dos anos 1980, e seus desdobramentos no debate pedagógico. Vejo que, nessa ligação entre o debate político e a educação, encontra-se uma das principais contribuições dos movimentos sociais para a educação brasileira. Os movimentos sociais, as educadoras e os educadores organizados, ao abordarem as diversas dimensões da prática escolar pela ótica de classe, produzem outra qualidade no debate pedagógico, como ocorreu no período analisado.
Os conteúdos, os métodos, as relações didáticas e as relações sociais da educação quando vistas na sua relação com os embates entre as classes sociais revelam com maior nitidez os verdadeiros desafios da educação brasileira e impossibilitam qualquer veleidade de neutralidade.
Título: Debate educacional nas origens da “Nova República”
Autores: Fabiana de Cássia Rodrigues
Edição: 1ª
Páginas: 208
Dimensões: 14 cm x 21 cm