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Filosofia do yoga como prática e modo de vida em diálogo com o conhecimento acadêmico

"Queremos integrar, neste processo de interlocução, o conhecimento acadêmico e os professores de yoga de nossa região nas reflexões sobre multiculturalismo, corpo, diversidade, cultura de paz, lazer, saúde, etc."

Ilustração do Grupo de Estudos Yoga na Unicamp

O yoga como filosofia está diretamente ligado a experimentarmos a vida considerando vivermos bem, de acordo com nosso agrado. O parâmetro é estarmos contentes com quem somos, já que nossa natureza é a própria alegria de estar presente. A experiência subjetiva de si e as relações de autocuidado integram a filosofia do yoga. A disposição para aprender a nos relacionarmos melhor, assim como a disposição para cultivarmos e nos envolvermos com nossa comunidade imediata também fazem parte deste modo de vida. Considerando nosso mundo a partir da filosofia do yoga, muitas experiências e práticas podem ganhar um significado mais profundo, quando nos envolvemos – através do estudo – com suas possibilidades.

É uma filosofia transmitida oralmente e dependente da experiência, da gentileza e da disposição de alguém que compreende algumas práticas, desenvolvendo-as, e que está disponível para ensiná-la a nós. Além da disposição pessoal, para ensinar, é preciso ter a benção do seu próprio professor. Então, como se diz, é um colar de pérolas. Filósofos que são praticantes e professores autorizados pela sua tradição, por fazerem, pensarem e sentirem de maneira articulada com a filosofia do yoga, também são, de certa forma, exemplos de como conduzirmos nossa própria vida a partir desta filosofia. Encontramos aí outra camada de aprendizado: nossos professores são – em certa medida – possibilidades vivas da experiência de yoga, e por isso também é possível aprender observando-os.

Quando pensamos que a filosofia vem junto com a prática, em termos acadêmicos, podemos considerar a ideia de um batimento heurístico, uma checagem contínua com ajustes entre nosso estudo e nossa prática, entre os órgãos de percepção ou conhecimento (os olhos, ouvidos, nariz, língua e pele), entre os órgãos de ação (braços, pernas, boca, aparelhos reprodutor e excretor) e um conjunto de instrumentos internos que nos permitem desenvolver essa filosofia: o ego, a inteligência, a mente e a memória. Ou seja, essa filosofia se dobra sobre si, sobre nossa própria experiência como ser, como experiência do mundo, como experiência coletiva, como experiência do próprio corpo, como experiência entre diferentes. Aproveita-se o estudo para cada vez estarmos mais conscientes, mais presentes, para semearmos a cultura de paz. Isso traz alegria.

Viajar, cantar, dançar, rezar em lugares especiais, comemorando a vida, são práticas auspiciosas. Os peregrinos, os swamis, os viajantes, os caminhantes partilham dessa disposição para conhecer a si, indicada na Devi Gita. Todas as atividades de celebração podem ser conduzidas sem o artifício de estimulantes ou calmantes, e isso é uma reverência à capacidade e às possibilidades de nosso corpo.

O trabalho de investir em uma vida íntegra, em que a verdade é um valor central, leva-nos a retomar continuamente nossas compreensões e percepções para afinarmos nossos sentidos e nos envolvermos na doce e interminável investigação da existência. E assim reverenciamos nosso trabalho analítico e intelectual, como indicado na Bhagavad Gita. Seja viajando e aprendendo através da diversidade de hábitos e culturas, seja em minha região, aprendendo a ver o novo em meu cotidiano, o processo de se recolher periodicamente para estudar e refletir é o mesmo. A meditação se torna, portanto, um aliado do estudo de filosofia do yoga, e a troca entre quem estuda e os professores também é considerada uma parte importante do processo de aprendizagem.

Nós nos questionamos: “o que estou fazendo aqui?”, “o que é a vida?”, “o que são os relacionamentos?”, “qual a natureza das minhas experiências?”, “o que é o meu corpo?”, “qual a fonte das diferenças que vejo no mundo?”, “existe uma escolha melhor do que outra?”, “como encaminhar minhas questões de uma maneira que me favoreça e favoreça meu entorno?”. Cada professor terá um modo diferente de responder, mas todos em harmonia com a tradição de yoga.

