“Prosa”, do latim prorsa, feminino de prōrsus, composto de pro e vorsus, significando “para frente”, “adiante”. No sentido figurado, “certamente” “decididamente”. Assim, a boa prosa é direta. Avançando de forma decidida, realiza sua vocação. As versões em inglês para o termo latino – forward, right onward – fazem pensar em straightforward, atributo de um caráter franco, econômico e claro na fala e na escrita. A virtude do escritor é seu respeito ao leitor.
O oposto dessa boa prosa é a purple prose, desnecessariamente ornada, pouco objetiva: difícil em seu vocabulário e ambígua em sua direção. Além de moralmente louvável, a objetividade pode ser esteticamente apreciável. Uma carta bem redigida merece ilustrar antologias. É o que mostra Francisco Rodrigues Lobo em Corte na Aldeia (1619). Primeiro, distingue os tipos de missivas: familiares, domésticas, mercantis, de novas, de agradecimento, etc. Nelas, devemos usar “o que na conversação costumamos, que é brevidade sem enfeite, clareza sem rodeios e propriedade sem metáforas.” As palavras devem ser correntes, mas não baixas.
Como exemplo, traduz a de Gneu Sílvio, com notícias da batalha de Farsália: “César venceu; Pompeu morreu; Rufo fugiu; Catão se matou; consumou-se a ditadura e perdeu-se a liberdade.” Nas cartas jocosas podemos ferir as regras de moderação, nunca as da brevidade: “Aonde vos achais sei que dizeis sempre mal de mim; eu, pelo contrário, não perco ocasião de dizer louvores vossos; porém, quem a ambos nos conhecer, a nenhum há de dar crédito”. Em sua Arte Poética, Horácio explica que a concisão é essencial: quidquid praecipies, esto brevis: “o que quer que preceitue, seja breve, para que os ânimos compreendam rapidamente e retenham o que foi dito.” E quando se sabe o que dizer, as palavras acodem espontaneamente: uerbaque prouisam rem non inuita sequentur. Ou, na versão de Boileau: “Aquilo que se concebe bem se enuncia claramente/ e as palavras para dizê-lo acorrem facilmente”.
Um análogo para essa objetividade eficaz e bela – clássica – pode ser encontrado no futebol. Reinaldo, um dos maiores artilheiros da década de 1970, estreou como profissional aos 16 anos, motivando comparações com Pelé. No Colégio, no interior de Minas, seu professor de educação física promovia partidas de futebol americano, jogo que só acontece para frente. Devemos ao artista plástico Nuno Ramos a melhor caracterização do estilo do centroavante:
“Tudo em seu futebol era linha e claridade. Os dribles eram desconcertantes, mas nunca naquele sentido esfuziante do termo. Eram de algum modo compostos, quase sóbrios, sempre em direção ao gol. O importante é que nada fosse desperdiçado. Havia uma espécie de nitidez intelectual no que fazia. Acima de tudo, quem torcia por Reinaldo torcia pela fluência, pela facilidade, pelo modo desobstruído de vencer os zagueiros.”
Descrição que faz pensar no comentário atribuído a Delacroix: os obstáculos ao meu caminho são um caminho. Pois o caminho não é apenas uma vitória sobre o obstáculo: é o obstáculo que define, traça e canaliza o caminho. Os desvios – os dribles, triangulações, as imprevisíveis fintas de corpo de Reinaldo – encaminhavam diretamente para um fim, o gol. Belos em sua economia, tudo neles era “cálculo, raciocínio, operação mental”.
Roubo aqui os termos usados por Drummond em uma famosa crônica (“O anúncio de João Alves”). Ali, ele louva a “limpeza da linguagem”, o “decoro”, a “propriedade”, a “precisão de termos” e a “graça no dizer” presentes em um simples anúncio de animal perdido, lido por acaso num antigo jornal itabirano. Anúncio que poderia figurar numa antologia, ou numa obra, que ninguém escreverá, sobre “as excelências da prosa útil”. Pois já se foi o tempo em que intelectuais e escritores se empenhavam em discutir o trabalho do autor de cartas e semelhantes documentos do dia a dia; daquele que lida com os obstáculos da palavra para alcançar, como o jogador, algo claro e direto – simples e belo como a prosa.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.