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Mortalidade materna duplicou na pandemia

Aumento deu-se em razão do enfraquecimento de políticas sexual e reprodutiva da mulher

A imagem retrata duas profissionais de saúde, vistas predominantemente de costas, em um ambiente clínico ou hospitalar. Elas vestem uniformes cirúrgicos azuis, toucas, máscaras faciais e óculos de proteção. As duas estão em pé, próximas uma da outra, manuseando com cuidado um recipiente plástico transparente sobre uma superfície de aço inoxidável. Ao fundo, ocupando quase toda a parede, há um grande painel fotográfico com a imagem de uma mulher grávida, de perfil, acariciando a barriga com as mãos em um gesto de ternura. A cena contrasta o ambiente técnico e asséptico do hospital com a imagem calorosa e humana da maternidade.
Segundo o estudo, em situações de crise sanitária é fundamental que gestantes puérperas sejam consideradas grupos prioritários de atenção à saúde

A mortalidade materna no Brasil duplicou durante a pandemia de covid-19. A taxa saltou de 57 mortes a cada 100 mil nascidos vivos, em 2019, para 67, em 2020, e para 107 em 2021, retrocedendo aos índices da década de 1990. O cenário se desenhava enquanto o médico moçambicano Charles M’poca Charles dava início ao seu doutorado na Unicamp, em 2020. Diante dos dados, imediatamente ele traçou um paralelo com os números de Moçambique, onde, antes da disseminação do coronavírus, registravam-se 408 mortes maternas a cada 100 mil nascimentos. Orientado pelo professor Rodolfo de Carvalho Pacagnella, Charles focou sua pesquisa nos impactos causados pela pandemia na saúde sexual e reprodutiva da mulher, no Brasil e em seu país de origem, e revelou que a mortalidade materna é apenas a ponta de um iceberg.

A imagem retrata dois homens sentados lado a lado em uma mesa branca, dentro de um ambiente que parece ser um escritório ou sala de estudos. À esquerda, um homem negro jovem, de óculos e camisa azul de manga curta, está sentado com uma postura atenta, olhando para a frente. Em frente a ele, sobre a mesa, há um laptop fechado. À sua direita, um homem branco de meia-idade, com barba e cabelo grisalhos e também usando óculos, está no meio de uma fala, gesticulando com as mãos de forma expressiva. O fundo é preenchido por estantes de livros, um armário e monitores, reforçando a atmosfera de um ambiente de trabalho ou acadêmico. A cena sugere uma conversa, entrevista ou reunião.
O autor da tese, Charles M’poca Charles, e o orientador da pesquisa, Rodolfo Pacagnella: nascimentos prematuros dispararam durante crise sanitária, especialmente entre indígenas
A imagem retrata dois homens sentados lado a lado em uma mesa branca, dentro de um ambiente que parece ser um escritório ou sala de estudos. À esquerda, um homem negro jovem, de óculos e camisa azul de manga curta, está sentado com uma postura atenta, olhando para a frente. Em frente a ele, sobre a mesa, há um laptop fechado. À sua direita, um homem branco de meia-idade, com barba e cabelo grisalhos e também usando óculos, está no meio de uma fala, gesticulando com as mãos de forma expressiva. O fundo é preenchido por estantes de livros, um armário e monitores, reforçando a atmosfera de um ambiente de trabalho ou acadêmico. A cena sugere uma conversa, entrevista ou reunião.
O autor da tese, Charles M’poca Charles, e o orientador da pesquisa, Rodolfo Pacagnella: nascimentos prematuros dispararam durante crise sanitária, especialmente entre indígenas

Defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, a tese ganhou menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2025. A conclusão do estudo alerta sobre a necessidade de priorizar os cuidados às gestantes nas situações de emergência sanitária, como as pandemias que virão, inevitavelmente, de acordo com previsões de cientistas em todo o mundo. O médico moçambicano também chama a atenção para a importância da colaboração em pesquisa entre os países do Sul Global, como Brasil e Moçambique, “para que nós possamos gerar nossas próprias evidências e construir respostas para nossas realidades.”

