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Maximizar a utilidade

" Tudo indica que, se a humanidade não optar rapidamente por um caminho de crescente cooperação, a cooperação acontecerá de fato para mitigar desastres."

O exótico presidente de um país vizinho considera que o mercado não falha. Para ele, a infalibilidade do mercado tem status mais respeitável que o Teorema de Pitágoras, que as corroborações empíricas e que os juízos sintéticos a priori. Seria, mais precisamente, uma tautologia. Falar de mercados que falham seria como falar de gatos que não são gatos. Dá para entender a indignação diante de tal insulto lógico.

O mercado é um ambiente no qual cada indivíduo toma decisões maximizando seus benefícios ou minimizando seus prejuízos. A conduta de todos é o resultado da maximização da utilidade de cada um. Nada mais simples: em cada instante, seríamos livres para fazer o que mais nos convém, tendo em conta, de um lado, que os outros procedem da mesma maneira e, de outro, naturalmente, as restrições físicas ou normativas para nossa ação.

O que pode falhar? Nada. A cada momento, cada ator age de alguma maneira. A afirmação de que age de acordo com a maximização de uma função pessoal de utilidade é irrefutável. Pense o leitor no que está fazendo neste momento. Evidentemente não se encontra atravessando a nado o rio Solimões nem participando de um concurso para cozinheiros em Paris. Há uma impossibilidade física para essas duas condutas. Mas poderia estar resolvendo um exercício de álgebra, ou tocando a flauta para deleite de sua tia Belarmina, ou preparando um sanduíche de maionese para seu lanche da tarde. Talvez estas seriam condutas possíveis, e você as está descartando para ler este artigo no Jornal da Unicamp, porque a utilidade desta curiosa conduta, neste momento e neste lugar, é maior que a das condutas acima consideradas.

Não interessa se sua decisão foi consciente ou inconsciente, se foi originada no seu cerebelo ou no seu estômago. Não interessa que você não tenha a menor ideia da existência da tal função de utilidade, e não precisa se preocupar a este respeito porque, de fato, ela ficará na sua intimidade e ninguém a descobrirá. O presidente esdrúxulo diria: “Você agiu com a conduta X e não com a conduta Y? Muito bem, então isso é porque a Utilidade de X é, para você, maior que a Utilidade de Y.”

Um personagem borginiano poderia se ocupar em determinar o valor específico para a utilidade de cada conduta antes de tomar cada decisão. (Esta tarefa merece uma reflexão lógica: se o indeciso decide encontrar rigorosamente a conduta de utilidade máxima, é porque já decidiu que a conduta ótima é a de efetuar tal contabilidade. Mas deixemos paradoxos em suspense.)

A “hipótese forte” do mercado é uma hipótese sobre a conduta dos indivíduos e das sociedades. Sua confirmação ou refutação pertence ao âmbito da Psicologia e das Ciências Sociais. Mas não vai longe nesse sentido, porque dela não se deduz nenhum fato verificável. Ou seja, não é refutável nem estatisticamente corroborável, portanto não serve para nada.

Outro é o caso da “hipótese fraca”, que se restringe às condutas econômicas. Neste caso, as funções de utilidade tomam a forma de custos e benefícios pelos quais, em princípio, são quantificáveis. O presidente esquisito fica furioso, inspirado pelos sentimentos estéticos provocados pela “hipótese forte”, mas está ligado com a “hipótese fraca”. Sobre esta hipótese, podemos fazer perguntas mais bem definidas. Está bem formulada? É correta? Quais são suas consequências sociais? Tais consequências são desejáveis?

Vamos por partes. A formulação da “hipótese do mercado” é incompleta. Como assinalado acima, as decisões são sempre tomadas considerando restrições físicas e normativas. Não podemos agir independentemente de nossa posição no tempo e no espaço e de nossas capacidades físicas e mentais. Não podemos agir violando as leis vigentes e, mais precisamente, não podemos agir sem considerar as leis vigentes. A maximização de nossa utilidade está sujeita a essas restrições. Assim, o entusiasmo pela “hipótese do mercado” por parte do presidente imprevisível e de seus amigos é, na verdade, entusiasmo pela ausência de restrições. Assim fica mais claro. Portanto, poderíamos formular a hipótese somente esclarecendo sob quais restrições os sujeitos tomariam suas decisões de acordo com a maximização de sua utilidade econômica.

A segunda questão se refere à correção da “hipótese fraca” do mercado. As pessoas de fato atuam sob a lógica de custos e benefícios? Qualquer pessoa com conhecimentos elementares de psicologia responderia que, com essa generalidade, a hipótese seria pouco menos que risível. As pessoas atuam sob uma variedade enorme de motivações e impulsos, cuja redutibilidade ao custo-benefício seria extremadamente forçada.

Suponhamos, finalmente, que, com um conjunto bem definido de restrições e num universo restrito a uma comunidade limitada, a hipótese esteja correta e os indivíduos ajam de acordo com a maximização de utilidades quantificáveis. Isto é sempre desejável, pelo menos para essa comunidade? Uma primeira versão deste texto acabava com uma resposta negativa, baseada em sisudos, solenes e contundentes modelos matemáticos. Argumentos arrogantes e fúteis, dado o atual estado das coisas no nosso flutuante planeta. Tudo indica que, se a humanidade não optar rapidamente por um caminho de crescente cooperação, a cooperação acontecerá de fato para mitigar desastres.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

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