Vejamos alguns tópicos de Filosofia do Yoga como prática e como modo de vida salientados por professores queridos. Sri Aurobindo considera a realização do potencial completo do indivíduo e o estabelecimento de uma vida coletiva harmoniosa e progressiva. Swami Vivekananda pede que estejamos atentos à verdade, a manter nossa pureza interior e a não nos apegarmos às nossas experiências, mas sim ao aprendizado e autoaperfeiçoamento que as experiências promovem. O mestre Carlos Elias Michan Amiga ressalta a importância de nos envolvermos voluntariamente e conscientemente no aprendizado filosófico do yoga. Maria Lucia Abaurre Gnerre nos apresenta os yogues e suas asceses na Índia, a tradição de recolhimento e a vida do yogue em sociedade.

Mario Cantarino demonstra que yoga também é uma cultura que desenvolvemos juntos, comunitariamente. Ana Taglianetti apresenta o mundo do kirtan, o som e do canto no yoga. Azra Gvozdar nos mostra os encontros entre a filosofia do yoga e a tradição cristã.  Haimavati Nakai nos apresenta a tradição da Yoga Tibetana e dos cuidados da saúde. Ivan Zacharauschas nos apresenta as práticas de yoga ligadas aos cuidados de saúde e à tradição Ayurveda. Swami Tatwaratnananda Saraswati lembra a importância de nos organizarmos para práticas de yoga regulares em nosso cotidiano. Andrea Albergaria nos ensina como o corpo em movimento pode ser um com a meditação. Carolina Leopardi nos apresenta o Yoga artístico e somático e sua interface com a Filosofia prática do Yoga. Thiago Leão nos apresenta a tradição de yoga no Brasil.

Vanessa Malagó fala da importância de estudar Samkhya junto com Yoga. Chandamukha Swami nos anima a estudar a Gita e a cantar mantras juntos. Rosângela Bassoli nos apresenta a Gita como uma contação de história, atualizada para nossos tempos. Acharya Jinanananda Avaduta fala do desenvolvimento do autoconhecimento integrando princípios milenares na vida cotidiana. Miriam Barros fala da importância dos gestos em nossa vida e nos convida a aprender sobre os mudras. Eka Murti Devi fala do encontro com a personalidade suprema através da devoção, e que o amor pode brotar plenamente em nós. Márcio Assumpção fala da importância dos fundamentos da tradição e em criarmos e mantermos nossos rituais pessoais. Angela Lopes fala do envolvimento da percepção de si em 30 anos de prática de yoga e nos convida a praticar por longos períodos.

Regina Shakti fala para nos aperfeiçoarmos continuamente estudando a Gita, sabendo que hoje é o dia mais importante da nossa vida. Paula Ubinha nos apresenta os cuidados com o corpo quando estamos gestando algo ou alguém e o que acontece conosco nesse período. José Hermógenes diz que quando descobrimos por que e para que viver as energias surgem, e a solução aparece, por isso é importante descobrir algo grandioso para fazermos. Christina Cantarino nos impele a nos movermos conscientemente em parceria com as forças da vida e aproveitarmos a experiência.

São tantos professores importantes nesse projeto que não caberiam aqui, mas esses professores de yoga, antigos e jovens, são muito bem-vindos para nos aproximarmos e criarmos um lugar de encontro, de filosofia e prática em nossa região. 

Ouvir diferentes professores de yoga de diferentes tradições é uma oportunidade de complementar nossa própria visão da Filosofia do Yoga, e essa é uma das vantagens de trazermos essa reflexão para a universidade, com o apoio dos yogues de Campinas e região. Aqui – sem termos uma tradição de yoga eleita para o campus –, podemos ouvir os professores que se dispõem a estar conosco e também refletirmos juntos em relação aos conhecimentos, métodos e dispositivos acadêmicos. Essa interlocução entre uma tradição ancestral baseada na oralidade e nos textos tradicionais e a tradição acadêmica desenvolvida no Brasil ligada à psicologia e à fisiologia do corpo, à filosofia do corpo e às questões de interculturalidade, às questões decoloniais e às epistemologias não-standard é um diálogo muito animador no qual todos podemos nos envolver.

Queremos integrar, neste processo de interlocução, o conhecimento acadêmico e os professores de yoga de nossa região nas reflexões sobre multiculturalismo, corpo, gênero, diversidade, alegria, equanimidade, cultura de paz, lazer, saúde, pedagogia, epistemologias não-standard etc.

O professor Patanjali, que escreve o Yoga Sutras, um dos textos mais importantes da tradição do yoga, diz que devemos nos posicionar de maneira firme e confortável. Queremos que os yogues que desejam estudar juntos estejam no campus, e que o conhecimento do campus também possa estar firme e confortável com o yoga, acolhendo seus estudos e práticas. 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

Claudia Marinho Wanderley é pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE), email: claudiaw@unicamp.br

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