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Agora vai?

"Após anos sem qualquer política industrial, o Brasil recoloca – em linha com a maioria dos países, inclusive os mais ricos e de passado mais liberal – esse tema no centro de suas estratégias de desenvolvimento."

A nova geopolítica global está reorganizando muita coisa, trazendo sinais sobre o futuro, como uma caixinha de surpresas que, esperamos, não seja como a do mito de Pandora.

A diplomacia, o comércio internacional e as decisões estratégicas dos países estão se movendo como placas tectônicas, afetando todo tipo de políticas de governos e de estados. A esse cenário, junta-se a polarização política, nacional e global.

Não ficam de fora, muito ao contrário, as políticas de ciência, tecnologia e inovação (CTI). Sendo a produção e a apropriação de conhecimento um dos pilares da divisão internacional do trabalho, há muita coisa em jogo. E esse jogo já começa com novas regras, ainda que não muito claras. Melhor acompanhá-las, antes que seja jogo jogado.

Neste contexto, foi realizada a V Conferência Nacional de CTI em Brasília. Foram três dias de apresentações, com diversidade de pontos de vista e uma grande convergência: ninguém duvida da importância da pesquisa e da inovação como engrenagens das mudanças em curso.

Algumas sessões da Conferência focaram no tema da política industrial (quer dizer, da Nova Indústria Brasil – NIB[1], lançada em janeiro deste ano).

Reindustrialização, neoindustrialização e outros termos vêm sendo usados para destacar um dos movimentos tectônicos que a nova geopolítica e as novas tecnologias vêm provocando: a China está deixando de ser a fábrica do mundo, e a produção barata baseada em mão de obra barata dá lugar ao acirramento do processo competitivo global, exigindo o reposicionamento físico e estratégico das indústrias.

Os exemplos mais frequentes são o da relocalização da indústria de semicondutores e o dos volumosos investimentos dos países em inteligência artificial. E há muito mais nesse contexto, como transição energética, indústria carbono neutro, bioeconomia, inclusão e distribuição da riqueza produzida, dentre outros.

A NIB tem seis missões principais que, na visão do governo, abrangem os principais desafios e oportunidades de fomento à indústria. Difícil discordar de tudo. Representações da indústria estão envolvidas na NIB, e todos querem que seja transformada em política de estado. Em outras palavras, querem que a política não seja episódica, mas de longa duração, como posição estratégica que caracterize o Brasil e na qual os agentes econômicos e políticos possam confiar.

Vários ministérios, BNDES e outros bancos de desenvolvimento, agências de fomento e representações da indústria estão envolvidos. A Presidência da República também. Os recursos são importantes, embora distantes do volume de investimentos que será necessário atrair para dar conta das missões. São 300 bilhões de reais (valor próximo a 60 bilhões de dólares no câmbio atual), além de esperados investimentos privados, nacionais e estrangeiros.

O entusiasmo é grande, pelo menos foi o que se ouviu das apresentações sobre o tema na V Conferência.

Após anos sem qualquer política industrial, o Brasil recoloca – em linha com a maioria dos países, inclusive os mais ricos e de passado mais liberal – esse tema no centro de suas estratégias de desenvolvimento.

Os desafios para implementar a NIB e, mais ainda, torná-la bem-sucedida e duradoura como política de estado são gigantescos. E as discussões da Conferência apenas tangenciaram esses desafios. Infelizmente.

Sem esse debate, corremos o sério risco de, mais uma vez, cairmos no voluntarismo, sempre sedutor, e quase sempre impostor.

Não basta saber desenhar a política em seus desígnios mais amplos, criar programas e alardear sua importância.  A fase festiva é necessária, mas largamente insuficiente. Os autores já deveriam saber disso, já que exemplos não faltam.

A história recente das políticas industriais do Brasil, especialmente as que envolveram CTI, o que significa quase todas, poderia ajudar.

Das últimas políticas industriais, a Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE, 2004-2008), a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP, 2008-2010) e o Plano Brasil Maior (PBM, 2011-2014), pouco se sabe além do dinheiro alocado e dos incentivos oferecidos. A propósito, elas envolviam igualmente vários ministérios, bancos e demais atores dos sistemas produtivo e político.

Todas foram examinadas e debatidas pelo que propunham, nunca pelo que fizeram ou deixaram de fazer. Tudo focado no desenho, nada na implementação, nada nos resultados e muito menos nos impactos. Impossível saber se e em que medida foram bem-sucedidas, e muito menos os porquês.

Quando digo nada, é nada que tenha alguma consequência. Aqui e acolá, acadêmicos ou pesquisadores de algum órgão de planejamento e avaliação lutam para conseguir os dados e estudam os resultados e o sucesso ou insucesso dessas políticas. São casos importantes e ilustrativos, mas com pouca ou nenhuma influência sobre o rumo das coisas.

A última Política Nacional de Inovação (PNI), que também era para ser de estado, foi abandonada, sem maiores explicações. Boa ou ruim, deveria ser levada a sério e, independente do governo de plantão, monitorada, avaliada e realimentada com o que se pôde aprender. Acabou sendo tratada como política de governo, daquele que saiu. E olha que foi feito um sistema de monitoramento e avaliação envolvendo 11 ministérios, mas ninguém deu bola, e o tempo passou como um filme reprisado.

A parte mais trabalhosa e difícil de uma política pública está na sua implementação e na sua condução. É justamente aí que não se pode descuidar ou ter preguiça.

Para ser nova de verdade e trazer os benefícios econômicos e sociais pretendidos, precisa criar uma governança abrangente e efetiva, incluindo a implementação, a condução, os ajustes e a prestação de contas, tudo isso em uma plataforma que permita consolidar dados e ações e saber o que se passa.

Do contrário, é só esperar a próxima mudança de governo para conhecermos a “mais nova” política industrial (ou a ausência dela, o que seria pior).

A NIB (ou qualquer outra política industrial) jamais será uma política de estado por força de decretos e discursos entusiasmados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.


[1] https://www.gov.br/mcom/pt-br/noticias/2024/janeiro/governo-federal-lanca-nova-industria-brasil

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