Um dos melhores escritores brasileiros é pouco conhecido. Seu nome é Gustavo Corção (1896–1978). Já ouviu falar? A exemplo de Nelson Rodrigues, ele não foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Sua obra Lições do Abismo não fica a dever a nenhum clássico da literatura mundial. Nascido no final do século XIX, Corção foi um legítimo crítico do século XX, ao qual se referia como O Século do Nada, título de seu último livro. Se os leitores, como eu, são filhos dos 1900, recomendo fortemente a obra de Corção. O Século do Nada é seu testamento intelectual. Nele, encontramos, em nossa língua, as origens dos males que hoje vivemos. Corção não precisou de uma bola de cristal para prever o futuro; bastou-lhe extrair das ideias suas consequências.
Às vezes, pergunto-me como Corção chamaria este século, marcado pela negação não apenas do ser, mas de qualquer natureza. Esse mal, naturalmente, estende-se às instituições humanas. Atualmente, todas convergem para uma única coisa, abandonando suas respectivas “razões de ser” para se imiscuírem em tudo ou, paradoxalmente, em nada. Vão se metamorfoseando em “ONGs”, no sentido pejorativo do termo. Aqueles que, seguindo Santo Agostinho, acreditavam que “a paz é a tranquilidade da ordem”, vivem agora atormentados. Nada está em ordem. Tudo está de cabeça para baixo, literalmente. Como manter a sanidade mental em tal contexto? Partindo dessa linha de raciocínio e observando a realidade, cheguei a uma conclusão: este é “O Século da Loucura”. As pessoas estão adoecendo e enlouquecendo, porque não é mais possível encontrar paz em lugar algum.
Ao buscar na história da civilização ocidental, infelizmente, não encontro paralelo. Em todos os tempos, por mais caóticos e beligerantes que fossem, os homens sabiam quem eram e respeitavam a natureza das coisas. As instituições, mesmo as mais corruptas, reconheciam seus limites e se atinham às suas “razões de ser”. Qualquer desvio era prudentemente rechaçado. Contudo, as ideias que nos trouxeram até aqui foram gestadas ao longo dos últimos, digamos, 500 anos. Hoje, são como premissas implícitas. Não as enxergamos claramente porque as tomamos como verdades hegemônicas. Daí a urgência de ler Corção, em especial O Século do Nada. Não podemos esquecer que o primeiro passo para corrigir um erro é reconhecê-lo.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.