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Atualidades

Em cerimônia no Consu, José Graziano recebe título de professor emérito

O docente aposentado implantou o programa Fome Zero na gestão do primeiro governo do presidente Lula e foi ex-diretor-geral da FAO

José Graziano foi aplaudido de pé, no Conselho Universitário, durante cerimônia de entrega do título de professor emérito
José Graziano foi aplaudido de pé, no Conselho Universitário, durante cerimônia de entrega do título de professor emérito

Reconhecido como o pai do Programa Fome Zero, o professor José Francisco Graziano da Silva recebeu, nesta segunda-feira (7), o título de professor emérito da Unicamp. Engenheiro agrônomo de formação e professor aposentado do Instituto de Economia, o ex-ministro extraordinário de Segurança Alimentar (período em que implantou o programa Fome Zero na gestão do primeiro governo de Luís Inácio Lula da Silva) e ex-diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), Graziano disse se sentir honrado com o título e declarou que seu trabalho ainda não acabou: “Continuo me dedicando a mostrar a cara da fome”.

Aplaudido de pé no Conselho Universitário (Consu), o professor recebeu o reconhecimento do reitor Antonio José de Almeida Meirelles, na presença dos amigos e de parte da família – os netos Artur, Felipe e Gabriela e o filho Emiliano Graziano da Silva, acompanhado da esposa Juliana Furlaneto e da sogra Marilena Furlaneto.

“Minha trajetória se divide em duas fases, que considero complementares: a primeira, mais acadêmica, começou como aluno da Escola Superior de Agricultura, em Piracicaba. A segunda fase foi quando saí da Unicamp para entrar no primeiro governo Lula, onde fiquei de 2003 a 2006. Depois fui para a FAO, onde fiquei 13 anos. Gosto de combinar as atividades acadêmicas com as não acadêmicas, que sempre me ajudaram e me inspiraram muito”, recordou Graziano.

O professor Walter Belik, também titular aposentado do IE e diretor-adjunto do Instituto Fome Zero, além de padrinho do homenageado e propositor da indicação, falou da importância de Graziano para o desenvolvimento de novos enfoques para a economia rural e como difusor do debate da reforma agrária. “Sua trajetória como pesquisador foi exemplar. Depois, fez uma brilhante carreira internacional”, disse Belik, que também participou de projetos junto ao homenageado e ao professor Wilson Cano (1937-2020).

O diretor do IE, Célio Hiratuka, que compôs a mesa diretiva com Belik e Meirelles, destacou a participação de Graziano no Instituto. “Além de articular o conhecimento acadêmico com a transformação da sociedade civil, ele foi fundamental na criação do Instituto.” Para Hiratuka, Graziano é um exemplo de intelectual que “atuou muito fortemente para mudar o mundo à sua volta”.

Unicamp como porto seguro

“Esse título é algo novo e inédito pra mim. É uma coisa que me deixa muito orgulhoso, porque a Universidade sempre foi minha guarida, meu lugar de volta. Eu saía pra fazer as coisas, mas tinha um porto seguro para voltar, onde eu me reabastecia, reprocessava o que eu tinha que fazer. Essa combinação sempre me estimulou a sair e a voltar, fazer uma reflexão de todas as atividades e sedimentar em livro, artigo ou tese orientada. Fico contente que isso hoje tenha sido de utilidade e valorizado, como disse o reitor”, afirmou Graziano, que já foi agraciado por 25 homenagens, nacionais e internacionais, entre elas títulos de Doutor Honoris Causa e medalhas de honra de diversas universidades. Em 2013, recebeu a Ordem do Rio Branco, concedida pelo governo brasileiro. “O professor Graziano levou o nome da Unicamp para o Brasil e para o mundo”, disse Meirelles. “Precisamos legitimar e criar referências para nossa sociedade. Um professor emérito é um exemplo a ser seguido pelo país”, completou o reitor.

Graduado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), em 1972, com mestrado em Economia e Sociologia rural pela USP e doutorado pela Unicamp, Graziano fez pós-doutorado pelas universidades de Londres e da Califórnia. Aposentado pelo IE, onde se dedicou ao ensino e à pesquisa na área de desenvolvimento rural e segurança alimentar, hoje atua no Instituto Fome Zero.

