Saúde da Unicamp precisa crescer para atender demanda, diz diretor
Desproporção entre procura e oferta de leitos impacta capacidade assistencial do Hospital de Clínicas da Universidade

A área da saúde da Unicamp figura como o terceiro maior centro de atendimento médico e hospitalar do interior de São Paulo. Instalado em meados da década de 1980, o complexo se consolidou ao longo dos anos como uma estrutura essencial para a saúde pública no Estado, tornando-se referência em assistência médica para uma população superior a 6 milhões de pessoas.
Cobrindo uma área de aproximadamente cem municípios – desde o departamento regional de saúde de Campinas, passando pelo de Piracicaba e chegando até o de São João da Boa Vista, na divisa com o sul de Minas Gerais –, o complexo prepara-se agora para uma fase inédita de transformações, em busca de responder ao aumento progressivo de demanda por atendimento.
O centro é referência no atendimento de alta complexidade, modalidade que exige tecnologia avançada, profissionais altamente especializados e grandes investimentos. Entre todas as internações hospitalares realizadas no Estado de São Paulo no período de 2020 a 2024, o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp registrou a maior proporção na categoria alta complexidade, superando, inclusive, o Hospital das Clínicas de São Paulo, segundo dados apresentados por aquela instituição. A liderança se manteve no primeiro trimestre de 2025, e a tendência é que continue assim.
Unidades como o HC e o Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti (Caism) oferecem atendimento especializado para pacientes com diferentes tipos de câncer. As duas instituições tratam doenças do sangue, ouvido, nariz e garganta, bem como questões referentes à saúde da mulher e de recém-nascidos. O HC realiza atendimentos em 47 especialidades médicas, clínicas e cirúrgicas, abrangendo 684 subespecialidades e cobrindo quase todas as doenças existentes, inclusive as raras.
No ano passado, o HC realizou mais de 13.600 cirurgias eletivas e cerca de 3.300 de urgência – a maioria em áreas como oftalmologia, ortopedia, urologia, gastrocirurgia e cirurgia vascular –, com mais de 12.300 internações. E executou 362 transplantes – praticamente um por dia –, dentre os quais 97 de córnea, 77 de medula óssea e 131 de rim. Além disso, o hospital realizou quase 2,5 milhões de exames laboratoriais, cerca de 148 mil exames de imagem e mais de 55 mil atendimentos no seu Pronto Socorro.


Há um ano, o HC adquiriu o acelerador linear VitalBeam, um dos mais modernos aparelhos de radioterapia do mundo, para o tratamento de pacientes oncológicos. O equipamento serve para casos de câncer de próstata, pulmão, esôfago, estômago, pele, reto, cabeça-pescoço, linfomas, doenças hematológicas, doenças do sistema nervoso central e do cérebro e tumores malignos raros.
O HC ainda fornece gratuitamente medicamentos de alto custo para centenas de pessoas, distribuindo uma média de 200 remédios por dia. Apenas com esse tipo de serviço, são atendidos cerca de 8.200 mil pacientes a cada mês.
O hospital conta com dezenas de equipamentos de ponta, como as autoclaves – usadas para eliminar bactérias, vírus e fungos de materiais hospitalares –, e os angiógrafos, utilizados para visualizar e investigar vasos sanguíneos e auxiliar na detecção de problemas circulatórios. E possui, ainda, aceleradores lineares, usados principalmente no tratamento de câncer, além de aparelhos de ultrassonografia e de raio X digital, entre outros.
Hoje, a instituição conta com uma das mais bem aparelhadas estruturas de saúde pública do Estado de São Paulo, o que a torna capaz de responder, por exemplo, a casos complexos como o da auxiliar de enfermagem Carla Silvia Almeida.
Há aproximadamente oito anos, Almeida foi diagnosticada com a doença de Behçet (DB), uma enfermidade rara, inflamatória crônica e multissistêmica, caracterizada principalmente pela inflamação dos vasos sanguíneos, afetando diversos órgãos e sistemas do corpo, como pele, olhos, articulações e nervos.
Na fase aguda da crise, a auxiliar de enfermagem passou seis meses internada e emagreceu muito, chegando a pesar 38 kg – metade do seu peso normal –, além de ter perdido 70% da visão no olho direito. A paciente ainda desenvolveu problemas dermatológicos, oftalmológicos e gastrointestinais, muitos deles por conta dos efeitos colaterais indesejados da medicação a que precisou ser submetida. Assistida no HC da Unicamp, Almeida passou a receber uma medicação especial e de alto custo, tomando uma injeção de R$ 5 mil a cada duas semanas. Essa fase do tratamento terminou em abril e, a partir de agora, ela deve voltar ao hospital a cada quatro meses para o acompanhamento de sua condição. “Estou muito bem. Aliás, fazia muitos anos que não me sentia tão bem”, disse na última semana de maio, quando saía de uma consulta no hospital. “Sou suspeita, mas só posso falar bem do HC, que tem profissionais muito capacitados, que nos passam confiança.”
O nó
“O problema não é a estrutura já montada”, avalia o professor do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Luiz Carlos Zeferino, que hoje comanda a Diretoria Executiva da Área da Saúde (Deas) da Unicamp. “Nosso maior problema é a desproporção enorme entre nossa capacidade assistencial e a área de referência em que atuamos”, explica.


