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De universidades, raposas e ouriços

"O estudo [publicado na revista Research Policy} aplica conceitos da ecologia para definir a dinâmica de funcionamento das áreas do conhecimento em âmbito global. O conceito-chave é o de ecossistema"

O texto do filósofo Isaiah Berlin intitulado “O ouriço e a raposa: ensaio sobre a visão histórica de Tolstói”, de 1953, recuperou o adágio grego da raposa e do ouriço, segundo o qual as pessoas podem ser divididas entre as que se dedicam a muitas coisas não tão profundamente (raposas) e outras que se dedicam a uma grande coisa em maior profundidade (ouriços).

Essa imagem de comportamentos e abordagens, inicialmente aplicada para tipos de intelectuais, logo foi disseminada e adotada para caracterizar organizações. Algumas seriam mais focadas e especializadas em fazer muito bem uma grande coisa; outras mais abrangentes, atuando em várias frentes.

Nessa lógica, as universidades deveriam ser sempre entendidas como raposas, já que tratam do universo do conhecimento, com tropismos voltados a diferentes luzes, movidos pela busca incansável do conhecimento.

Em um mundo competitivo, nem sempre é assim.

Um estudo recente publicado na revista Research Policy analisou o comportamento de cerca de 4,8 mil universidades em 176 países, a partir de publicações científicas (mais de 66 milhões de publicações), entre 1990 e 2017, em uma dúzia de áreas do conhecimento.[1]

O estudo aplica conceitos da ecologia para definir a dinâmica de funcionamento das áreas do conhecimento em âmbito global. O conceito-chave é o de ecossistema.

Argumentam os autores que as áreas de pesquisa e os campos do conhecimento pelos quais universidades são reconhecidas podem ser explicados por modelos emprestados da ecologia. Por exemplo, as áreas se organizariam como loci emergentes que abrigam comunidades de uma espécie ou mais espécies, formando redes, como pássaros que ocupam ilhas de um arquipélago e interagem entre si.

Usam a abordagem do aninhamento baseado em sobreposição e preenchimento decrescente (Nestedness metric based on overlap and decreasing fill) como uma forma de mensurar as interações e as distribuições em uma rede.[2]

Analisando os metadados e as citações das publicações pela ótica do aninhamento e comparando-os com rankings de universidades, os autores sugerem que universidades serão reconhecidas pela medida do aninhamento de suas áreas de conhecimento (haveria uma correlação positiva).

Universidades com maior aninhamento em um maior número de áreas de conhecimento são as mais reconhecidas e as que mais se destacam em rankings (no caso, foi usado o ranking AWRU). Até aí, pode ser que os autores estejam medindo coisas semelhantes àquelas dos rankings.

Mas o achado principal do estudo é, sobretudo, prospectivo: o histórico de evolução das medidas de aninhamento permite predizer em quais subáreas uma universidade poderá se destacar no futuro. Em termos práticos, o método seria uma ferramenta de planejamento e gestão de uma universidade na construção de sua reputação em âmbito global – mas aplicável a qualquer âmbito. Vale conferir.

Outro estudo, agora feito no Brasil pela Controladoria Geral da União, em 2023, analisou a participação das 69 universidades federais brasileiras na produção tecnológica e na geração de inovação.[3] O estudo baseou-se em coleta de dados primários junto às universidades e trouxe resultados interessantes. Dados secundários de produção científica e tecnológica também foram posteriormente coletados e analisados.[4]

Universidades com maior aninhamento em um maior número de áreas de conhecimento são as mais reconhecidas e as que mais se destacam em rankings
“O fato é que mais e mais as universidades vêm se destacando por planejar seu crescimento, sua amplitude, suas conexões”

Dentre os vários achados, um chama a atenção: há grande variabilidade entre as universidades federais em relação à produção científica, à produção tecnológica e à inovação, mesmo considerando tempo de existência, tamanho e localização.

Tanto as universidades mais antigas e maiores como as mais recentes e menores distribuem-se entre grupos com maiores e menores medidas para tais indicadores.

Há universidades federais de criação mais recente e de menor tamanho com indicadores tão ou mais elevados comparados a algumas das mais tradicionais do país; assim como há casos de instituições novas e tradicionais, grandes e pequenas, com indicadores muito baixos. Destaca-se que o fator localização geográfica não é um diferenciador significante: há universidades com desempenho superior fora das regiões Sudeste e Sul.

No geral, as medidas de produção científica por docente têm medianas relativamente baixas, tanto em publicações (0,25 por docente/ano) como em impacto ponderado por área do conhecimento e tempo de publicação (0,81, sendo que 1 seria igual à média mundial medida na plataforma Scival). E isso ocorre tanto para as novas como para tradicionais.

É interessante notar que algumas das universidades mais recentes e fora do eixo Sudeste/Sul têm alcançado indicadores elevados de produção tecnológica (medido por patentes depositadas). Por exemplo, quando se considera produção tecnológica por docente por ano de existência da instituição, nehuma das quatro primeiras encontra-se no eixo Sudeste/Sul: três são do Nordeste (uma delas em primeiríssimo lugar sob qualquer critério) e uma da região Norte.

Essa dispersão de desempenho e perfis das universidades pede estudos mais aprofundados.

Uma hipótese a ser testada é que as instituições mais novas e que estão fora do eixo geográfico Sudeste/Sul têm planejamento e direcionamento e começam a ganhar reputação por isso, já despontando como “ouriços”.

O fato é que mais e mais as universidades vêm se destacando por planejar seu crescimento, sua amplitude, suas conexões. Ter bons docentes e pesquisadores já não é suficiente para se destacar. Todas têm.

Precisamos conhecer mais e melhor o que nos torna melhores e mais reconhecidos. Primeiramente no âmbito nacional, depois regional e global. Indicadores e métodos não faltam, vamos pesquisar.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.


[1] Charles J. Gomez, Dahlia Lieberman, Elina I. Mäkinen. Hedgehogs, foxes, and global science ecosystems: Decoding universities’ research profiles across fields with nested ecological networks. Research Policy 53 (2024) 105040.  

[2] O conceito de entropia (Shannon entropy) também é utilizado: a máxima entropia corresponderia ao reconhecimento de uma universidade em muitas áreas do conhecimento; a mínima entropia, ao reconhecimento por uma área apenas.

[3] https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202312/cgu-avalia-papel-das-universidades-federais-no-ecossistema-nacional-de-inovacao

[4] Esta coleta e análise foi feita pelo Laboratório de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (Lab-Geopi).

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