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Um Prêmio Nobel para o saber e a complexa relação entre ciência, tecnologia e sociedade

"Quando há inovação, há aumento da eficiência na fronteira que determina o valor dos salários, gerando ganhos ao setor de bens finais"

Anualmente, atribui-se um prêmio do Banco da Suécia para Ciências Econômicas em memória de Alfred Nobel a pesquisadores vivos, avaliando a contribuição dada em sua vida acadêmica. Em 2025, os vencedores foram Phillipe Aghion, Peter Howitt e Joel Mokyr. Buscando um elo com o mundo real, fala-se em “chegar muito próximo ao prêmio que dá importância à inovação na indústria” ou em “uma teoria de como a inovação levaria ao crescimento sustentável”. O intuito deste artigo é qualificar essas interpretações à luz da contribuição dos ganhadores.

Paul Romer foi vencedor do prêmio em 2018 com uma temática próxima à desenvolvida por Aghion e Howitt, dando ênfase ao capital humano e aos efeitos de transbordamento de uma economia geradora de variedade, criando um modelo horizontal, na tradição dos modelos macroeconômicos de crescimento. Seu trabalho, muito antes do prêmio Nobel, foi festejado no parlamento britânico por destacar o papel da inovação e dos rendimentos crescentes de escala.

No artigo seminal de Aghion e Howitt, publicado em 1992 na Econometrica, a referência principal é o economista austríaco Joseph Alois Schumpeter. Logo no início do texto, os autores definem o que chamamos de destruição criadora (longe de usar a palavra “criativa” no lugar). Em tradução livre: “O impulso fundamental que mantém a máquina capitalista em funcionamento vem de novos bens, novos métodos de produção e de transporte, novos mercados… esse processo incessantemente revoluciona a estrutura econômica de dentro, destruindo as antigas estruturas e criando novas. O processo de destruição criadora é o fato essencial do capitalismo.”

O modelo de Aghion e Howitt não poderia ser horizontal, e sim vertical: a economia apresenta um setor de bens intermediários que detém o monopólio sobre os resultados da inovação e um setor de bens finais e de pesquisa que são competitivos. O setor de bens intermediários transmite os ganhos de inovação para o setor de bens finais, mas novos agentes inovadores o fazem deslocando o que chamamos de “agentes estabelecidos”. Isto demanda coordenação e também depende da “taxa de chegada de inovações”, que é tributária do conhecimento acumulado na economia. O aspecto do crescimento dessa economia estilizada é o de uma escada, cujos degraus podem ser mais altos e mais largos, dependendo do tamanho das inovações e de seu ritmo de surgimento.

Em resumo, o mundo da destruição criadora é um tipo de céu e inferno em convivência. Quando há inovação, há aumento da eficiência na fronteira que determina o valor dos salários, gerando ganhos ao setor de bens finais; mas, ao mesmo tempo, a competição demanda recursos para o setor de pesquisa, reduzindo a capacidade da economia de se apropriar dos ganhos que ela mesma gerou. A grande qualidade do trabalho, que se alinha aos estudos que utilizam os Modelos Baseados em Agentes (ABM), é lembrar que a competição não é um simples determinante de mais eficiência e ganhos de bem-estar. A coordenação dos processos, sujeitos ao peso do acaso, é fundamental e pode emergir na forma de um Estado empreendedor, como postula a economista Mariana Mazzucato.

Se Aghion e Howitt contribuíram fundamentalmente para a formulação de modelos de inspiração micro e macroeconômica amplos e estilizados, os julgadores do Nobel em Economia também sentiram necessidade de prestigiar um pesquisador que utiliza as teorias, os métodos e a argumentação da História Econômica. Joel Mokyr (n. 1946) possui uma vasta obra dedicada ao tema das inovações tecnológicas e de seus impactos no crescimento econômico e nas transformações sociais.

