Estudo publicado na Nature conclui que efeitos indiretos podem influenciar negativamente na evolução
Em um artigo que acaba de ser publicado na revista Nature, pesquisadores brasileiros, em conjunto com colaboradores dos Estados Unidos e da Europa, concluíram que conviver em redes de interação pode dificultar a adaptação de espécies ao ambiente, influenciando negativamente em sua evolução. Na pesquisa, realizada pelos cientistas Leandro Cosmo, Ana Paula Assis e Paulo Roberto Guimarães Jr., da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com Marcus Aguiar e Mathias Pires, da Unicamp, os pesquisadores demonstraram que, apesar de a adaptabilidade das espécies aumentar com o crescimento do número de parceiros mutualistas, efeitos indiretos das interações podem impedir que espécies situadas na periferia dessas redes – que têm poucos parceiros – se adaptem ao ambiente.
Interações mutualísticas são relações que acontecem entre indivíduos de espécies diferentes e que geram um saldo final positivo para todos os envolvidos. O principal exemplo disso é a polinização, em que insetos como abelhas ou borboletas se alimentam do néctar de uma flor e ao mesmo tempo realizam a transferência de pólen, contribuindo para a reprodução das plantas. Na natureza, muitas interações estão acontecendo simultaneamente. Uma planta, por exemplo, pode ser polinizada por insetos diferentes e esses, por sua vez, podem visitar as mais variadas flores, estabelecendo relações diretas e indiretas entre todos eles.
“Na hora em que você vai desenhando essas interações e quem se conecta com quem, isso forma uma rede de interações. Essa rede é, em parte, uma abstração nossa e, em parte, algo que acontece mesmo, por que as espécies se conectam por meio dessas conexões compartilhadas”, explica Pires, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Quando não interagem diretamente, mas compartilham um parceiro em comum, as espécies podem gerar efeitos ecológicos negativos, como quando uma espécie esgota o néctar de uma flor, ou positivos, como quando uma planta emite compostos voláteis para atrair os inimigos naturais de herbívoros que atacam todas elas.
Além desses efeitos ecológicos, também é possível haver efeitos evolutivos nas espécies em interação. Na polinização, por exemplo, a probóscide – aparelho bucal sugador da borboleta – evolui melhorando o encaixe no tubo floral, enquanto o tubo floral também evolui melhorando o encaixe da probóscide. Tal efeito evolutivo pode facilitar tanto a sucção do néctar pelo inseto como o processo de polinização, uma vez que o pólen fica localizado no fundo desse tubo. Assim como ocorre com os efeitos ecológicos, os evolutivos também podem ser diretos ou indiretos, mas os cientistas ainda não sabiam quais as consequências dos efeitos evolutivos indiretos para a aptidão média de uma determinada espécie.
O trabalho indicou que, devido aos efeitos evolutivos indiretos, a rede de interações pode funcionar como uma “âncora”, dificultando a adaptação de certos organismos. Isso porque, além de se adaptarem às próprias interações individuais, essas espécies também sofrem pressão evolutiva do ambiente. “Quando se fala em mutualismos, a intuição de muitas pessoas é a de que uma espécie favorece uma outra, que favorece uma outra e assim por diante. Mas o estudo mostra que essas interações podem gerar prejuízo e que, se aquele par de espécies evoluísse sozinho, teria um desempenho melhor ao longo do tempo”, comenta Pires.
Periferia das redes
De forma geral, as espécies mais prejudicadas são aquelas localizadas na periferia das redes, que possuem poucas interações mutualísticas ou que interagem com espécies que também possuem poucas interações. Isso acontece porque elas não conseguem se ajustar bem aos seus parceiros nem ao ambiente devido aos efeitos indiretos advindos de outras espécies. Por outro lado, as espécies mais generalistas, que são mais centrais na rede e possuem muitas interações, como é o caso da abelha do mel (Apis mellifera), conseguem lidar melhor com o conflito entre o que o ambiente favorece e o que as outras espécies selecionam.
De acordo com Guimarães Jr., do Instituto de Biociências da USP, apesar de as espécies na periferia serem prejudicadas pelos efeitos indiretos, elas estão, de certa forma, “presas” nessas redes já que é difícil criar um sistema no qual duas espécies interajam somente entre si. A não ser que elas desenvolvam um mecanismo para sair dessa rede e continuar coevoluindo sozinhas, a melhor opção ainda é pertencer a essas redes. “Imagine uma planta que precise de polinização. Sem esse processo, ela não irá produzir sementes. Então, mesmo se tratando de uma situação ruim para aquela planta que está na periferia, talvez estar ali seja melhor do que nada”, pondera.
Entender a contribuição dos efeitos diretos e indiretos para a evolução das espécies ajuda a compreender quais organismos são mais e quais são menos vulneráveis às mudanças no planeta. Cosmo, ecólogo doutorando do Instituto de Biociências da USP e primeiro autor do estudo, pontua que a pesquisa permitiu associar os efeitos indiretos à capacidade de sobrevivência e reprodução média daqueles organismos, um cálculo muito difícil de ser realizado. “Ao fazer isso, nós conseguimos entender quais são as espécies mais suscetíveis às perturbações externas e que têm maior probabilidade de serem extintas primeiro”, afirma o pesquisador.
Esse cálculo foi realizado por meio de uma combinação de modelagem matemática, análise de estruturas de redes com dados empíricos e validação real de sistemas de mutualismos. No primeiro caso, os autores desenvolveram uma equação para modelar a coevolução em redes. Em seguida, foram realizadas simulações numéricas com o emprego de informações sobre 186 redes de mutualismo obtidas de bases de dados. Por último, foram utilizados dados de um estudo que verificou como a aptidão dos organismos mudou após a inserção de uma espécie invasora, a abelha do mel, um inseto que tem a capacidade de interagir com várias outras espécies e de provocar efeitos indiretos negativos.
Os autores ressaltam que a pesquisa somente foi possível devido ao trabalho de diferentes colaboradores vindos de áreas tão variadas como zoologia, ecologia, conservação, física e genética. “Um componente essencial na pesquisa científica é a possibilidade de combinar pessoas que pensam sobre tópicos diferentes. Essas ações colaborativas são fundamentais para esse tipo de trabalho porque se trata de uma pesquisa interdisciplinar e a gente precisa da ajuda desses especialistas que conhecem muito bem seus respectivos campos”, finaliza Cosmo.