Nos últimos meses do ano de 2024, como vem acontecendo há alguns anos, são divulgados os rankings dos melhores, mais importantes ou mais influentes cientistas. Algumas listas usam o termo “mais influentes”, outras, “melhores”, além de outros adjetivos relacionados à qualidade e excelência. Isso é porque, em qualquer conversa sobre a importância de pesquisadores, esses qualificativos praticamente se confundem.
Dois rankings divulgados há pouco tempo pela grande imprensa do país (Clarivate e Stanford/Elsevier) mostraram resultados bem diferentes, apesar de quererem medir coisas semelhantes.
O que teve mais repercussão nos grandes jornais foi a lista dos “mais citados pesquisadores do mundo” da empresa Clarivate (dona da base Web of Science e de vários outros serviços relacionados à divulgação de informações sobre ciência e tecnologia). Um dos grandes jornais brasileiros colocou na chamada principal que houve uma queda no número de pesquisadores brasileiros do ano passado para o presente ano. Note-se que a lista tem quase 7 mil pesquisadores de todo o mundo. Nessa lista, teríamos caído de 18 para 14 cientistas citados em 21 áreas do conhecimento.
Esse ranking, sempre segundo a empresa, representaria o 1% de autores mais influentes do mundo. Para montar a lista, a empresa parte de artigos cujos indicadores são monitorados em sua plataforma de análise Incites. Após uma série de refinamentos para garantir a fidelidade das informações, chega-se à lista dos mais citados (veja a metodologia em https://clarivate.com/highly-cited-researchers/evaluation-and-selection/).
O ranking Stanford, feito em parceria com a empresa Elsevier (dona da base Scopus, dentre outros ativos de informação científica e tecnológica), lista os pesquisadores presentes no extrato 2% mais influentes do mundo.
A lista parte de uma série de métricas de citações de artigos (c-score) que inicialmente orienta a classificação dos mais influentes em 22 áreas e 174 subáreas do conhecimento (veja a metodologia em https://top2percentscientists.com/methodology-and-selection-criteria-of-top-2-scientists-list/).
A lista, por ter uma abordagem diferente da da Clarivate, é bem mais longa que aquela, com mais de 217 mil nomes. No ranking deste ano constam 1.077 brasileiros.
Uma rápida comparação entre as duas listas mostra diferenças importantes, simplesmente porque os pesquisadores não são os mesmos de uma para outra. Senão, vejamos.
Olhando os 6.886 primeiros pesquisadores da lista da Elsevier (mesmo número de nomes da lista da Clarivate), há sete brasileiros. Desses, apenas dois nomes são citados também entre os 14 da lista da Clarivate.
Para termos 14 brasileiros nessa lista, teríamos que avançar até a posição 11.126 (quase o dobro) e só teríamos três nomes coincidentes com a lista da Clarivate.
Naturalmente, as duas listas apontam para pesquisadores com diferentes filiações: dos 14 pesquisadores do ranking da Clarivate, 9 são do Estado de São Paulo; na outra lista, apenas 2.
A verdade é que quase tudo muda.
OK, as metodologias são diferentes, mas, se querem medir a mesma coisa, o mínimo que se pode dizer é que falta convergência (nem me atrevo a dizer consenso) sobre como a ciência deve ser avaliada. Dá-se a entender que a ciência da ciência está longe de ser exata, ainda que os indicadores sejam usados com uma pretensa exatidão e objetividade.
Um colega me mostrou outra fonte que me chamou a atenção, a do site research.com. Um dos ranqueamentos ali se chama Best Scientists in the World 2024 Ranking. Os números apresentados são impressionantes. Vale a visita, pelo menos por curiosidade.
Para estar em primeiro lugar em um ranking global com cerca de 2 mil pesquisadores por área do conhecimento[1], é preciso ter um D-índex que varia de 128 a 400 (o D-índex é o índice H olhado dentro de uma área disciplinar; é muito próximo do índice H a depender de como o pesquisador publica).
Ou seja, no mínimo 128 artigos com 128 citações e no máximo 400 artigos citados no mínimo 400 vezes cada.
O número médio de publicações dos primeiros colocados em cada uma das 26 áreas do conhecimento varia de pouco mais de sete publicações por ano ao longo da vida até 90 artigos anuais. A média é de 30 e a mediana, de 24 artigos por ano durante cada ano da vida “produtiva” de um pesquisador.
