Há mais de uma década, em 14 de julho de 2010, o doutor Craig Venter concedeu uma entrevista à revista Veja, na qual afirmou que “é muito difícil ser um cientista de verdade e acreditar em Deus. Se um pesquisador supõe que algo ocorreu por intervenção divina, ele deixa de fazer a pergunta certa. Sem perguntas certas, sem questionamento, não há ciência”. O registro histórico, entretanto, revela uma realidade bastante distinta, pois a maioria dos “cientistas de verdade”, reconhecidos pela humanidade como tais, acreditou em Deus. Em vez de relembrar os nomes de ilustres cientistas teístas, vamos diretamente ao argumento central da fala de Venter: a ideia de que a crença em Deus impede os pesquisadores de fazerem as “perguntas certas”.
Há uma piada bastante em voga no meio acadêmico segundo a qual Santo Agostinho é confrontado com a pergunta: “O que Deus estava fazendo antes de criar o Universo?”. A resposta: “Estava preparando o inferno para quem fizesse tal pergunta”. Como toda anedota, essa também tem um fundo de verdade. De fato, como pode ser lido em seu livro mais famoso, As Confissões, Santo Agostinho confrontou-se com tal pergunta, mas, ao contrário do que sugere a resposta da piada, ele a levou bastante a sério. E, surpreendentemente, em pleno século IV, chegou à conclusão de que o tempo foi criado simultaneamente com o universo.
A resposta é admirável porque, somente no século XX, o físico e padre Georges Lemaître, ao propor a teoria do Big Bang, sugere a mesma solução. Tanto um quanto o outro eram católicos e partilhavam da mesma concepção de Deus-Logos, ou seja, razão. Para ambos, Deus havia criado o universo seguindo princípios estritamente racionais, e, portanto, cognoscíveis e inteligíveis.
Santo Anselmo, no século XI, também se deparou com duas perguntas desafiadoras: Deus existe?. Se sim, como provar a sua existência? A maioria dos cientistas hodiernos, declarados ateus, nunca perdeu dois segundos com tal questão. Para eles, o “Deus não existe” é um dogma, e, consequentemente, nunca sequer ousaram se questionar a esse respeito.
Contudo, se Deus é logos, então deve ser possível provar a sua existência usando a razão. E Santo Anselmo enfrentou corajosamente o desafio, propondo uma demonstração atualmente conhecida como argumento ontológico da existência de Deus. Não entraremos nos detalhes da demonstração (embora, na sua forma original, ela seja bastante fácil de compreender). É suficiente dizer que vários “cientistas de verdade” debruçaram-se sobre ela, sempre procurando aperfeiçoá-la ou encontrar algum erro lógico fatal.
René Descartes e Gottfried Leibniz são dois dos que estudaram esse argumento ontológico. Entretanto, mais recentemente, a maior mente lógica do século XX, e talvez de todos os tempos, Kurt Gödel, também se interessou pelo problema lógico e, para sua própria surpresa, demonstrou que Deus é uma NECESSIDADE lógica, como pode ser lido em suas Obras Completas. Ao contrário de Descartes e Leibniz, que eram publicamente cristãos, Gödel preferia manter suas crenças religiosas no âmbito estritamente privado, embora tenha afirmado acreditar na existência de Deus, não tanto por convicção religiosa, mas principalmente para não cair em uma contradição lógica.
Finalmente, devemos concordar com Venter que fazer perguntas certas é vital para o avanço da ciência. Contudo discordamos que a crença em Deus, especificamente no Deus cristão, impeça os cientistas de as fazerem e, o que é mais importante, de encontrar respostas verdadeiras. A crença em um Deus-Logos é no fundo a origem da ciência ocidental tal qual nós a conhecemos. Sem acreditar que o universo é cognoscível e inteligível não haveria ciência.
É verdade que não precisamos acreditar em Deus para ter tal convicção, mas, nesse caso, emerge a pergunta: o que deu origem a um universo que possui tal propriedade? Essa nos parece uma pergunta pertinente… Antes de pôr um ponto final, queremos esclarecer que o título deste artigo não é uma “profissão de fé” nossa. Para espanto de muitos, quem disse ser um “teísta e evolucionista” foi Theodosius Dobzhansky, e, por pura ironia, no mesmo artigo cujo título é um verdadeiro mantra para os cientistas ateus: “Nada na Biologia Faz Sentido a Não Ser à Luz da Evolução”, publicado em 1973. Em uma época na qual alguns afirmam não ser possível ser evolucionista e teísta ao mesmo tempo, vale a pena ler por inteiro o artigo, que pode ser facilmente acessado na internet. Desnecessário dizer que Dobzhansky foi um “cientista de verdade”.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.