De um lado, a queda na produção científica nacional, a menor procura por cursos de pós-graduação, a piora nas condições da carreira científica e a elevada carga burocrática. Do outro, estabilidade no financiamento (no caso de São Paulo, via Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp), possibilidades de interações internacionais e a maturidade da ciência brasileira.
A ciência brasileira, mais madura do que nunca, está em fase de transição. As atuais lideranças científicas elevaram, em escala logarítmica, a qualidade de nossa ciência, após terem herdado de seus fundadores um campo já iniciado, mas ainda árido. Algumas décadas depois, estão entregando um terreno bem mais fértil às novas gerações de cientistas. Por outro lado, os desafios do século XXI são complexos, e amalgamar todas as gerações que estão na ativa é a única maneira de manter um caminho retilíneo e próspero para a ciência brasileira.
No dia 13 de agosto, aconteceu na Fapesp um dos eventos comemorativos dos 50 anos da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp). Neste, cientistas paulistas de diferentes gerações estiveram reunidos para debater os desafios atuais e as oportunidades existentes para o desenvolvimento da ciência paulista e brasileira nas próximas décadas.
Houve uma excelente sinergia de cientistas experientes, que contribuíram com a construção de um caminho para que hoje o Brasil tenha uma posição sólida e de destaque no cenário da ciência mundial, com jovens cientistas, que assumirão esse palco munidos do desafio de aumentar e principalmente qualificar a produtividade científica de São Paulo e do Brasil.
É importante destacar que a discussão se pautou sobretudo na realidade da ciência paulista, muito mais confortável, mesmo que ainda com evetuais percalços, do que o panorama de outros Estados da federação, e isso principalmente por conta da Fapesp. A discussão, em linhas gerais, no entanto, serve para pautar desafios experimentados nos quatro cantos do país.
Um dos fatores apontados pelos jovens cientistas como limitantes para o desenvolvimento científico foi a escassez de apoio técnico-adminsitrativo, principalmente nas universidades, de onde sai uma parcela considerável da produção científica do país. Tal falta eleva consideravelmente o envolvimento de cientístas em atividades burocráticas e administrativas, o que diminui a dedicação a sua principal atividade-fim.
Não se acredita que isso seja culpa da universidade em si, já que essa conta com uma gestão autônoma, a cargo justamente de quem sofre com o problema. Aparentemente, há percalços nas rígidas regras de contratação necessárias ao serviço publico. Tais regras também dificultam atividades essenciais para o desenvolvimento da ciência no país, como a importação de insumos, que levam meses para chegar ao laboratório que deles precisa, diminuindo inclusive a competitividade de nossa ciência. Laboratórios dos EUA e da Europa Ocidental, por exemplo, recebem insumos no prazo de horas ou poucos dias. Seria esse ponto uma das razões pelas quais a ciência brasileira apresenta um declínio em sua produção?
A estrutura atual da carreira cientifica no serviço público foi também apontada como uma limitação, em termos de atração para novos profissionais e manutenção dos quadros atuais. Nos últimos anos, benefícios associados ao emprego em uma universidade foram perdidos e há uma grande preocupação sobre a regra previdenciária vigente para os contratados depois de 2003.
O Brasil forma dezenas de milhares de doutores anualmente, os quais, cada vez mais, têm se interessado menos pela carreira científica tradicional. Se outras opções de carreira, no âmbito do empreendedorismo e no setor privado, representam excelentes oportunidades, é necessário formular maneiras de manter o caráter atrativo da ciência e o interesse dos novos profissionais pela ciência.
Outro importante desafio mencionado está no âmbito da divulgação científica. Essa é uma discussão muito vívida entre os cientistas e há excelentes iniciativas nesse sentido, como as que a Fapesp realiza com a Agência Fapesp e Revista Pesquisa Fapesp, bem como os jornais e redes sociais das universidades. Entretanto ainda falta aos cientistas uma oferta de preparo para a comunicação adequada da ciência, de modo a traduzir o rigor científico e seus jargões para uma liguagem acessível à população não especializada. Não falta vontade por parte dos cientistas, mas é necessário apoio profissional na divulgação. A Agência Bori é uma das iniciativas que têm contribuído efetivamente com essa questão.
Nas universidades, particularmente, as atividades de extensão, um dos pilares principais dessas instituições, devem ser cada vez mais integradas aos laboratórios de pesquisa e às salas de aulas. Esses são movimentos necessários para pavimentarmos um caminho que conduza a educação fundamental nas escolas à luz da ciência, concebendo assim uma população pautada na ciência. É assim que conseguiremos tornar nossa populção mais sábia, mais próspera, mais humana e mais justa.
O Estado de São Paulo responde por mais da metade da produção científica do país, em termos quantitativos e qualitativos. Isso se deve, em grande parte, ao financiamento estável das universidades estaduais paulistas e principalmente à Fapesp. Há décadas, o governo do Estado tem honrado o compromisso estipulado na Constituição do Estado de reservar 1% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para o financiamento da ciência. Isso coloca a Fapesp e consequentemente São Paulo em uma posição de destaque entre as principais agências de fomento à ciência do mundo. Isso também traz responsabilidades: é papel dos cientistas de São Paulo contribuírem para o desenvolvimento científico do país, por meio de ações de colaboração científica com outros Estados na mesma intensidade com que nos esforçamos para colaborar com outros países.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 de São Paulo prevê um corte de até 30% no financiamento da Fapesp. Pelo acima descrito, é clara a preocupação, pois todas as perspectivas, mesmo frente aos desafios, estão em risco. A construção de bases sólidas para a ciência demanda décadas: formar um cientista leva anos; equipamentos e insumos são custosos. Mas cortes no financiamento podem levar à ruptura dessa estrutura em curtíssimo tempo: cortes e instabilidade no financiamento à ciencia espantam os cientistas para o exterior, pois somos profissionais muito competitivos internacionalmente; limitam a compra de insumos, diminuindo a competitividade de nossa ciência; podem acarretar a não manutenção adequada de equipamentos milionários, necessários para o funcionamento das engrenagens científicas.
Cortes no financiamento da Fapesp podem afetar duramente os caminhos construídos ao longo das últimas décadas pelos cientistas brasileiros e paulistas, alguns dos quais coordenavam a mencionada comemoração da Aciesp na Fapesp. Isso afeta os caminhos a serem percorridos por aqueles jovens cientistas, cuja formação, diga-se de passagem, custou caro ao Brasil também.
Ciência deve ser política de Estado, e a redução de financiamento não vai em linha com as prioridades da sociedade.
Daniel Martins-de-Souza é docente do Instituto de Biologia, na área de Bioquímica e líder do Laboratório de Neuroproteômica e pesquisador do Experimental Medicine Research Cluster (EMRC).
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.