
Tradução torna obra de Kant mais acessível
Edição em português traz notas explicativas e contextualização

Desde seu lançamento, em 1785, Grundlegung zur Metaphysik der Sitten, de Immanuel Kant — uma das mais importantes obras da filosofia moral —, se propõe a compreender a moralidade em seu princípio fundamental e a forma como isso se aplica aos homens. A Editora da Unicamp acaba de publicar uma nova tradução do texto, feita pelo professor Osmyr Faria Gabbi Jr.
A edição comentada de Fundamentação da metafísica da moral busca elucidar um dos textos de maior influência da filosofia ocidental por meio da apresentação de notas que explicam e contextualizam o original (em alemão) e a tradução (em português). Por conta disso, a obra, que integra a Coleção Fausto Castilho — uma coletânea de textos consolidados no meio acadêmico, em versão bilíngue —, consegue não apenas tornar o texto mais acessível e auxiliar nos estudos da graduação em filosofia, mas também fomentar pesquisas na área.
Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Gabbi Jr. apresenta algumas curiosidades por trás da difícil tarefa do tradutor.
Jornal da Unicamp — Quais foram os maiores desafios encontrados durante o processo de tradução?
Osmyr Faria Gabbi Jr. — Existem vários, mas vou me deter em dois. O primeiro foi evitar usar termos em português que abram possibilidades de interpretação ausentes em alemão. Por exemplo, o termo Fakultät, que designa “faculdade” no sentido que se diz, em português, “faculdade de direito”, é traduzido, às vezes, como “capacidade”, no sentido de “capacidade mental”. O resultado dessa escolha é ler o Conflito das faculdades como um tratado sobre conflitos mentais. O segundo consistiu em tentar manter, em português, sentenças longas, devido ao hábito de Kant de seguir uma oração principal com várias subordinadas adjetivas, explicativas e restritivas.
JU — Como foi o processo de criação das notas que acompanham o livro?
Osmyr Faria Gabbi Jr. — As notas tinham o duplo objetivo de mostrar o encadeamento da obra estudada e, quando possível, contextualizar o parágrafo dentro do conjunto das outras obras de Kant e da filosofia. Sempre obedecendo à regra de que as obras anteriores, do próprio Kant ou de outros filósofos, elucidam a obra presente.
JU — A quem se destina essa obra?
Osmyr Faria Gabbi Jr. — Para além dos estudantes de filosofia e do público acadêmico, a obra destina-se a todo indivíduo que tem preocupações éticas. Nesse sentido, o livro é fundamental para entender, por exemplo, o motivo de não se poder dizer que, no conflito entre nazistas e não nazistas, há boas pessoas em ambos os lados.
JU — Quais contribuições o livro oferece para os estudos de filosofia hoje?
Osmyr Faria Gabbi Jr. — A doutrina de Kant sobre a moral é uma doutrina que pressupõe a racionalidade e a moralidade como duas faces de uma mesma moeda. Como o ser humano é capaz de ser racional sem ser moral, é inevitável que haja uma assimetria entre o moral e o imoral. Somos capazes de identificar a imoralidade sem sermos capazes de identificar o que é moral.
JU — Já que o título foi pensado como ferramenta didática, que cuidados foram tomados em sua apresentação? Houve adaptações específicas pensando no uso em sala de aula?
Osmyr Faria Gabbi Jr. — Acredito que os alunos de filosofia que estudam um determinado autor precisam conseguir ler a língua original em que a obra foi escrita. Portanto, como os três semestres [período em que ocorreu uma série de aulas sobre o texto de Kant, no Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, para as quais se elaboraram a tradução e as notas] foram dedicados à defesa dessa crença, optei por não realizar grandes alterações ou adaptações na tradução.
JU — Como você avalia o grau de dificuldade da obra? E qual é a importância desse texto para os estudos de graduação em filosofia?
Osmyr Faria Gabbi Jr. — A obra, desde que cercada dos devidos cuidados, não é de difícil compreensão. Quando o curso começou, havia uma expectativa, por parte dos alunos, de que essa obra de Kant ensinaria sobre o que é moral. Aprenderam que sabemos quando um ato é imoral, mas não quando ele é moral. Acredito que seja um aprendizado que deva ser levado para a vida prática.
Inovação didática
Alexandre Hahn *
A Grundlegung zur Metaphysik der Sitten permanece, até hoje, como uma das obras mais influentes da filosofia moral. Longe de estar ultrapassada, a obra oferece um modelo rigoroso e universal para pensar os fundamentos da ética ao defender que a moralidade não pode depender de interesses subjetivos, mas deve estar baseada em princípios racionais a priori — isto é, em normas que todo ser racional poderia reconhecer como válidas, independentemente das circunstâncias. Em tempos marcados por crises de valores e dilemas morais cada vez mais complexos, as noções kantianas de autonomia da vontade e de dignidade da pessoa humana continuam a oferecer critérios sólidos para a deliberação ética.
A nova tradução da obra, realizada por Osmyr Faria Gabbi Jr., destaca-se não apenas pela precisão linguística, mas, sobretudo, pela inovação didática. Ao apresentar o texto original, a tradução e um comentário explicativo para cada parágrafo, essa edição constitui uma ferramenta pedagógica poderosa. E diferencia-se de outras traduções por permitir um diálogo constante com os conceitos centrais da filosofia kantiana, auxiliando na compreensão do vocabulário técnico e na contextualização sistemática da obra no interior do pensamento crítico. Trata-se, portanto, de uma contribuição significativa tanto para a pesquisa quanto para o ensino de filosofia no Brasil.
*Alexandre Hahn é professor da Universidade de Brasília (UnB)


Título: Fundamentação da metafísica da moral
Autor: Immanuel Kant
Tradução: Osmyr Faria Gabbi Júnior
Edição: 1ª
Ano: 2025
Páginas: 320
Dimensões: 16 cm x 23 cm

