Pesquisadores articulam lições da Engenharia Civil e da Geofísica para mapear riscos em edificações
As notícias do período dão conta da destruição. O terremoto de 5,3 graus de magnitude, na madrugada de 30 de novembro de 1986, levou abaixo 15 casas e comprometeu a estrutura de cerca de outras 2 mil. Os episódios de tremor de terra, que tiveram início em agosto daquele ano, assustaram a população. Nas rádios, o pedido era para que os moradores não abandonassem a cidade. Chega a ser surpreendente, mas a cena descrita acima ocorreu na cidade de João Câmara, no interior do Rio Grande do Norte. Na época, pesquisas conduzidas por universidades detectaram, na região, uma falha geológica que se estende por 18 quilômetros, causando abalos sísmicos com epicentros localizados a uma profundidade de 500 a 4 mil metros.
Ao contrário do que muitos pensam, o Brasil apresenta, sim, risco de sofrer terremotos. O caso de João Câmara é apenas mais um a refutar o senso comum. Conhecer os riscos sísmicos de uma região revela-se um trabalho necessário a fim de garantir a integridade de construções e, sobretudo, a segurança das pessoas. Com base em estudos geofísicos, um grupo de pesquisadores da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (Fecfau) da Unicamp avalia o quanto diferentes tipos de estruturas, como edifícios e pontes, são resistentes a abalos sísmicos. Coordenados pelo professor Gustavo Henrique Siqueira, os estudos oferecem subsídios importantes para o poder público e órgãos de controle de desastres, como a Defesa Civil, além de evidenciarem a necessidade de uma abordagem interdisciplinar no enfrentamento desse tipo de risco. “Nossos estudos são sempre interdisciplinares. A engenharia sísmica, em geral, nunca diz respeito apenas à engenharia civil”, comenta o professor.
Um risco silencioso
O Brasil não se encontra próximo dos limites das placas tectônicas. Seu território localiza-se, integralmente, no centro da Placa Sul-Americana. Isso faz com que os eventos sísmicos sejam bem menos frequentes e de intensidades menores, se compararmos com regiões como o Chile, localizado próximo à linha de contato daquela placa com a Placa de Nazca. No entanto, isso não torna o Brasil imune aos chamados terremotos intraplaca, que ocorrem a partir de falhas existentes no interior de uma determinada placa. Essas falhas são como rachaduras que surgem devido à movimentação das placas. “As pesquisas geofísicas mostram que, aqui no Brasil, temos registros de terremotos de até 5 graus de magnitude a cada cinco anos, aproximadamente”, detalha Siqueira
Porque os terremotos ocorrem de maneira pouco frequente no país, a preocupação com os riscos sísmicos na construção civil surgiu apenas recentemente. A primeira norma técnica brasileira a estabelecer parâmetros sobre a segurança de estruturas em relação a sismos foi publicada apenas em 2006 (NBR 15421). Ainda que os estudos em geofísica forneçam meios de análise dos riscos, saber quando e onde ocorrerão terremotos e com que intensidade mostra-se algo praticamente impossível. “Por se tratar de eventos raros, não dá para prever quando um terremoto ocorrerá. Não é como uma previsão do tempo”, explica Rodrigo Andrade, doutorando do grupo. “Mas é possível apontar onde são mais frequentes”, fato esse que chama atenção para a importância de o trabalho de engenharia realizar-se em parceria com a área de geofísica.
As análises feitas no âmbito da engenharia se debruçam sobre probabilidades. “As pessoas têm uma ideia muito determinística da engenharia, mas o mundo não é assim. Nossos estudos fornecem conhecimentos a fim de tomarmos a decisão de assumir riscos”, pontua Camila Carobeno, mestranda do grupo que estuda, analisando normas de outros países, como a NBR 15421 pode ser aperfeiçoada. Segundo a engenheira, dados sobre os terrenos e as construções também compõem o risco sísmico. “São várias vertentes que, juntas, nos dão a dimensão do risco.”
Os estudos feitos pelo grupo dependem de fatores diversos, desde as características geofísicas de uma determinada região – como o perfil dos sinais sísmicos emitidos e o mapeamento de áreas mais suscetíveis – até os tipos de construção existentes nessas regiões, como o porte, as características da estrutura e os materiais utilizados. Com base nessas informações, os pesquisadores executam testes e simulações numéricas capazes de indicar a forma com que cada construção responderia a determinados sismos. Siqueira explica que a conclusão nunca se baseia em uma análise única “Em uma estrutura que será avaliada, aplicamos vários sinais de sismos diferentes que já ocorreram naquela região para chegarmos a uma média de resultados.”
O professor explica, ainda, que não há uma correlação direta da altura e do porte das edificações com o risco de sofrerem avarias. O efeito de um terremoto de- pende da combinação das características do sismo com as da estrutura em questão. “É por isso que, em alguns terremotos, casas térreas e edifícios baixos são os mais danificados”, lembra Siqueira.
Pessoas são a prioridade
O interesse em avaliar a resistência de edificações a abalos sísmicos vai além da preservação de estruturas como residências, prédios e pontes. Em última instância, a prioridade é garantir a segurança das pessoas que utilizam esses espaços. Isso implica fazer escolhas importantes nos projetos. “Não basta garantir que a estrutura permaneça em pé. É preciso delimitar o nível de dano aceitável para cada um dos elementos estruturais”, adverte Siqueira.
O cuidado não diz respeito apenas a episódios em que o sismo leva abaixo uma construção. Considerando a realidade sísmica do Brasil, os eventos resultantes em danos leves também são importantes. “Os danos leves implicam custos e afetam o psicológico de quem mora no edifício. Como explicar a uma pessoa leiga que, apesar de estar cheio de rachaduras, seu prédio não vai cair?”, questiona Eduardo Pereira, outro doutorando do grupo. Segundo o pesquisador, em casos de risco precisa-se levar em conta a necessidade ou não de demolição das construções, o que aponta para a importância de que essa expertise seja utilizada na formulação de políticas públicas, bem como para orientar as ações dos órgãos envolvidos com a questão, como a Defesa Civil. “Se as pessoas que moravam ali não têm para onde ir, acabam voltando para o mesmo espaço e se expondo a riscos maiores”, pondera o engenheiro.