Zeferino observa, por exemplo, que a população atendida pelo HC e pelo Caism é muito maior do que a oferta atual de leitos. O diretor compara a desproporção nos números do HC da Unicamp com outros dois importantes polos de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) no interior de São Paulo: o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (da Universidade de São Paulo – USP) e o Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.
Enquanto o sistema Unicamp dispõe de 560 leitos para uma população dependente do SUS que chega a 4,2 milhões de pessoas – uma relação de 7.500 pacientes por leito –, o HC da Faculdade de Medicina de Ribeirão conta com 800 leitos para uma população dependente do SUS de 2,6 milhões de pessoas, uma proporção de 3.300 pacientes por leito. Já o Hospital de Base de Rio Preto conta com 900 leitos para uma demanda de 2,4 milhões de pessoas – uma relação de 2.700 pacientes por leito.
Não bastasse a discrepância, as regiões de Ribeirão Preto e de Rio Preto levam, segundo Zeferino, outra vantagem. “As duas ficam a 100 km de distância do Hospital de Câncer de Barretos, que absorve grande parte da demanda gerada pela oncologia”, explica. “Além de serem maiores que nós, ainda têm esse alívio. Na nossa região, fora o HC da Unicamp, o único serviço que atende especificamente câncer é o Boldrini [Centro Boldrini]. Mas só atende crianças. Não há atendimento para adultos. Então, o que acontece? Qual o hospital da região que mais trata esse tipo de paciente? O nosso.”
Zeferino chama a atenção para outro fator complicador, resultado da regra que garante a prevalência do paciente em estado mais grave sobre os demais. “O afunilamento é grande e os pacientes mais graves, em geral, ficam mais tempo internados. Isso quer dizer que o custo médio do paciente aqui na Unicamp tende a ser maior.” Esse fator impacta fortemente o custeio e gera outro desdobramento indesejado: como o HC não consegue escoar toda a demanda de alta complexidade, muitos pacientes acabam encaminhados para hospitais de média complexidade da região.
“Você vai ao Ouro Verde [Hospital Municipal de Campinas], que seria um hospital de média complexidade, e, lá, estão operando câncer de próstata. O Hospital de Sumaré recebe casos graves. O mesmo acontece com o Hospital Mário Covas, em Hortolândia”, afirma.
Segundo o diretor, o problema não é de gestão. A questão fundamental: a diferença entre a estrutura física e operacional do sistema e a procura por atendimento. “E essa diferença é brutal.”


Modelo
No ano passado, o custeio da área da saúde chegou a cerca de R$ 900 milhões. Desse montante, 70% ficaram a cargo da Unicamp. Além de a Universidade disponibilizar dinheiro próprio para pagar a maior parcela do custo do sistema, há outro agravante. Os recursos repassados pelo Ministério da Saúde não cobrem os 30% restantes.
No período entre 2021 e 2024, a Unicamp precisou fazer sucessivas suplementações que, juntas, somaram R$ 134 milhões – o equivalente a R$33,4 milhões por ano. Prevê-se que o custo da área da saúde da Universidade superará a casa de R$ 1 bilhão em 2025.
A necessidade de construir mais um equipamento de grande porte fica evidente em números. Zeferino conta ter feito um levantamento sobre a defasagem na estrutura, concluindo que o sistema Unicamp precisaria de pelo menos mais mil leitos. Segundo o diretor, não há dúvida de que a cidade e a região carecem de um novo hospital.
“A Unicamp trabalhou e está trabalhando para isso acontecer. Pode ser na Unicamp ou fora dela, mas isso precisa acontecer”, diz. “E quem precisa disso não é a Unicamp, é o SUS”, adverte. “Digo que o problema é do SUS porque esses problemas sobre os quais estamos falando são problemas do sistema público de saúde, que acabam afetando o funcionamento da Unicamp.”
No ano passado, na elaboração do relatório de encerramento de gestão, equipes do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) e da própria Deas apresentaram a proposta de criação de um hospital regional.
De acordo com o plano, a unidade deveria compor a Rede Regional de Atenção à Saúde 15 (RRAS-15) – que compreende as regiões de saúde (RS) da Região Metropolitana de Campinas (RMC), do Circuito das Águas, da Baixa Mogiana, da Mantiqueira e de São José do Rio Pardo.
De acordo com esse modelo, a Unicamp propõe transferir as ações de menor complexidade para esse hospital regional e ampliar proporcionalmente sua capacidade hospitalar a fim de absorver a demanda oncológica reprimida na RS-15, tanto no atendimento ambulatorial quanto no tratamento sob internação hospitalar.
O estudo lembra ainda que, nessa RS, há um grande número de leitos hospitalares de baixa capacidade produtiva, com pouca ocupação e ociosidade alta, leitos esses instalados em hospitais de pequeno porte (menos de cem leitos), em operação em municípios menores. Por conta da inadequação tecnológica e de conformação das equipes de saúde, esse quadro contribui para elevar a sobrecarga dos hospitais de referência regional.
“A Unicamp está em um momento de discutir, de fato, a sua importância na saúde e receber muito mais apoio externo – dos governos estadual e federal”, diz o reitor da Universidade, professor Paulo Cesar Montagner. De acordo com Montagner, a área da saúde da Unicamp possui uma boa infraestrutura e um corpo técnico de qualidade, mas sofre com o excesso de demanda. “Portanto, é necessário que Campinas e toda essa região recebam mais hospitais e mais leitos para que, junto conosco, possam atender melhor a nossa população.”
Governador
Na primeira semana de junho, o governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, reconheceu a necessidade de construir um novo hospital em Campinas. O político afirmou estar negociando a concessão de um terreno junto à Prefeitura Municipal de Campinas e que o processo de licitação para a obra deve ser iniciado no segundo semestre deste ano. A futura unidade, com capacidade para 400 leitos, teria um caráter regional.