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Uma equação persistente

"A equação monetária é frequentemente desprezada pelos progressistas, o que é um erro, porque a coitada não é nem boa nem ruim e, do ponto de vista de política econômica, não aconselha nem proíbe nada."

A fórmula PQ = MV é a famosa “equação monetária”. Reza que, dado um período de tempo, se Q é a totalidade física de bens e serviços produzidos, P é o preço unitário (médio) de cada bem ou serviço, M é a quantidade de dinheiro circulante e V é a velocidade de circulação, de modo que a relação PQ = MV é válida.

Reduzida a uma situação ultrassimplificada, a validade da equação monetária é evidente. Suponhamos que a única moeda circulante seja um icosaedro de tungstênio de 1 centímetro de diâmetro, que existe um único tipo de bem ou serviço na economia, digamos, ministrar uma aula de álgebra, e que o preço desse serviço seja exatamente uma unidade monetária, ou seja, um icosaedro de tungstênio. A quantidade de vezes na qual o icosaedro muda de mãos durante o período considerado (digamos, um ano) é a velocidade de circulação V. Cada transação consiste em: um indivíduo ministra uma aula particular de álgebra a outro, e o segundo paga um icosaedro de tungstênio ao primeiro, portanto a quantidade de aulas ministradas (Q) vezes o preço de cada aula é, certamente, igual à quantidade de vezes em que o icosaedro mudou de mãos (V). Ou seja, neste caso M = 1, P = 1 e V = Q.

Numa economia real, existem muitos bens e serviços diferentes, cada um dos quais é trocado por diferentes preços. Há, porém, uma maneira engenhosa de lidar com essa realidade. O truque consiste em expressar a equação em termos de magnitudes que são efetivamente medidas. Por exemplo, o produto interno bruto (PIB) é medido todos os anos, não em termos de quantidades físicas, o que seria impossível, mas em termos dos valores monetários das transações realizadas. Assim, costuma-se dizer que o PIB do Brasil em 2022 foi igual a “n” reais e que o PIB do Brasil em 2023 foi igual a “m” reais. Assim, consideramos que a totalidade de bens e serviços produzidos em 2022 é igual ao PIB medido em reais em 2022. Mas, em 2023, a quantidade de bens e serviços produzida não pode ser igual ao PIB medido em 2023, pois este está afetado pela inflação do ano. De fato, a quantidade de bens e serviços de 2023 é o PIB medido em 2023 dividido por 1+s/100, onde “s” é a inflação percentual entre esses dois anos. Dessa maneira, dado que a inflação anual é uma quantidade que é bem medida, fica bem resolvido o problema de determinar Q em 2022 e en 2023. Mais ainda, temos determinado que o valor de P em 2022 é igual a 1 e o valor de P em 2023 é igual a 1 + s/100.

O lado direito da equação é mais complicado. Por um lado, V é uma magnitude duvidosa que, para evitar problemas, os especialistas costumam considerar que é constante. Por outro lado, M precisa de definições cuidadosas, pois não é imediato determinar o significado de dinheiro efetivamente circulante. Existem poucas dúvidas, entretanto, quanto às variações de magnitudes que afetam o valor de M. Por exemplo, se os gastos do governo aumentam, então M aumenta; se a taxa média de juros aumenta, M diminui. Os bancos centrais das economias capitalistas modernas procuram controlar a inflação através da manipulação da taxa média de juros. Esta manipulação substitui o conceito arcaico de “emitir” ou “imprimir” moeda, mas o efeito é qualitativamente o mesmo.

Com estas premissas, quando a taxa média de juros aumenta, o produto PQ deve diminuir, e quando a taxa média de juros diminui, o produto PQ deve aumentar. Pensemos no segundo caso: se aumenta PQ, quem aumenta? P ou Q? Matematicamente, ambas as coisas podem acontecer. Os analistas conservadores pensam que a diminuição da taxa média de juros faz aumentar a inflação e que o aumento dessa taxa faz com que a inflação diminua. Na mesma linha, o pensamento conservador dá por certo que, se os gastos do governo aumentam, a inflação aumenta junto. Por outra parte, os pensadores progressistas levam a sério o fato de que, havendo capacidade ociosa, o aumento de M estimula o aumento de Q, o que é muito bom. Existe o conceito de “multiplicador” keynesiano que explica e quantifica este fenômeno, muito bem relatado em manuais clássicos de Economia. A existência e mesmo a possibilidade de calcular esse multiplicador está claramente demonstrada para uns, mas é veementemente negada por outros.

A equação monetária é frequentemente desprezada pelos progressistas, o que é um erro, porque a coitada não é nem boa nem ruim e, do ponto de vista de política econômica, não aconselha nem proíbe nada. Os conservadores a invocam para argumentar que os gastos do governo provocam inflação, mas, paradoxalmente, quando o governo deixa de arrecadar (ou seja, gasta) impostos de determinadas indústrias, não consideram que isso produz um aumento de P, mas de Q. O que mostra que a equação monetária serve para tudo.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

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