O historiador A. J. Pérez Amuchástegui (1921-1983) sustentava que a história (também) era uma ciência na qual o método hipotético-dedutivo ocupava um papel de destaque. Ele ensinava que, nessa disciplina, o confronto das hipóteses com os fatos acontecia não por meio de experimentos controlados, mas por meio da descoberta e do exame de documentos.
A existência de fatos é um pressuposto de todas as atividades que chamamos de científicas. Não é recomendável que um argumento científico envolva enunciados contraditórios, pois é provável que um texto com tais características seja pouco eficiente, tanto para relatar como para explicar fatos. Entretanto, frequentemente, discursos científicos envolvem contradições que os operadores da ciência modulam cuidadosamente, ao ponto de se tornarem inofensivas.
A Matemática e a Física conviveram de maneira pacífica durante 400 anos com entidades chamadas “números infinitesimais”. Tais “números” podem ser manipulados de maneira oportunista para obter verdades amplamente corroboradas, tanto por raciocínios rigorosos como por evidências experimentais. Porém, os números infinitesimais não existem. Com efeito, sua mera existência leva a contradições e, desde o ponto de vista lógico mais tradicional, de uma falsidade pode ser deduzida qualquer coisa. A contradição interna de uma argumentação científica provoca inquietude e incômodo pelo perigo de implicar disparates, mas os cientistas experientes sabem, em geral, como evitar esses perigos.
Os números infinitesimais provaram ser totalmente dispensáveis no século XIX e foram ressuscitados com garantias de não contradição na segunda metade do século XX, fundando uma disciplina chamada Análise Não Standard. Na Física Quântica, assombra o caso das entidades que podem ser ondas ou partículas dependendo do observador, o que violaria o Princípio de Não Contradição. Não obstante, na prática, essa aparente contradição (provisória?) provoca pouco mal-estar devido ao fato de os resultados dos cálculos quânticos mostraram-se espantosamente adequados para prever fatos experimentais. Portanto, a contradição fatal na atividade científica é a que pode aparecer entre enunciados (argumentos, hipóteses, teorias) e fatos. Se os fatos corroboram as teorias, se estende um amplo manto de tolerância para as contradições internas. A reconstrução de uma teoria para eliminar suas contradições internas poderia ser adiada indefinidamente.
A divergência entre a atividade cotidiana de um cientista e a descrição ingênua do “método científico” motiva especulações estridentes do tipo: “o método científico não existe”. De fato, muitos cientistas não se sentem identificados com o popular esquema pelo qual um sábio observa a natureza na segunda-feira, tem uma ideia na terça-feira, na quarta-feira deduz consequências observáveis de sua ideia, na quinta-feira verifica se as consequências deduzidas combinam bem com os fatos conhecidos e, na sexta-feira, resolve perseverar com ou descartar sua ideia de acordo com a análise dos experimentos do dia anterior.
Essas cinco instâncias da atividade científica merecem ser isoladas, mas dificilmente constituem um método. As duas primeiras, observações e ideias, aproximam a ciência da arte. Não há receitas para as atitudes que podemos ter ao observar a realidade nem para a aparição de ideias. Há, obviamente, conselhos sensatos. Por exemplo, ideias que contradizem frontalmente a ciência consolidada dificilmente têm chances de prosperar. Já sobre a atividade “da quarta-feira” pode ser sugerido o seguinte: na dedução de consequências é quase obrigatório seguir as regras da Lógica ou, pelo menos, não violá-las de maneira escandalosa. Entretanto, como foi colocado acima, até os cientistas mais rigorosos costumam dar uma piscada para as regras lógicas no seu desejo de chegar a consequências verificáveis.
Os físicos, quando calculam, não se preocupam excessivamente por integrar funções não integráveis, e mesmo não funções, o que deixa nervosos os matemáticos mais prudentes. Em todo caso, o que pode ser afirmado é que quando se violam as regras da Lógica, a probabilidade de chegar a consequências verificáveis corretas diminui. A atividade “da quinta-feira” é a que mais propriamente define os métodos científicos. Nesse momento, as consequências deduzidas são confrontadas com os fatos. A maneira de produzir essa confrontação difere nas diferentes disciplinas. Por exemplo, não se pode usar mecanismos duplo-cego em História, não se pode fazer determinados experimentos com seres vivos e estamos muito longe de poder confrontar com a realidade certas afirmações relativas a buracos negros. Por último, “a sexta-feira” dá conta da honestidade radical que governa (ou deve governar) a atividade científica: ideias, teorias ou hipóteses que se contrapõem a fatos devem ser abandonadas, embora seu descarte não precise ser radical nem imediato.
A ciência é prestigiosa porque, ao longo do tempo, tem provado ser bem-sucedida na sua tarefa de antecipar fatos corroboráveis. Por esse motivo, diversas imposturas (as chamadas pseudociências) reivindicam para si o status científico, embora recusem a confrontação com fatos ou a própria existência desses. Sua difusão no mundo moderno é alarmante e ameaça as perspectivas de solução dos grandes problemas globais.
Por enquanto, todos os cientistas são pessoas. Como tais, estão sujeitos a interesses, carreiras, financiamentos, oportunidades de emprego e sensibilidade diante de modas. Esses matizes aparecem, por sua vez, determinados por contextos sociais, culturais e nacionais. A curiosidade diante da natureza e a vocação para a utilidade social são, muitas vezes, ofuscadas pela necessidade de publicar artigos ou de receber auxílios. Assim, os métodos científicos podem ser bem ou mal aplicados e a ciência praticada pode ser mais ou menos original, mais ou menos profunda, mais ou menos relevante.
Em tempos de redes sociais, a crítica científica da ciência deve ser impulsionada desde os primeiros níveis de ensino.
Esse texto é um artigo de opinião e não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.