Pela erradicação da fome

“Continuo me dedicando a mostrar a cara da fome. Briguei muito por isso, participei das discussões da Agenda 2030. Os dois primeiros objetivos do milênio são acabar com a miséria e erradicar a fome. Se não conseguirmos, em tempo de paz, erradicar a miséria e a fome, não conseguiremos nenhum dos outros que dizem respeito à saúde, educação, igualdade etc. Essa é a base da formulação. E infelizmente vamos muito mal, vamos na contramão. No pós-pandemia, conseguimos recuperar um pouco do fôlego, como aconteceu no Brasil no ano de 2023, reduzimos novamente os indicadores, mas estamos muito longe ainda de onde deveríamos estar e de onde queremos chegar, que é a erradicação completa. Então, continuo me dedicando a isso, esperando que eu tenha muitos anos de vida, pelo menos até 2030 para ver isso implementado. Agradeço a generosidade da presença de vocês e a paciência de me ouvirem”, disse Graziano.

O professor destacou a presença de diversos amigos, mas fez questão de mencionar especialmente Sônia Bergamasco, professora da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp: “Ela foi minha chefe no departamento de Economia Rural, da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu, em meados dos anos 1970.” Segundo Graziano, o reconhecimento com o título não é uma realização apenas pessoal: “Tive apoio inestimável e recursos de parceiros, amigos, colegas que trilharam esse caminho ao meu lado. Com eles, quero compartir esse título, ciente de que sem as suas contribuições eu não teria chegado até aqui. São muitos, peço licença para não nominar todos.”

Encontro com Lula

Graziano participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) em Campinas. Ele lembra como conheceu o presidente Lula, em 1982, antes do início da campanha para governador de São Paulo. “Teve uma reunião no sindicato dos metalúrgicos e eu fui falar sobre o trabalho que de que estava participando na federação dos trabalhadores rurais. Quando acabou, fomos convidados para ir à casa do Lula. Eu fui e nunca mais saí. São 42 anos de uma relação muito próxima e de muito aprendizado de ambos os lados. Ele acha que fui o melhor professor da vida dele e eu acho que ele foi o melhor orientador da minha vida. Um cara que sempre ensinou as prioridades entre as urgências. Os bons políticos têm que ter essa capacidade de distinguir o que é prioritário entre as muitas coisas que são urgentes, e ele escolheu o combate à fome, pela sua própria vivência pessoal, mas também por entender que uma pessoa com fome não vai a lugar nenhum. Essa coisa ninguém contou para ele, ele que contou para todo mundo e convenceu. Hoje ele é um exemplo. Eu, como pesquisador e divulgador, continuo escrevendo. Meu trabalho, hoje, é falar sobre a fome ininterruptamente. Costumo dizer para a minha mulher: eu só faço isso.”

Autor de diversos livros, entre eles De boias-frias a trabalhadores rurais e O que é a questão agrária?, além de artigos e orientações de dissertações e teses, a produção intelectual e acadêmica do homenageado foi lembrada ao longo da cerimônia de entrega do título. Graziano destacou os pontos que considera importantes da sua trajetória, como seu ingresso na universidade.

José Graziano entrou como aluno de doutorado na Unicamp em 1978
José Graziano entrou como aluno de doutorado na Unicamp em 1978