Nesse ranking, a média da “vida produtiva” dos pesquisadores considerados “best scientists” é de 47 anos e a mediana, de 51 anos (com uma idade mínima de 29 e máxima de 60 anos dos primeiros colocados de cada área).[2]
A amplitude dos números varia conforme a área do conhecimento. Na média, um pesquisador, para ser um “best scientist” precisaria, segundo o ranking, publicar 24 artigos por ano todos os anos durante 47 anos! Na mediana, mais justa que a média pela amplitude dos números, são 21 artigos por ano, média de 1,7 artigo por mês.
Há quem tenha publicado 90 artigos por ano durante 36 anos de carreira, algo como um paper a cada quatro dias. Uma produtividade impressionante.
Computando-se o conjunto de todas as áreas do conhecimento, dos mil pesquisadores mais bem colocados no ranking, não há nenhum brasileiro, apenas um latino-americano (uma argentina), sendo 606 estadunidenses e cem, britânicos, sobrando muito pouco para distribuir entre o restante do mundo.
Compilei e mostro alguns dados adicionais das 26 áreas do conhecimento do ranking Best Scientists no Quadro 1.
Quadro 1 – Compilação de dados do ranking “Best Scientists” na plataforma research.com
Algumas curiosidades podem ser extraídas do Quadro 1.
- Das 26 áreas do conhecimento, 12 têm pesquisadores de outros países que não Estados Unidos e Canadá, considerando os dez primeiros colocados do ranking.
- Austrália e China são os intrusos mais frequentes.
- Apenas 5 das 26 áreas do conhecimento têm pesquisadoras mulheres entre os dez primeiros.
- Dos cerca de 260 pesquisadores no top dez das 26 áreas[3], apenas 7 são mulheres.
- A participação de pesquisadores brasileiros (homens e mulheres) entre os top 2 mil de cada área representa mais de 3% em sete áreas.
- Em quatro áreas a participação de brasileiros é muito próxima ou acima de 6%.
- A participação de pesquisadoras brasileiras mulheres é mais expressiva justamente nessas quatro áreas.
- Do total de brasileiros presentes nas listas das áreas do conhecimento, cerca de 20% são mulheres.
- A participação de brasileiros no total dos pesquisadores ranqueados em todas as áreas é de cerca de 0,2%.
Eu não tenho dúvidas de que os nomes que aparecem nos diversos rankings são de ótimos cientistas. É inquestionável que são muito bons, excepcionais mesmo. Talvez uma ou outra exceção possa ser encontrada em que o/a pesquisador(a), mesmo tendo indicadores extraordinários, enfrenta problemas de integridade. Mas seriam mesmo exceções, facilmente detectáveis.[4]
Pode ser que parte de meu interesse nesses rankings venha de minha inveja de neles não estar e a consequente vontade de conhecer como se formam as listas dos melhores, mais citados, mais influentes pesquisadores.
Outra parte vem do interesse, como pesquisador, de explicar evidências tais como a incrível predominância de pesquisadores estadunidenses e britânicos (70% dos melhores do mundo estão em apenas dois países!); a gritante baixa presença de mulheres entre os melhores; e a incrível marca de publicar um paper a cada quatro dias durante 36 anos, ou mesmo dois artigos por mês, todos os anos, durante 47 anos seguidos.
As metodologias variam, é certo, mas todas orbitam em torno da convicção de que a qualidade da pesquisa se mede pelo número de publicações e citações, já que ocorreriam sobre um plano neutro e desprovido de vieses.
PS: Curioso que sou, perguntei ao ChatGPT como seria o avatar de um best scientist baseado nos dados aqui relatados. A imagem que me apresentou foi esta:
O conteúdo deste texto não reflete, necessariamente, a posição oficial da Unicamp.
[1] Algumas áreas têm pouco menos de 2 mil pesquisadores listados, algo entre 1.800 e 1.900. Aqui consideramos, sem perder na análise e para facilitar o trabalho, que todas têm 2 mil.
[2] Esses números foram calculados pelo autor deste artigo com base no tempo de vida de cada um a partir dos 25 anos de idade. Na ausência da idade certa usou-se o número de anos após o doutorado. É uma medida aproximada, sem pretensões de ser uma referência.
[3] O número é aproximado porque alguns pesquisadores aparecem em mais de uma área de conhecimento.
[4] O ranking Stanford/Elsevier começou a excluir retratações de suas listas neste ano.