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Memorial

Cinzas de Conceição Tavares são depositadas em bosque da Unicamp

Cerimônia aconteceu no Instituto de Economia, unidade da qual foi uma das fundadoras e onde atuou por mais de uma década

Laura Tavares, filha de Maria Conceição: mãe teria ficado feliz com a cerimônia realizada na Unicamp
Laura Tavares, filha de Maria Conceição: mãe teria ficado feliz com a cerimônia realizada na Unicamp

Em uma cerimônia que contou com a presença de antigos colegas, professores, ex-alunos e centenas de estudantes, as cinzas da professora Maria da Conceição Tavares – falecida no último dia 8 – foram depositadas, nesta segunda-feira (17), no bosque do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, unidade da qual foi uma das fundadoras e onde atuou por mais de uma década. Sob aplausos e gritos de “Conceição presente”, as cinzas foram colocadas na terra utilizada para o plantio de uma muda de ipê-branco. “Uma árvore de raízes fortes e que vai produzir muitas flores”, disse a sanitarista e doutora em economia Laura Tavares, filha da homenageada, que representou a família na cerimônia.

A escolha da espécie de árvore, segundo ela, deu-se por coincidência. “Parte das cinzas foi levada também para a Universidade Federal do Rio de Janeiro [UFRJ], e lá o horto informou ter escolhido uma muda de ipê-branco. E eu aceitei. Quando soube da homenagem aqui [na Unicamp], descobri que também se tratava de um ipê-branco. Portanto, foi uma feliz coincidência”, disse ela. 

Segundo Laura Tavares, a mãe teria ficado feliz com a cerimônia realizada na Unicamp. “Ela foi uma das fundadoras deste instituto [IE]. E temos de lembrar que era um tempo no qual, por aqui, se andava no barro ainda. Ela certamente teria ficado muito feliz”, acredita.

As homenagens a Conceição Tavares iniciaram-se no Auditório Zeferino Vaz, do IE, tomado por estudantes, professores, ex-professores e colegas da professora, como João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo. Também estiveram presentes os professores José Carlos Braga, Fernando Nogueira da Costa, Waldir Quadros, José Maria da Silveira e Paulo Baltar, entre outros.

A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, gravou um vídeo em que chamou Conceição Tavares de “a maior economista da história do Brasil”.    

Amigo muito próximo da professora, Mello afirmou que Conceição Tavares nunca teve medo, mesmo depois de ter sido presa pelo regime militar. “Ela nos ensinou a nunca ter medo. E não tolerava acomodações”, advertiu. “[Conceição Tavares] nunca foi uma economista profissional, que é o que o capitalismo faz, forma gente com visões restritas”, acrescentou. “Conceição era uma humanista. Era uma intelectual. Conhecia profundamente a literatura portuguesa, a francesa e até a inglesa, coisa rara naqueles tempos.” Mello acrescentou ainda que a professora sempre foi uma crítica radical do capitalismo.

Belluzzo disse que a visão humanista e social a respeito da economia que Conceição Tavares elaborou faz falta ao país. “A visão econômica que se tem hoje no Brasil é uma agressão à vida. A ideia de equilíbrio do orçamento é uma tragédia.”

O diretor do IE, professor Célio Hiratuka, afirmou que uma das missões do instituto é prosseguir na direção de formar economistas com essa visão social. “Esta homenagem significa mais do que reconhecer que a economia brasileira, o IE e a Unicamp precisam da energia que a Conceição tinha. Significa o comprometimento que ela tinha com a mudança social”, disse Hiratuka.

O reitor da Unicamp, professor Antonio José de Almeida Meirelles, afirmou que a professora “teve uma relevância imensa na Unicamp e na criação de uma escola, de um pensamento econômico que sempre valorizou o desenvolvimento nacional com inclusão, com justiça social”.

“Trata-se de uma mulher que nasceu em Portugal, mas se identificou imensamente com o nosso país, com a nossa Universidade, e que acabou por exercer enorme influência na intelectualidade brasileira”, concluiu.

A estudante de economia Lorena Monte Acuti, do Diretório Acadêmico, disse que estudar o pensamento de Conceição Tavares “é um ato político”. Segundo a estudante Clara Saliba, que na cerimônia representou os estudantes de pós-graduação, os ideais de justiça social e do livre pensar constituem uma herança legada pela professora. “O que ela nos deixa, portanto, é a inspiração de uma vida. Apaixonada pelo exercício de seu ofício enquanto docente, comprometida com a transformação social deste país e, acima de tudo, uma mulher extremamente combativa”, afirmou.

Assista ao vídeo do momento em que as cinzas foram depositadas no bosque do IE:

Trajetória

Nascida na cidade de Anadia, no distrito de Aveiro, em Portugal, Maria da Conceição de Almeida Tavares migrou para o Brasil em meados dos anos 1950 fugindo do salazarismo – o regime ditatorial que dominou Portugal entre 1933 e 1974. Formada em matemática pela Universidade de Lisboa em 1953, mudou-se para o Brasil no ano seguinte.

Em território nacional, cursou economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e participou da elaboração do Plano de Metas, idealizado pelo presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961). Trabalhou ainda no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Maria da Conceição Tavares, falecida em 8 de junho, foi uma das fundadoras do Instituto de Economia, onde atuou por mais de uma década
Maria da Conceição Tavares, falecida em 8 de junho, foi uma das fundadoras do Instituto de Economia, onde atuou por mais de uma década

Conceição Tavares criticou obstinadamente o neoliberalismo e sempre defendeu o chamado desenvolvimento econômico inclusivo. Uma das principais características de sua produção acadêmica foi justamente a preocupação com a América Latina. A militância enérgica e a defesa da democracia – com atuação firme contra a política econômica da ditadura militar – levaram-na a exilar-se no Chile, onde chegou a lecionar.

Escreveu dezenas de artigos e livros que se transformaram em referência nos cursos de economia, com destaque para o célebre ensaio “Auge e declínio do processo de substituição de importações no brasil”, publicado no livro Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro (1972), obra tida como marco no estudo do processo de industrialização do Brasil.

Conceição Tavares deu aula para várias gerações de economistas; auditório do Instituto de Economia lotou para homenagem à professora

Conceição Tavares deu aula para várias gerações de economistas. Na Unicamp, onde atuou como professora titular entre 1973 e 1987, teve papel crucial na criação de programas de mestrado e doutorado. Também foi professora emérita da UFRJ. Em 1998, ganhou o Prêmio Jabuti na categoria Economia.

A professora ainda atuou na política partidária. Durante os anos de 1980, foi uma das figuras-chave na consultoria econômica do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Ocupou, ainda, o cargo de deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT), entre 1995 e 1999.

Acesse à playlist Inéditos de Maria da Conceição Tavares:

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