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Obra de professora do IA investiga práticas da cultura visual do país no início do século XIX

A historiadora Iara Lis Schiavinatto: “Valia indagar mais de perto os sentidos das imagens na fundação do Brasil”
A historiadora Iara Lis Schiavinatto: “Valia indagar mais de perto os sentidos das imagens na fundação do Brasil”

A professora Iara Lis Schiavinatto, do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, aborda diferentes elementos visuais, como pinturas e desenhos, e os discute em relação ao Brasil do início do século XIX, em seu novo livro, Visualidade e poder – Ensaios sobre o mundo lusófono (c. 1770-c. 1840). Lançado em formato digital pela Editora da Unicamp, o e-book contém importante material iconográfico e é resultado da livre-docência da autora.

A principal motivação de Schiavinatto foi investigar algumas práticas da cultura visual relacionadas à cultura política da fundação do Brasil, enquanto corpo político autônomo, entre 1780 e 1840. Esse interesse já havia se manifestado em Pátria Coroada (Ed. Unesp). “Ao estudar as festas do imperador – aquelas celebradas na fundação do Império do Brasil –, surgiam a importância e os significados da arte efêmera e dos retratos dos monarcas entre 1808-1826 ao lado das imagens aí mobilizadas”, conta a professora.

“Em Visualidade e Poder, acompanho mais de perto o processo de metamorfose dos letrados, notada pelo historiador Manoel Luiz Salgado Guimarães. Nesse processo, interrogo a retratística dos homens luso-brasileiros de governo do período entre 1810 e 1820 sob o signo do constitucionalismo liberal”, recorda Schiavinatto.

Jornal da Unicamp – Qual foi o objetivo dessa indagação à iconografia da época?

Iara Lis Schiavinatto  Eu queria mostrar a heterogeneidade da cultura visual da época. Ela desponta nos acervos brasileiros e portugueses. Importava estudar os trânsitos culturais e políticos transatlânticos que informavam tais práticas visuais em uma sociedade definida pela desigualdade social, pela violência senhorial e pela exclusão. Assim, apontei a agência de diversos sujeitos sociais com suas experiências. Por fim, se as imagens hoje medeiam nosso cotidiano no franco processo de digitalização da cultura e “plataformização” da vida, nos forçando a lidar com políticas de imagens, valia indagar mais de perto os sentidos das imagens na fundação do Brasil.

JU – Como a relação entre os dois lados do Atlântico, Europa e Brasil, está presente no livro?

Iara Lis Schiavinatto – O livro não compreende Portugal e Brasil como identidades essencializadas. Atenta aos trânsitos historicamente forjados entre eles e aos modos pelos quais vão se (re)definindo as configurações identitárias e os mandos coloniais entre Portugal e Brasil, notei que se inseriam em dinâmicas maiores. Penso na mudança das dinâmicas globais de produção de commodities articuladas a um mundo fabril a partir de fins dos anos setecentos e na redefinição dos usos da natureza por parte dos impérios europeus em suas colônias e nos modos de apreender essa natureza. Reflito, ainda, sobre a imensa entrada forçada de africanos traficados nos portos do Brasil, especialmente do Rio de Janeiro e sobre a mudança radical da paisagem na região hoje de Campinas, com a introdução da plantantion associada ao expressivo aumento da entrada de escravizados. Por fim, analiso as experiências revolucionárias no mundo atlântico.

Abordo dinâmicas históricas letradas que envolviam a produção, a circulação, o consumo e a reapropriação de imagens que podiam ocorrer em escala europeia, em várias localidades ou regiões e abranger territórios percorridos. A noção de trânsito cultural conjuga-se a uma história intelectual de uma camada letrada luso-brasileira e suas práticas da cultura visual. Sugiro que os trânsitos entre ciência, artes, técnica e ofícios permearam a cultura visual da época, constituindo práticas políticas e letradas na fundação do Brasil.

JU – O livro trata de uma história das imagens. Qual seu público-alvo?

Iara Lis Schiavinatto – Convém mencionar que muitas imagens passavam por processos de validação junto a diversos sujeitos sociais e instituições de saber. Por exemplo, uma ilustração botânica precisava ser validada no circuito acadêmico luso-brasileiro, mas também por um guia ou um/a indígena em terras brasileiras a fim de localizar a própria planta representada em uma dada localidade. Tais gestos validavam a imagem e seu uso como um meio de transmitir uma informação botânica em escala global.

Por todos esses aspectos, espero que o livro interesse ao leitor profissionalmente envolvido com o campo da história, das ciências sociais, da fotografia, da história natural, das mídias e das imagens.

JU – Essas imagens do período da Independência importam na atualidade, considerando o bicentenário da Independência?

Iara Lis Schiavinatto – A celebração do bicentenário concentra-se em 1822, mas sua agenda segue presente em vários espaços sociais. Cite-se o 2 de Julho na Bahia que, em 2023, celebra seu bicentenário e o vimos no samba-enredo da Beija-Flor. Ademais, uma qualificada produção historiográfica, museológica e cultural atua criticamente na política de memória cultural dos centenários. A Independência não foi monocórdica, homogênea ou uníssona. Foram várias as independências com alcances, projetos, desejos de liberdade e políticos diversos. Muitas imagens no livro reverberam de diferentes formas em nosso cotidiano e no presente.

Algumas são bem conhecidas, outras ficam em campos ditos das ciências, e há as menos conhecidas (por exemplo, os desenhos amadores do caderno de Miguelzinho Dutra). O valor dessas imagens ainda se ancora na sua diversidade, na importância de terem, inclusive, mobilidade e portabilidade ou de estarem circunscritas a um espaço nobilitado, monárquico ou burguês. Entender essas especificidades ilumina sua existência na época, a dignidade de cada uma e como chegaram até nós. Várias dessas imagens nos mostram como se inventou visualmente o Brasil independente e suas implicações.

Algumas delas ainda são vigentes e ajudam a pensar como naturalizamos as desigualdades sociais dos corpos vergados pelo trabalho compulsório; ou em como dadas violências intrínsecas à fatura das imagens transparecem (dos povos originários contra os quais d. João VI abriu guerra na busca de terras e gentes para trabalhar).


Título: Visualidade e poder – Ensaios sobre o mundo lusófono (c. 1770-c. 1840)

Autora: Iara Lis Schiavinatto

Formato: Digital

Editora da Unicamp

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