Composto pode conter deslizamentos de terra
Composto pode conter deslizamentos de terra
Patenteado, material tem aplicação nas áreas agrícola e da sustentabilidade ambiental

A água é um dos recursos naturais mais valiosos para a vida. Por outro lado, o excesso de água pode causar prejuízos significativos, como os deslizamentos de terra verificados em períodos de chuva intensa. De acordo com um levantamento recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 1998 e 2017, esses fenômenos afetaram 4,8 milhões de pessoas e resultaram em mais de 18 mil mortes. Pensando em soluções para mitigar catástrofes decorrentes das precipitações, um grupo de pesquisadores da Unicamp desenvolveu um material inovador que pode não apenas reduzir a ocorrência de deslizamentos, mas também contribuir para o aumento da produtividade agrícola e para a sustentabilidade ambiental.
O novo material, composto principalmente de lignina – uma biomassa abundante encontrada em plantas terrestres –, foi patenteado no final de 2024 pelo Centro de Componentes Semicondutores e Nanotecnologias (CCSNano), após dois anos de pesquisas. O trabalho, liderado pelo pesquisador e físico Stanislav Mochkalev, contou com a colaboração das pesquisadoras e químicas Silvia Vaz Guerra Nista e Larissa Giorgetti Mendes, que também dá aulas no Colégio Técnico de Limeira (Cotil) da Universidade.
A lignina, um subproduto gerado principalmente pela indústria de papel e celulose, costuma ser descartada ou utilizada como combustível em caldeiras industriais.
A inovação está na combinação da lignina com catalisadores e aditivos específicos, em um processo térmico realizado por micro-ondas que transforma o pó em um material sólido, altamente poroso e em forma de cápsulas com volume de 1 cm³ a 3 cm3. Esse material apresenta propriedades que o tornam adequado para a utilização em solos, principalmente devido à sua capacidade de absorção de água e sua resistência mecânica, mesmo quando exposto a chuvas intensas.


Trajetória
O CCSNano começou a utilizar aparelhos de micro-ondas em seus experimentos há nove anos, realizando um investimento inicial relativamente baixo na compra do eletrodoméstico. “No início, queríamos criar materiais híbridos nanoestruturados, usando grafite e catalisadores. Ao longo do tempo, publicamos cerca de 20 artigos científicos sobre aplicações diversas, como baterias de lítio, supercapacitores, vários tipos de sensores e dispositivos para proteção contra radiação eletromagnética”, explica Mochkalev.
Apenas recentemente o grupo começou a explorar o potencial da lignina. Inspirados pela demanda da indústria de papel, que enfrenta o desafio de dar uma destinação a esse resíduo, os pesquisadores decidiram investigar sua transformação por meio de processos térmicos físico-químicos. O uso do micro-ondas mostrou-se essencial, pois permitiu a conversão rápida do material, reduzindo significativamente o consumo energético em comparação com processos convencionais de pirólise – decomposição de matéria orgânica pela ação do calor e sem oxigênio –, que requerem altas temperaturas e longos períodos de processamento.
“Nosso processo permite transformar a lignina em estruturas grafíticas porosas dentro de apenas 30 segundos, enquanto os métodos tradicionais levam de uma a três horas”, explicou Nista.
Características e aplicações
O material desenvolvido possui diversas propriedades que o tornam ideal para ser utilizado em solos. Uma de suas principais vantagens consiste na capacidade de absorção de água. Em testes laboratoriais, as cápsulas produzidas conseguiram, em poucos minutos, absorver até cinco vezes o seu peso em água. Isso significa que, em regiões sujeitas a enchentes, o material pode atuar como uma espécie de “esponja” quando inserido no solo até determinada profundidade, retendo rapidamente a água e reduzindo o impacto de enxurradas.
Além disso, sua estrutura porosa permite que seja utilizado para a liberação controlada de fertilizantes e outros insumos agrícolas. “Você pode incorporar um princípio ativo ao material, como um fertilizante, e ele irá liberá-lo gradualmente no solo a cada chuva. Isso não apenas otimiza o uso dos insumos, como também melhora a produtividade do solo ao longo do tempo”, explica Nista.
Os pesquisadores também observaram que o material tem o potencial de aumentar a fertilidade do solo a longo prazo, em um processo semelhante ao que resultou na terra preta da Amazônia. Isso ocorre porque, ao se degradar, o produto pode contribuir para o desenvolvimento de um bioma rico em microorganismos, algo essencial para a saúde de qualquer terreno.


Próximas etapas
A pesquisa, que receberá este ano o apoio do Centro de Ciências para o Desenvolvimento (CCD), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), conta com a participação de várias instituições, entre as quais a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e o Instituto de Pesquisas Ambientais do Estado de São Paulo. O próximo passo é realizar testes em larga escala para avaliar o desempenho do material em diferentes tipos de solo e sob condições climáticas variadas.
“Queremos verificar como o material se comporta em situações reais, como em áreas suscetíveis a deslizamentos de terra ou em regiões áridas, onde ele pode ajudar a reter a água no solo e melhorar a produtividade agrícola e os processos de reflorestamento”, explica Mochkalev.
Os pesquisadores destacam também o impacto ambiental positivo do material. Ao utilizar a lignina, muitas vezes descartada ou queimada, o projeto contribui para a redução de resíduos industriais e das emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a produção do material revela-se relativamente simples e de baixo custo, o que pode torná-lo uma solução acessível inclusive para comunidades vulneráveis.
“Nosso objetivo é criar algo que não apenas seja tecnologicamente inovador, mas que também tenha impacto social e ambiental significativo. Com esse material, esperamos oferecer uma alternativa sustentável para problemas complexos”, concluiu o pesquisador.
Perspectivas
Embora ainda em fase experimental, o material desenvolvido pelo laboratório da Unicamp já atraiu pessoas de fora da Universidade. Espera-se que, nos próximos anos, a lignina modificada possa ser comercializada em grande escala, prevenindo desastres naturais, melhorando a gestão hídrica, promovendo uma agricultura sustentável e contribuindo com o reflorestamento.
Enquanto isso, a equipe continua a trabalhar na otimização do processo de produção e na ampliação das possíveis aplicações do material, sempre em busca de transformar esse resíduo em um recurso útil para a sociedade e para o meio ambiente.