Brain rot foi escolhida pela equipe do Dicionário Oxford como a expressão representativa do ano de 2024. É um lugar comum jornalístico examinar novidades vocabulares com o intuito de identificar tendências – no caso, “o consumo excessivo de material [online] trivial ou pouco desafiador” –, mas também para criticar modismos linguísticos. Em dezembro passado, Ancelmo Gois, colunista do Globo, consultou um grupo de escritores e estudiosos sobre as palavras “que ninguém aguenta mais ouvir”. As críticas visaram expressões abstrusas (“atravessamento disruptivo” teria sido “a dupla mais desagradável do ano” para o poeta Geraldo Carneiro), mas também a aplicação indiscriminada de termos de uso específico: “resiliência”, “icônico”, “camadas”, “inclusão” foram alguns exemplos. Dias depois, a revista dominical da publicação prometia mostrar como determinada atriz “transformou o Natal em sinônimo de diversidade e acolhimento”. Lembrei-me de um “cardápio inclusivo” para a ceia, ouvido ao acaso no período, e entendi o incômodo.
Mera implicância ou reação intuitiva à crença ingênua no poder libertador das novidades? O mais banal conformismo pode travestir-se de… disrupção. Em todo caso, perturbam-me certas inovações calcadas em equívocos patentes. O recém-inventado “acertivo” (para grau de acerto), o emprego de “sofrível” para algo ruim ou a regência imprópria do famigerado “prezar por” são sintomas de um domínio precário de nosso repertório lexical (“assertivo” designa algo expresso de maneira segura; “sofrível” significa “aceitável”; “zelar por” parece ser a forma vernacular geradora da confusão), tendendo para a hipercorreção. No mesmo espírito, alguns acadêmicos recheiam seus textos com termos vagos e extravagantes, supostamente aptos a captar as sutilezas dos temas que examinam. Assim, “experenciar”, “entre-lugar”, um bizarro “dororidade” e similares passaram a integrar o acervo desses novos-ricos do discurso. “A primeira qualidade da fala é a clareza, e quanto menos talento se tem, maior é o esforço para guindar-se e inflar-se, como aqueles nanicos que se alçam nas pontas dos pés” (Quintiliano, Institutio Oratoria II, 3, 8).

Mais do que zelar pela norma culta, ou erguer barreiras inúteis contra os neologismos, trata-se de reconhecer o valor do vocabulário para uma comunicação elaborada, precisa e vivaz. A questão tem sido discutida há séculos. O tratado Do sublime, de inícios do primeiro milênio, lembra que a escolha de palavras “apropriadas e magníficas” atrai e encanta os ouvintes, devendo os oradores e escritores aí se aplicar com extremo cuidado, pois isso “confere grandeza, beleza, elegância, peso, força, vigor e até uma espécie de polimento às palavras”. As belas expressões, que são “a luz própria do pensamento”, dão “alma e voz às coisas”. Adverte-se, porém, que nem sempre a solenidade é necessária: “dar a pequenas coisas nomes grandes e nobres é como pôr uma grande máscara trágica em uma criança pequena”. Mark Twain traduziu a ideia em um famoso conselho: “Don’t use a five-dollar word when a fifty-cent word will do”.
Uma linguagem clara e vigorosa pode se beneficiar de figuras de linguagem (a frase de Mark Twain seria um exemplo). Aristóteles via nas metáforas recursos essenciais para a elaboração de ideias complexas. Mais do que um ornamento linguístico, uma metáfora bem construída, ao aproximar conceitos díspares, faculta ao ouvinte novas formas de compreensão. Porém, observa ele (Retórica, 1406b, 7-8), algumas metáforas são ruins porque grandiosas e teatrais, ou simplesmente ridículas (como aquela cometida pelo jesuíta Baltasar Gracián, que se referiu às estrelas como “galinhas dos campos celestiais”).
No início do século XIX, o ensaísta inglês William Hazlitt fez o elogio do “estilo familiar”, que distinguiu do “estilo vulgar”, lembrando que “escrever sem afetação” não é o mesmo que “escrever ao acaso”. Pelo contrário, “nada requer maior precisão e maior pureza de expressão”. Evita-se, por um lado, “toda pompa vazia de sentido”, mas descartam-se, igualmente, “toda expressão chula, frases feitas, alusões frouxas, desconexas e surradas”.

“Em vez de tomar a primeira palavra que se oferece, deve-se tomar a melhor, segundo o uso comum; em vez de reunir palavras sob quaisquer combinações atraentes, deve-se adotar e se valer das verdadeiras particularidades de uma língua. Escrever genuinamente em estilo familiar é o mesmo que escrever como aquele que, em uma conversa comum, tem pleno controle quanto à escolha das palavras, ou como alguém capaz de discorrer com tranquilidade, força e clareza, pondo de lado todo floreio pedantesco e oratório”. (Table Talk)
Nietzsche (Humano, demasiado humano II, 148) opôs ao “estilo grandioso” o “estilo superior”, lembrando que se aprende mais rapidamente a escrever de forma pomposa do que a fazê-lo de maneira leve e simples. “As razões para isso se perdem no âmbito moral”, diz ele. E quem sabe não haverá, por trás do mal estar que nos acomete diante de certas palavras, algo ainda mais profundo do que um incômodo moral? Seriam as promessas quase religiosas da linguagem (sugeridas pela poesia, por exemplo) que nos levam a rejeitar sua profanação por ineptos ou mistificadores?
“O escritor é aquele que escolhe sua linguagem e não é dominado por ela. Ele é o contrário da criança. Não mendiga aquilo que o domina: trabalha naquilo que o liberta. Sua boca não é mais um simples sentimento: é um culto. Ele se aproxima dos deuses que falam. Minerva, Mercúrio, Apolo, Liber e os faunos são os senhores das palavras”. (Pascal Quignard, Réthorique spéculative).
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.