Policultura de feijão com abobrinha altera morfologia das flores e aumenta diversidade de polinizadores
Cultivar múltiplas variedades agrícolas em uma mesma área — o chamado plantio consorciado — é uma prática realizada há séculos por povos tradicionais americanos e que traz diversos benefícios para a plantação. A policultura de feijão, abobrinha e milho, por exemplo, conhecida popularmente como três irmãs, apresenta maior produtividade em comparação às suas respectivas monoculturas, maior controle de ervas e herbívoros, além de uso mais eficiente dos nutrientes do solo. Agora, uma pesquisa concluiu que os consórcios também podem alterar a morfologia das flores e influenciar a interação planta-polinizador, pelo menos no caso do cultivo do feijão com abobrinha.
O estudo, conduzido pela mestra em Ecologia Gabriela Rabeschini, foi realizado no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e resultou em um artigo publicado no periódico Biodiversity, com a coautoria dos docentes Martin Pareja e Carlos Nunes. Embora diversas pesquisas já tivessem demonstrado os benefícios do uso de consórcios em substituição às monoculturas, os autores não haviam encontrado muitos estudos que focassem a relação entre o consórcio das três irmãs e a polinização, processo em que o pólen, o gameta masculino da planta, é passado para o estame, o gameta feminino, algo essencial para a produção de sementes e frutos.
De forma geral, o estudo conclui que o consórcio de feijão e abobrinha traz ganhos em diversidade de polinizadores, sem alterar a produção de frutos. “Esse foi um resultado importante, porque alguns críticos afirmam que, na plantação consorciada, ocorre uma diminuição da produtividade. Vimos, entretanto, que a produção não mudou, e ainda houve uma maior diversidade de polinizadores, já que cada tipo de planta atraiu animais diferentes”, esclarece Rabeschini, explicando que essa variedade é vantajosa para as plantas, pois permite uma maior estabilidade e resiliência dos cultivos no caso de flutuações no meio ambiente.
No experimento, os cientistas identificaram que as flores da abobrinha receberam a visita de abelhas comuns (Apis mellifera) e do gênero Trigonas, além de moscas drosófilas. Já as flores de feijão foram visitadas por abelhas comuns e Oxaea flavescens, bem como por moscas das flores, borboletas Hesperiidae e vespas. Embora apenas uma espécie de polinizador tenha sido compartilhada pelas plantas, os autores entendem que isso é interessante, porque evita relações de competição entre os animais. Além disso, as abelhas Trigonas costumam ter comportamentos agressivos, o que poderia justificar a ausência de outros visitantes nas flores da abobrinha, especialmente porque todas as visitas feitas por abelhas comuns ocorreram apenas em flores sem Trigonas.
Apesar de o feijoal ter recebido uma maior variedade de espécies, a planta de abobrinha recebeu uma quantidade maior de visitantes por hora, ambas com uma taxa de visitação que se manteve, independentemente de a plantação ser monocultura ou consórcio. No entanto, as policulturas possibilitaram a observação de todas essas espécies de visitantes em conjunto, o que ajuda a manter uma comunidade ampla de animais capazes de realizar, além da polinização, serviços ecossistêmicos, como controle de pestes. “Há uma série de estudos que mostram que plantas que crescem juntas podem se ajudar no controle de pragas, tanto de herbívoros como de ervas daninhas. Então, talvez, se houver um ataque menor de herbívoros, também seja possível produzir mais frutos”, comenta a bióloga.
O experimento
No início do mestrado, o objetivo da bióloga era estudar o consórcio das três irmãs — abobrinha, feijão e milho —, mas, como o desenho experimental para todas as espécies ficaria muito amplo, a autora decidiu excluir o milho, que não depende da polinização animal, porque seu pólen é transmitido pelo vento. No caso do feijão, como suas flores possuem as estruturas femininas e masculinas, ele consegue se autopolinizar, mas estudos mostram que a troca de pólen de uma planta para a outra pode gerar benefícios como produção de frutos em maiores quantidades, tamanho e qualidade.
Para a realização da pesquisa, foram conduzidos dois experimentos diferentes. O primeiro ocorreu na estufa do IB e envolveu o plantio de pares de vasos em três tipos de tratamento: a planta focal ao lado de um vaso vazio, a planta ao lado de uma espécie diferente e a planta ao lado da mesma espécie. Esse experimento visou verificar como o cultivo consorciado influencia as características físicas da planta e constatou que os feijões produziam um número maior de flores quando estavam acompanhados da mesma espécie. Por outro lado, abobrinhas plantadas com feijões tinham suas flores, que possuem formato de sino, mais profundas, algo que pode estar relacionado a um maior conteúdo de açúcar e néctar.
Flores mais longas também demandam um tempo proporcionalmente maior de visita de seus polinizadores, o que pode influenciar as futuras escolhas de insetos como abelhas. “Alguns experimentos mostraram que, quanto mais tempo a abelha passa na flor, maior é a chance de, na próxima visita que fizer, ela escolher uma flor da mesma espécie, porque isso pode afetar sua memória de curto prazo. Então, uma das hipóteses que a gente explorou é que a presença da abobrinha com flores mais profundas em um ambiente mais diverso possa in fluenciar as abelhas a procurarem outras abobrinhas”, esclarece Rabeschini.
O segundo experimento foi realizado em campo, no Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp, em Paulínia, e envolveu o acompanhamento de plantações de abobrinha e feijão no solo em cinco tratamentos diferentes: monocultura de abobrinha, monocultura de feijão e três tipos de consórcio, variando as proporções das duas espécies. Nesse caso, o objetivo foi verificar a interação dos tratamentos com seus visitantes, uma vez que as estufas não permitem a entrada de polinizadores. Devido a isso, ainda não é possível fazer uma relação de causa e efeito entre a morfologia das flores de plantas em consórcio e a produtividade do cultivo, visto que a ausência de polinizadores na estufa implica a impossibilidade de gerar frutos nessas plantações. Além disso, os indivíduos levados para o campo eram diferentes dos da estufa.
De acordo com Nunes, medir aspectos como tamanho das flores no campo para comparar com os visitantes e a produção de frutos poderia ser um desdobramento da pesquisa caso houvesse mais tempo e pessoal para o estudo. Segundo o docente, adaptar os recursos disponíveis foi um dos maiores desafios da investigação, mas essa continua sendo uma ideia de pesquisa bastante válida, porque é um tema pouco abordado. “Na nossa revisão, encontramos pouca coisa sobre a relação entre polinização e consórcio para essas culturas. Acredito ser uma linha que vale a pena ser explorada mais para frente. Essa limitação que encontramos seria facilmente superada se tivéssemos um grupo maior e mais tempo para a pesquisa”, sugere.