O processo histórico que contextualiza grande parte de sua obra é a Revolução Industrial. Para Mokyr, a industrialização foi resultado de uma cultura de crescimento típica da Revolução Científica e do Iluminismo europeus. Ainda no século XVII, as ideias de filósofos como Sir Francis Bacon (1561–1626) serviram de base para a generalização de que o progresso material poderia ser alcançado pelo conhecimento humano.

Instituições de interesse público, como academias científicas, centros de ensino e outras políticas públicas de apoio às chamadas “artes úteis”, foram estabelecidas na Inglaterra seguindo três princípios básicos. Existia um consenso em torno de pesquisas que deveriam expandir o conhecimento humano e sua compreensão das leis do universo e da natureza por meio de novos métodos e instrumentos científicos. A agenda de investigações deveria ser direcionada a questões capazes de resolver problemas práticos, estabelecendo aprimoramentos técnicos. O custo de acesso ao conhecimento deveria ser o mais baixo possível, não apenas por sua disseminação, mas pela criação de instituições capazes de normatizar e divulgar seus resultados.

Mokyr defende que o conhecimento é cumulativo. Sociedades abertas, com liberdade de expressão e uma esfera pública que permite a circulação de ideias, são capazes de potencializar descobertas e trocas do conhecimento científico. Os impactos sociais do progresso técnico estão no cerne do argumento de Mokyr, principalmente quando pensamos na resistência de determinadas sociedades às novas tecnologias. Instituições e grupos sociais podem ver ameaçadas sua renda econômica e sua influência política. Agentes econômicos com aversão ao risco geralmente temem as consequências imprevistas do uso de novas tecnologias. Também existe o risco de repercussões sociais e políticas abrangentes e não intencionais, como aquelas que transformam a atuação dos trabalhadores em relações de produção precarizadas, nas quais a regulação ainda está em processo de construção.

O comitê responsável pela escolha dos premiados ao Nobel destacou, em sua justificativa oficial, o método utilizado por Mokyr para validar suas hipóteses. São três os tipos de evidências empíricas utilizados: comparações de diferentes períodos e processos históricos (macro-level comparisons), uma narrativa analítica por meio de estudos de caso históricos e evidências quantitativas.

Ao analisar o estudo de caso da Revolução Industrial britânica, Mokyr utiliza uma miríade de fontes qualitativas primárias: biografias, cartas, obras de filósofos e da Economia Política em ascensão, manuais técnicos, relatórios e legislações governamentais. Em relação aos dados quantitativos, o autor busca realizar testes que corroborem suas hipóteses sobre a difusão do conhecimento científico e suas aplicações práticas. As evidências quantitativas levantadas por Mokyr e por colaboradores comprovam a “ilustração” como um fenômeno que abrangeu diversas sociedades ocidentais, gradualmente se expandindo pelos territórios e povos a elas associados. O diferencial britânico residia em seu conhecimento técnico, sua engenharia e sua abundante oferta de habilidades mecânicas — uma vantagem que se estendeu durante as convulsões políticas continentais das eras revolucionária e napoleônica. Devido às características inerentes ao movimento de difusão de ideias, de técnicas e de indivíduos típicas do Iluminismo, a convergência de tecnologia e renda se materializou com decolagens tardias no século XIX.

Com marcadas diferenças de enfoque e de forma de conduzir o ofício da economia, os ganhadores sinalizaram para um ponto central: um mundo complexo, de resultados difíceis de prever, mas que demanda o uso contínuo e acumulado do conhecimento e da liberdade criadora — que não deixe sucumbir a grandeza, o engenho e a aventura humana.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião da Unicamp.


José Maria F. J. da Silveira e Nelson Mendes Cantarino são docentes do Instituto de Economia da Unicamp.

Foto de capa:

O processo histórico que contextualiza grande parte de sua obra é a Revolução Industrial
O processo histórico que contextualiza grande parte de sua obra é a Revolução Industrial

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