Projeto coordenado por geógrafo busca mitigar impactos causados por eventos climáticos
Nas últimas décadas, o mundo vem passando por uma série de mudanças ambientais que, entre outras consequências, estão alterando o padrão de ocorrência de chuvas e conduzindo o planeta a eventos extremos, impactando, com grande intensidade, populações vulneráveis. Exemplo disso são as inundações, fenômeno que ocorre quando fortes chuvas aumentam o nível das águas de um rio, que transborda para além de suas margens, invadindo ruas, casas e comércios. Bastante frequentes no Brasil, as inundações só ganham visibilidade quando atingem áreas de grandes proporções, afetando centenas ou mesmo milhares de pessoas e gerando situações de calamidade pública.
Essa é a conclusão do geógrafo Raul Reis Amorim, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, que há mais de dez anos estuda inundações no país. Professor do Departamento de Geografia do IG desde 2015, Amorim começou a se interessar pelo tema ainda em 2012, quando era pesquisador na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Campos dos Goytacazes (RJ). Na época, uma forte chuva causou a elevação do Rio Muriaé e destruiu a pista da rodovia BR-356, que liga os Estados
Com isso, o pesquisador começou a desenvolver projetos voltados à mitigação dos impactos gerados por inundações, descobrindo, logo no início, que existe um tipo bastante comum, mas pouco notificado pelas autoridades e imprensa. Nomeado por ele de inundação de retorno, esse evento acontece quando um rio pequeno não consegue desaguar no rio maior, que está acima de sua vazão média, e acaba transbordando. “Muitas vezes, essas inundações afetam poucas casas. Como o canal tem um volume menor, em duas horas a água se dissipa, e a secretaria de assistência social do município resolve o problema com uma cesta básica ou removendo as pessoas temporariamente. Contudo, logo depois, elas voltam, e o prejuízo continua ali”, comenta o docente, que investiga em seus estudos tanto as inundações de grandes proporções como essas, de menor impacto.
Atualmente, Amorim lidera um projeto, financiado pelo Auxílio à Pesquisa Projeto Inicial π (Pi) da Fapesp, voltado a investigar a suscetibilidade, vulnerabilidade, exposição e resiliência às inundações de cidades brasileiras. Entre seus principais objetivos, o projeto prevê a criação de um Observatório Nacional de Inundações, que irá disponibilizar um site, acoplado a um software, com dados sobre as inundações no Brasil, em especial essas cotidianas. “É para tentar identificar a inundação corriqueira, mas que não mata ou desabriga, permitindo a realização de estudos que relacionem esses pequenos eventos às inundações maiores”, esclarece.
Fora da academia
Inundações são fenômenos naturais bastante importantes do ponto de vista geográfico, porque geram benefícios como a deposição de sedimentos férteis para a agricultura. Seus impactos negativos são, na realidade, resultado da forma como a sociedade ocupa as cidades, o que inclui a construção de casas, prédios e indústrias em áreas suscetíveis, além da impermeabilização do solo causada pelo asfalto e do descarte de lixo e esgoto nos rios.
No entanto, argumenta Amorim, retirar essas populações das encostas só resolverá parte do problema, porque a maior parte das cidades brasileiras está localizada perto de rios. Segundo o docente, a solução para esses impactos só virá quando houver uma articulação entre políticas públicas. “Existe uma política de proteção e defesa civil, mas ela não pode atuar sozinha. Ela tem que estar junto com a política de gestão de recursos hídricos, da gestão de resíduos sólidos, de saneamento e de habitação, porque, quando há uma inundação, entra material que não é adequado, a água deixa de ser potável e até o abastecimento da cidade pode vir a ser interrompido”, revela.
Nesse sentido, um dos primeiros projetos de Amorim na Unicamp investigou se quatro Comitês de Bacias Hidrográficas das regiões Sudeste e Nordeste mantêm alguma interface com a defesa civil e a política de proteção e risco ligada a inundações. Tal projeto resultou na criação de um indicador de vulnerabilidade social a inundações, que visa identificar quais são os grupos mais vulneráveis a esses eventos, para auxiliar na elaboração de políticas territoriais. Esse parâmetro revelou que, apesar de famílias de baixa ou nenhuma renda serem mais vulneráveis, existem subgrupos dentro dessas comunidades que são ainda mais frágeis, como lares chefiados por mulheres, com grande quantidade de moradores e pessoas idosas ou crianças.
Segundo o pesquisador, isso acontece porque a vulnerabilidade é a combinação de uma série de fatores sociais e econômicos que podem, de alguma forma, dificultar o socorro ou a recuperação das áreas atingidas, a exemplo do nível de alfabetização, da capacidade física ou das condições no entorno da habitação. “Por exemplo, a pessoa é capaz de ler e interpretar sinalizações? Ela tem autonomia para fugir sozinha? A área tem arborização ou bueiro para filtrar e drenar a água? Existem rampas para cadeirantes? Há iluminação na rua para facilitar a remoção dos moradores à noite?”, indaga Amorim, que já aplicou o indicador em uma série de regiões e cidades como o Vale do Ribeira, Belo Horizonte, Petrópolis, Itabuna, Campinas e, mais recentemente, São Sebastião.
Além desse indicador e do Observatório Nacional de Inundações, outra iniciativa, ainda em elaboração, é a de um indicador de resiliência para entender como as comunidades se recuperam das tragédias, com o objetivo de auxiliar na criação de estratégias de reabilitação. Nesse contexto, outra frente também incluirá o oferecimento de aulas sobre risco nas escolas localizadas em regiões sujeitas a inundações, que deverá contar com o apoio dos alunos do IG. “O meu maior interesse é fazer uma pesquisa que não fique restrita à academia, tenha uma aplicação social, contribuindo para a formulação de políticas públicas, e ajude as comunidades a não serem tão afetadas pelas inundações”, finaliza o docente.