Urgências e vulnerabilidades
A tese aponta que, em situações de crise sanitária, as gestantes e puérperas precisam ser consideradas como grupos prioritários de atenção à saúde. Conclui, ainda, que a população de gestantes deve ser incluída no desenvolvimento de vacinas e que a oferta de planejamento reprodutivo e de assistência à mulher no período gestacional não pode parar mesmo diante de emergências sanitárias. Como prevenção para um próximo contexto de crise, indica, é preciso investir com urgência em sistemas de saúde resilientes a situações de emergência em saúde pública, como novas epidemias, que ofereçam acesso equitativo e cuidado de qualidade para as mulheres.

Para Pacagnella, a pesquisa indica a necessidade de se pensar uma política de proteção às mulheres. “Diante de uma circunstância como essa, nós temos que olhar para as mulheres como um grupo alvo. Nós só fomos reconhecer isso no Brasil no meio do segundo ano da pandemia”, afirma o orientador.

Como uma verdadeira lente de aumento, a pandemia de covid-19 expôs as fragilidades nos serviços de saúde voltados para as gestantes e puérperas. Os problemas já existentes pioraram em larga escala. Houve uma redução de 68% nos serviços de contracepção nesse período em nível global em 2020. As estatísticas representam um nítido aumento da vulnerabilidade da mulher durante a crise sanitária. Os serviços de planejamento familiar caíram 44%; os de consulta pré-natal, 39%; a assistência a vítimas de violência por parceiro íntimo, 39%. As desigualdades sociais, econômicas e regionais no acesso aos cuidados também foram acentuadas no período.

Sul-Sul
Após trabalhar por três anos e meio como clínico geral na área de saúde materna, em Maputo, capital moçambicana, Charles foi autorizado pelo governo de seu país a prosseguir seus estudos – sua formação em escola pública o impelia a trabalhar para o governo no interior do país. Em 2018, ele veio para o Brasil e fez seu mestrado na Unicamp.
“Eu tinha especial interesse em estudar a saúde materna e o perinatal porque os dados do meu país eram dramáticos. A mortalidade materna era muito alta. Eu precisava melhorar esta questão. Mas não bastava só saber o que estava se passando. Eu precisava gerar conhecimento para melhorar aqueles indicadores”, explica o médico.

Na avaliação de Charles, a indisponibilidade de informações sobre a saúde da mulher em idade reprodutiva, incluindo gestantes e puérperas, nos países de média renda (caso do Brasil) e de baixa renda (como Moçambique), foi uma das motivações para a cooperação Sul-Sul, entre pesquisadores dos dois países. “Produzimos dois editoriais, publicados no International Journal of Gynecology and Obstetrics e no The Lancet, chamando a atenção dos pesquisadores do continente africano e de outros países de média e baixa renda sobre a necessidade de gerar conhecimento sobre essa temática”, lembra.

“A saúde materna é vulnerável às alterações ou impactos quando surgem epidemias ou pandemias, bem como eventos extremos, sejam climáticos ou de outra natureza”, afirma Charles, que viu sua pesquisa se desdobrar a cada avanço. Nesse contexto, foi criada a Rede Brasileira em Estudos do Covid-19 em Obstetrícia (Rebraco), que na segunda fase teve apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), para a qual Charles passou a colaborar.

“A ideia da tese foi oferecer um olhar sistêmico para mostrar o quanto a pandemia – e isso vale para outras condições de emergência de saúde pública – trouxe de impacto para a saúde materna e perinatal. Nós estaremos diante de uma nova pandemia em breve, e quanto mais atacarmos o meio ambiente, mais vamos sofrer com isso. Essa é outra linha que estamos trabalhando agora”, revela Pacagnella.

IMPACTOS DA CRISE SANITÁRIA

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