Lembranças

“Entrei em 1968, o ano que nunca terminou. Fui imediatamente eleito vice-presidente do centro acadêmico, o único no Brasil que continuava livre e não havia se submetido às leis da ditadura. Iniciamos uma luta de preservação do ensino gratuito na USP, contra o ensino pago. Isso me marcou muito na vida, em todos os sentidos. Por conta desse passado no centro acadêmico, me formei, mas não recebi o diploma. Não pude trabalhar. Fiquei de estagiário no centro de computação da Esalq. Um dia, ligou o reitor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), dizendo que haviam ganho um computador e perguntando ‘alguém aí sabe ligar?’. Em 1974, já formado, entrei na Universidade Estadual Paulista, no campus de Jaboticabal, e depois fui transferido para Botucatu. Em 1978, vim pra Unicamp, como aluno. Fiquei até 2002. Ingressei na Unicamp como docente a convite do professor João Manoel, que me transmitiu um convite do professor Zeferino Vaz. Eu havia participado de um seminário, como expositor, em que João Manoel e Zeferino estavam presentes, e falei sobre os boias-frias, e o Zeferino ficou impressionado de ver que alguém estudava aquilo, porque naquele momento ninguém sabia explicar o que era o boia-fria e o que ia acontecer com os boias-frias. Ele me fez um convite e um desafio: se eu fizesse a tese em dois anos eu seria contratado. E eu consegui. Devo muito disso ao rigor e à disciplina do meu orientador, Tamás Szmrecsányi, já falecido. Se não fosse Tamás, eu não teria conseguido entrar na Unicamp como docente. Terminada a tese, participei da montagem do mestrado e do doutorado em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente, onde procuramos transmitir não apenas os conhecimentos da Economia, mas principalmente a gestão da política econômica”, rememorou Graziano.

O homenageado também mencionou a importância, em sua vida, dos professores Inácio Rangel e Maria da Conceição Tavares, e lembrou de sua participação no projeto Rurbano da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com o professor Rodolfo Hoffmann, que durou dez anos, envolvendo sete universidades, dezenas de pesquisadores e uma coleção de livros publicados em conjunto com a Embrapa. “Conseguimos mostrar que o espaço rural era muito maior que o agrícola, e que a dinâmica de transformação rural vinha muito pelo processo de urbanização.”

O homenageado também mencionou a importância de vários professores na sua formação, inclusive Zeferino Vaz

O Brasil Pode matar a Fome

Além do projeto Rurbano, no início dos anos 1990, Graziano envolveu-se nas discussões do Instituto Cidadania em torno da construção de uma cartilha nacional de política de segurança alimentar, O Brasil Pode matar a Fome. “Essa cartilha foi o embrião do programa Fome Zero”, disse Graziano. “Nessa segunda metade dos anos 1990, dividi meu tempo com a Unicamp e as chamadas Caravanas da Cidadania. Entre abril de 1996 e 2001, percorremos 401 cidades e 40 mil km, de ônibus, por esse Brasil afora. Literalmente estivemos em todos os cantos do país. Esse contato direto com o Brasil profundo e muito agrário marcou muito a minha vida.”

Segundo o professor, o Brasil enfrentava na época um apagão de estatísticas. “Não tínhamos informações básicas”, afirma. “Foi um tempo de muita ação e muita reflexão. As caravanas serviram para construir o programa com que o candidato Luís Inácio Lula da Silva ganhou as eleições de 2002, incluindo o Fome Zero. Em cada localidade que visitávamos, recebíamos uma sugestão do que fazer para combater a fome, porque a fome estava em todos os lados, e como sempre a fome era escondida, ela estava lá no fundo. Nós nos propusemos a trazer isso à tona no campo político e a designar o programa Fome Zero como principal política, que foi implantada por Lula. Assumi o papel de implantar isso no Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar, que respondia pela sigla de Mesa, não por coincidência. Estávamos literalmente pondo a mesa das políticas de segurança alimentar e estabelecendo esse conjunto de programas que hoje são bastante conhecidos felizmente não só no Brasil, mas também no exterior. A fome é sempre escondida e desorganizada, e um dos papeis fundamentais no combate à fome é trazê-la à tona, mostrá-la, para saber enfrentá-la. E essa foi uma grande contribuição que consegui levar ao IBGE quando ministro (que não foi tão fácil) e à FAO, que é a escala da segurança alimentar que foi desenvolvida aqui a partir de estudos da Unicamp.”

Graziano ainda lembrou que também foi desenvolvido na Unicamp, através de Ana Fonseca, o embrião sobre transferência de renda que deu origem ao Bolsa Família, “que é um programa hoje universalmente recomendado pra enfrentar a questão da fome”.

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