
O think tank Transforma, um grupo de pesquisa e difusão (ou grupo de reflexão, na expressão em inglês) sediado no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, lançou nesta segunda-feira (21) o relatório “Financiamento climático: perspectivas e desafios para o Sul Global”. O estudo, ao traçar um panorama mundial sobre os mecanismos de financiamento climático, destaca a concentração dos recursos no Norte Global, a predominância do capital privado, a insuficiência dos recursos e a evidente “financeirização” desses mecanismos. De acordo com o economista Iago Montalvão, autor do relatório e coordenador-executivo do Transforma, parte do financiamento climático tem sido canalizado via instrumentos financeiros voltados à rentabilidade. O estudo deverá ser apresentado durante a 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontecerá em Belém (PA), em novembro.

A concentração dos mecanismos de financiamento para mitigação e adaptação nos países ricos, onde existe uma infraestrutura mais apta a suportar as mudanças climáticas, também reforça as desigualdades ambientais e econômicas. Segundo o pesquisador, soma-se à “financeirização” e à concentração de recursos de financiamento climático global o fato de os subsídios gastos com combustíveis fósseis ainda serem em maior volume. Em 2022, os combustíveis fósseis receberam recursos da ordem de US$ 1,4 trilhão, enquanto os subsídios para o financiamento verde ficou em US$ 1 trilhão.
“Ou seja, o financiamento climático ainda é menor que os investimentos em combustíveis fósseis. O panorama mostra uma concentração grande da mitigação no Norte Global”, conclui o pesquisador. No estudo, a China não está incluída no Sul Global por ser um ponto fora da curva. “A China faz parte do Sul Global, mas o país tem muito investimento climático e infraestrutura de transição, o que o coloca no lugar de outline.”
Durante a COP30, diz Montalvão, os países do Sul Global deverão apresentar uma nova meta de financiamento climático no valor de US$ 1,3 trilhão. Em 2024, durante a COP29, que aconteceu no Azerbaijão, a meta estabelecida ficou em US$ 300 bilhões. A reivindicação, portanto, será de aumentar esse valor em US$ 1 trilhão. “Percebemos que havia uma polêmica em torno das quantidades e das metas. Por que os países do Norte Global não querem pagar mais se foram eles que historicamente mais poluíram?”, questiona.
Alternativas
A questão do volume de recursos não é a única, diz o economista. “O relatório examina as transformações em curso no sistema financeiro internacional impulsionadas pela crise climática. O texto destaca a necessidade de construir alternativas de financiamento climático que não dependa exclusivamente dos fluxos privados, a exemplo dos bancos públicos e da cooperação multilateral de desenvolvimento, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o banco do Brics (grupo que reúne economias emergentes).

“Quando você tem uma composição de financiamento climático majoritariamente dominado por recursos e instrumentos de capital privado, você não consegue destinar os recursos para setores considerados urgentes, como o da adaptação climática e o da transição energética”, diz Montalvão.
“Você acaba concentrando muito no mercado de automóveis elétricos, por exemplo. Essa é outra discussão complexa. O capital privado quer ter retorno a curto prazo. Quem tem capacidade de ter capital paciente é o setor público.”
Think tank Transforma
O Transforma pretende se unir a outros atores que discutem esse tema durante a COP30. “Nós achamos que a questão climática pode ser também um instrumento de desenvolvimento social, porque, quando você constrói uma infraestrutura de energia solar e eólica, por exemplo, está desenvolvendo tecnologia e criando mercados, promovendo a transição. Não será com a liderança do capital privado, embora ele seja importante. Quem nós acreditamos que deveria coordenar isso deveria ser o setor público ou uma arquitetura financeira internacional mais democrática, porque os bancos multilaterais de desenvolvimento devem ter uma participação importante”, avalia o economista.

Dentro desse contexto, o Brasil desempenha um papel importante como agente articulador de espaços no Sul Global, acredita Montalvão. “Queremos propor uma discussão sobre a construção de financiamento. O Brasil pode ser relevante nesse debate abrindo espaços alternativos. Os membros do Brics, dentro do qual o Brasil tem protagonismo, podem ser uma alternativa com o novo banco de desenvolvimento criado recentemente.”
O Transforma reúne professores e pesquisadores que discutem questões e elaboram notas sobre a economia — com visão crítica — baseadas em pesquisas que tratam de assuntos diversos, mas principalmente assuntos alinhados a três eixos: o papel do Brasil no Sul Global quanto à transformação da governança econômica internacional (na qual se insere o trabalho de Montalvão); a política econômica e o impacto sobre a desigualdade; e o desenvolvimento econômico e a política internacional verde. “Queremos discutir os temas econômicos com a visão de reorientar o sentido da economia para a mudança e a transformação social.” O Transforma participou da Cúpula do G20 Social, no Rio de Janeiro, em novembro de 2024, e do conselho de think tanks dos Brics em fevereiro de 2025.