Unicamp estuda potencial de planta típica do Semiárido para produção de biocombustíveis
Por trás de um uso ainda restrito a poucos produtos, como a tequila, destilado típico mexicano, e as fibras de sisal, o agave é uma planta com enorme potencial para a produção de energia limpa e renovável e com grande capacidade de capturar o carbono da atmosfera. Sua cultura pode abrir as portas para um importante ciclo de desenvolvimento no sertão nordestino, com geração de renda e manutenção de famílias no campo.
“O agave reúne um conjunto gigantesco de oportunidades. É uma planta com produtividade semelhante à da cana-de-açúcar, cultivada em regiões de semiárido, áreas com pouca geração de emprego. Podemos cultivá-la e construir uma cadeia produtiva parecida com a da cana-de-açúcar e, além disso, implantar biorrefinarias baseadas no agave”, afirma Gonçalo Pereira, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e coordenador do Laboratório de Genômica e bioEnergia (LGE).
Por meio de uma parceria entre a Universidade, a Shell e o Senai Cimatec, na Bahia, as pesquisas sobre o agave integrarão o programa Brave – Brazil Agave Development, lançado no dia 7 de novembro. O programa conta com o investimento de R$ 30 milhões feito pela empresa petrolífera, tendo sido viabilizado pela cláusula de P&D da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Os recursos serão utilizados para o financiamento de pesquisas biológicas, agrárias e industriais relacionadas à cadeia de produção do agave.
No total, o projeto terá 71 pesquisadores apoiados diretamente com recursos do Brave. O estudo teve início em 2016 com o mestrado de Fábio Raya, hoje doutorando do IB ligado ao LGE. O aluno foi o primeiro pesquisador do laboratório a ser incorporado na pesquisa do agave, que hoje conta com cinco pós–graduandos. “Hoje temos aqui no LGE o maior banco de agaves do hemisfério Sul, com amostras do país inteiro”, conta Fábio. (Leia mais sobre a trajetória de Fábio Raya nesta edição do Jornal da Unicamp).
Originário do México, o agave espalhou-se pelas regiões semiáridas das Américas. Sua biomassa tem um potencial energético comparável à de outras culturas utilizadas para a produção de biocombustíveis, como a cana-de-açúcar e o milho, mas com vantagens que tornam sua produção estratégica na transição para uma economia mais sustentável e para o desenvolvimento de regiões como o sertão brasileiro.
Cultivado em ciclos de cinco anos, o agave rende, por hectare, uma produção de 880 toneladas de biomassa de alta densidade energética, captura 385,4 toneladas de carbono e armazena 617,7 toneladas de água. A planta também depende de menos água. Enquanto a cana-de-açúcar precisa de 1.200 a 1.800 milímetros de chuva por ano, por hectare, a plantação de agave precisa apenas de 300 a 800 milímetros, sobrevivendo a longos períodos sem precipitação.
“São plantas que capturam muita água. As folhas possuem estômatos, pequenas aberturas que se fecham durante o dia e se abrem à noite. Quando isso ocorre, não há uma grande perda de água e acontece a captura do gás carbônico, que é liberado dentro da própria planta durante o dia, formando ácidos no seu interior”, detalha Gonçalo. Outro diferencial do agave é a presença da inulina, um polissacarídeo da frutose. Diferentemente da sacarose presente na cana-de-açúcar, formada por moléculas de glicose e frutose, a inulina é composta por uma cadeia de moléculas de frutose, o que aumenta seu potencial energético.
Energia limpa e geração de renda
As pesquisas do Brave são divididas em três eixos, que abordam investigações biológicas, agrárias e de tecnologia industrial. Realizados pela Unicamp, os estudos biológicos se organizam em dez frentes: recursos genéticos e caracterização da biomassa; fisiologia e fitotecnia; solos e captura de carbono; análises ômicas e marcadores moleculares; engenharia genética do agave; cultura de tecidos e propagação de mudas; metagenômica, microbiota e indução de crescimento; fermentação direta; conversões; análise de ciclo de vida e integração com o meio ambiente.
As pesquisas agrárias e industriais serão desenvolvidas em parceria com o Senai Cimatec. O objetivo é abranger toda a cadeia de produção e processamento do agave, do campo à biorrefinaria.
Na parte de caracterização das espécies de agave, os pesquisadores pretendem analisar a composição genética das plantas e diferenciá-las por meio de marcadores moleculares, tema do doutorado de Marina Marone. “Queremos verificar se os exemplares são plantas irmãs, se são clones, qual o potencial de cada uma. Para isso, definiremos marcadores moleculares, como uma espécie de ‘código de barras’ molecular”, aponta Marcelo Carazzolle, coordenador do grupo de bioinformática do LGE. Com base nessas informações, será possível propor melhoramentos genéticos para as espécies, como aumentar a velocidade de crescimento do agave e baratear o valor de cultivo de mudas. Hoje, o preço médio de unidades comercializadas no México é de cerca de um dólar. A meta do grupo é reduzi-lo para menos de um real no mercado brasileiro.
A equipe do Brave também pretende desenvolver leveduras capazes de quebrar as moléculas de inulina, tema do mestrado da bióloga Ana David. A ideia é facilitar seu processamento, algo que as leveduras utilizadas no processamento da sacarose da cana-de-açúcar não conseguem fazer. Outras pesquisas serão focadas nos microrganismos, principalmente fungos, que se concentram nas raízes e favorecem o desenvolvimento das plantas, bem como nos mecanismos de captura e armazenamento do carbono, garantindo que a produção de biocombustíveis a partir do agave tenha um ciclo de vida positivo do ponto de vista ambiental.
Para além da produção sustentável de biocombustíveis, o trabalho do Brave terá uma grande importância social por ser uma possibilidade de geração de trabalho e renda no sertão nordestino. A ideia é aliar a tradicional produção de sisal da região com a inovação trazida pela exploração da biomassa para bioetanol, gás natural e outros subprodutos.
Estima-se que, com um hectare de agave, seja possível produzir 7,4 mil litros de etanol de primeira e segunda gerações em um ano. Hoje, o sertão compreende uma área de mais de 100 milhões de hectares, somando o norte de Minas Gerais. “Em menos da metade do sertão da Bahia, é possível aumentar em duas vezes e meia a quantidade de etanol produzida hoje com cana-de-açúcar, que é de cerca de 30 bilhões de litros por ano”, reflete Gonçalo. “Nosso objetivo é gerar empregos e renda preservando o meio ambiente.”