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Mestrado e doutorado para quem precisa. E quem precisa?

"Bem, grosso modo, dois perfis: os que têm talento para e preferências por se aprofundarem e explorarem novos conhecimentos; e os que o fazem por imposição profissional"

Bem, grosso modo, dois perfis: os que têm talento para e preferências por se aprofundarem e explorarem novos conhecimentos; e os que o fazem por imposição profissional – e, por óbvio, uma mistura desses perfis. Um terceiro perfil poderia ser considerado, o daqueles que vislumbram crescimento profissional potencial ao obter um título de mestre ou doutor sem que qualquer promessa exista nessa direção. Esses devem ser minoria.

O recém-lançado estudo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) “Brasil: Mestres e Doutores 2024” traz informações para analisar temas ligados à formação e à situação profissional de mestres e doutores (M&D) no Brasil.[1]

O estudo do CGEE mostra alguns fatos importantes:

a) os cursos e programas de pós-graduação seguem aumentando, tendo crescido quatro vezes na série completa, embora em ritmo menor no último quinquênio – o que parece ser natural, afinal, não se pode expandir em ritmo acelerado indefinidamente, ainda que as sub-subdivisões das áreas do conhecimento sigam aumentando;

b) o número relativo de mestres e doutores (M&D) mais que dobrou entre 2009 e 2021, chegando a 9,1/1000 e 4,4/1000 habitantes, respectivamente;

c) houve redução das desigualdades regionais: no início da série, dois terços dos cursos de mestrado e quase 90% dos de doutorado estavam na Região Sudeste; em 2021 essas proporções caíram para cerca de 43% e 52%, respectivamente;

d) finalmente, dentre as boas notícias[2], vale destacar que o emprego formal para mestres e doutores cresceu a taxas maiores que o total de empregos do país: cinco e sete vezes mais.

O sistema está evoluindo, positivamente.
Poderia evoluir mais? É sempre possível… E talvez não seja pouco o que temos a evoluir.
Olhando um pouco mais, o estudo destaca dados que justamente inspiram maior atenção.

Apesar do crescimento acima mencionado, o Brasil apresenta números baixos de M&D em relação a sua população. Quando essas cifras são comparadas com as de 23 outros países, ocupamos o penúltimo lugar no caso dos mestres e o antepenúltimo no caso dos doutores.[3]

No quesito mercado de trabalho, embora o número de empregados formalmente tenha crescido aquele tanto,  a maior parte desses profissionais está altamente concentrada nos setores de educação (72%) e administração pública, defesa e seguridade social (14%).[4]  Que bom que temos pessoal qualificado em educação no país, até porque todos os níveis de formação, desde o fundamental, registraram um aumento na participação de doutores.

Mas o que mais chama a atenção, além da concentração setorial, são os indicadores sobre a presença desses profissionais na indústria de transformação. Apesar de ter havido crescimento no número de vagas de M&D na indústria entre 2010 e 2021, a participação desse setor na contratação de titulados apresentou queda relativa de 5,4% para 4,4% no caso dos mestres e de estagnação no caso dos doutores, em torno de 1,6%.[5]

A preocupação com esse indicador se acentua quando tomamos a contribuição relativa da indústria de transformação para o crescimento no número de vagas de M&D observado nesse período: 1,7%.

Evidente que há pesquisadores e investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) na indústria, mas parece que, apesar de todas as políticas, instrumentos de fomento e investimentos feitos para ampliar a presença de doutores na indústria, os números seguem muito baixos e, muito provavelmente, segue baixa a capacidade absortiva e de criação de conhecimento dentro das empresas industriais brasileiras.

A atuação de doutores no Brasil está essencialmente ligada à academia, com prevalência do papel das universidades de pesquisa, em sua grande maioria públicas. Disso já sabemos faz tempo. O estudo recente nos lembra que assim segue sendo.

Finalmente, vale comentar a evolução das taxas de emprego formal de M&D entre 2009 e 2021, que mostrou queda em torno a 5,4% para os portadores de títulos há mais de dez anos. E mostrou também que os titulados têm maior dificuldade de conseguir um emprego nos dois primeiros anos após a obtenção do título, provavelmente buscando melhores oportunidades de emprego.

No estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) utilizado pelo CGEE para comparações internacionais, os recém-titulados também apresentam uma menor taxa de obtenção de emprego que aqueles com três ou mais anos de titulação. Entretanto, as diferenças são muito menores e as taxas de emprego, substantivamente maiores: passam de 88% para 91% de empregados após a titulação. A título de comparação, o estudo do CGEE mostra que, no melhor momento (entre 2013 e 2014), tivemos no Brasil 72% dos mestres empregados e 80% dos doutores. No ano mais recente, 2021, esses números foram de 63% e 73%, respectivamente.

Em resumo, vale apontar três evidências nas quais devemos prestar atenção e sobre as quais devemos tomar providências: i) seguir desconcentrando a distribuição de M&D pelos setores de atividades econômicas sem prejudicar os que deles já se valem; ii) identificar e mitigar as causas do baixo índice de contratação na indústria de transformação – o problema não é de oferta de pessoal qualificado; iii) ampliar o número de vagas para mestres e doutores recém-titulados e encontrar meios para que não tenham de ingressar no mercado de trabalho apenas aos 34 e aos 37 anos, respectivamente, como identificado pelo estudo.

Há muito mais para se analisar no estudo do CGEE.

Em tempos nos quais se aponta um declínio no interesse pelo ensino superior e pela pós-graduação, é preciso gerar evidências que nos ajudem a tomar providências antes que o contrário aconteça.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.


[1] Trata-se de uma ampla base de informações sobre formação e situação profissional de mais de 1 milhão de mestres e cerca de 320 mil doutores formados no país entre 1996 e 2021. Um trabalho importante e necessário que joga luz sobre o quadro e, ao mesmo tempo, levanta perguntas importantes que devem ser respondidas para haver um melhor e maior entendimento dessa formação no Brasil.

[2] Há certamente outras notícias positivas, como por exemplo a redução de programas com notas de avaliação abaixo de 3 e o aumento dos com nota 7.

[3] Aqui o  CGEE utilizou o estudo da OCDE “Education at a Glance 2023”.

[4] Seções da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae). Importante registrar que essa distribuição era ainda mais concentrada em 2010, tendo, portanto, se reduzido até 2021, especialmente para o segmento de mestres.

[5] De acordo com o Survey of Doctorate Recipients e usando dados de 2021, nos EUA, cerca de 45% dos doutores nas áreas Stem estão empregados em “business or industry”.

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