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Inovação Manchete Pesquisa

Algoritmo auxilia no diagnóstico de câncer em peles negras

Pesquisa do Instituto de Computação tem como objetivo criar banco de dados dermatológicos representativo da população brasileira

Criar um modelo de inteligência artificial (IA) capaz de contemplar a diversidade de tons de pele da população brasileira é o desafio assumido por um projeto de pesquisa em desenvolvimento na Unicamp. A iniciativa da professora do Instituto de Computação (IC) Sandra Avila busca combater o viés racial na área dermatológica trabalhando no desenvolvimento de um algoritmo para identificar o câncer de pele em pessoas negras.

Em parceria com o Living Lab da organização social SAS Brasil, a pesquisa planeja criar um banco de dados dermatológicos inclusivo e representativo, uma etapa fundamental para subsidiar o processo de aprendizado de máquina da IA. Desde julho deste ano, a organização já está operando com um protocolo de atendimento ajustado, após treinar a equipe de enfermagem para diagnóstico do câncer especificamente em pessoas negras.

No caso do melanoma, por exemplo, as lesões cancerígenas em peles brancas e negras têm padrões diferentes. Caso essa diferença não seja reconhecida, a doença pode passar despercebida. “E se esse diagnóstico errado é passado para um algoritmo, isso escala o problema”, destacou a professora.

A proposta aproveita o potencial da IA para identificação de padrões em conteúdos visuais e treina o modelo, baseado em redes neurais, para classificar lesões cutâneas como benignas ou malignas. Porém, para chegar a esse ponto, é necessário sanar a baixa disponibilidade de imagens e informações sobre peles negras. “Sem esses dados, a máquina não aprenderá a reconhecer aquele padrão”, explicou Avila. 

A professora Sandra Avila: combate ao viés racial na área dermatológica
A professora Sandra Avila: combate ao viés racial na área dermatológica

A coleta das informações será feita nas unidades móveis da SAS Brasil, que se deslocam para atender regiões vulneráveis brasileiras por meio de eventos de triagem e diagnóstico e de consulta especializada via telessaúde, e nas Unidades de Telemedicina Avançada (UTA) fixas instaladas no Ceará e em Goiás. “Com isso, a possibilidade de conseguir um banco representativo é maior. A instituição também conta com especialistas que fazem parte do processo e realizam diagnósticos”, disse a professora.

As imagens são feitas tanto pelo celular quanto por um aparelho chamado dermatoscópio, que registra a pele de forma ampliada e mais detalhada. Quando disponibilizado ao público, o sistema poderá ser usado de forma simples e acessível por profissionais de saúde.

Inteligência Artificial a serviço da saúde

De acordo com Gabriela Sá, Head de Pesquisa e Ensino do Living Lab, há a expectativa de que as ferramentas diagnósticas criadas pela pesquisa fortaleçam a integração entre telessaúde, IA e atendimento presencial, além de garantir diagnósticos mais seguros. “O uso de IA para analisar imagens dermatoscópicas ajuda na detecção precoce mesmo em áreas com poucos especialistas. Isso pode ampliar o alcance das triagens, reduzir o tempo para diagnóstico e melhorar o acesso a cuidados especializados, especialmente em regiões remotas e vulneráveis.”

O projeto prevê a coleta e a análise de dados e imagens entre os anos de 2025 e 2027. O desenvolvimento e a validação de modelos de IA deve ocorrer a partir de julho de 2026, e por os resultados devem ser publicados até 2028. A utilização dessas informações na pesquisa, contudo, ainda aguarda aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

Desde o início da pesquisa, em 2020, o trabalho já recebeu duas premiações: o Google Award for Inclusion Research 2022 e o prêmio “Dermatologia Mais Inclusiva”, do Grupo L’Óreal Brasil (2025). Avila atuará como avaliadora deste último na sua próxima edição, em 2026.

Imagens de lesões de pele que utilizam para aplicação com inteligência artificial
Imagens de lesões de pele que utilizam para treinar padrões de IA

Também conta com publicações a nível internacional e nacional, apresentação em conferência internacional e projetos em andamento com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Alunos de pós-graduação vinculados a três laboratórios da Unicamp participam da iniciativa: o Brazilian Institute of Data Science (BI0S), o Hub de Inteligência Artificial e Arquiteturas Cognitivas (H.IAAC) e o Recod.ai.

Viés racial na dermatologia

O câncer de pele é o tipo mais frequente no Brasil e no mundo. No país, ele responde por cerca de 30% de todos os tumores malignos registrados — dos quais 4% referem-se ao tipo mais grave da doença, o melanoma, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Para entender a ocorrência da enfermidade em peles negras, Avila procurou especialistas como Camila Rosa. A dermatologista ressalta que existe uma lacuna, tanto entre profissionais quanto na literatura médica, sobre as particularidades da pele negra — que “tem características estruturais e funcionais distintas, como maior quantidade de melanina, tendência a hiperpigmentações e, em alguns casos, respostas mais intensas a inflamações”. Logo, são necessários protocolos preventivos e terapêuticos específicos que, quando não aplicados, comprometem o diagnóstico e o tratamento, aumentando o risco de mortalidade.

Avila iniciou seu trabalho unindo IA e dermatologia em 2014, em parceria com o supervisor de seu pós-doutorado na Unicamp, professor Eduardo Valle, que resultou no primeiro lugar em uma competição internacional organizada pela Colaboração Internacional para Imagens de Lesões de Pele (ISIC). Pesquisas desenvolvidas e orientadas pela docente, vinculadas ao tema, foram premiadas pelo Google Latin America Research Awards em quatro anos consecutivos (2018, 2019, 2020, 2021).

No caso do melanoma, por exemplo, as lesões cancerígenas em peles brancas e negras têm padrões diferentes
No caso do melanoma, por exemplo, as lesões cancerígenas em peles brancas e negras têm padrões diferentes

Mudança de rumo

Em 2020, o projeto ganhou novo rumo quando a pesquisadora percebeu que o modelo não funcionaria para toda a população brasileira. Isso porque, por conselho de um especialista, imagens de pés, mãos e unhas não constavam no treinamento da IA — justamente os locais em que há maior incidência de melanoma em pessoas negras. “Li uma reportagem que falava como o racismo está presente na dermatologia e percebi a gravidade daquele conselho”, contou Avila.

Apesar de ser mais comum em pessoas brancas, o melanoma também atinge pessoas negras, principalmente em áreas do corpo menos expostas. Sá explica que, muitas vezes, a verificação dessas áreas é negligenciada por serem consideradas de baixa prevalência da doença. Isso, no entanto, mascara a falta de representatividade dos dados para se estudar o câncer em peles negras. O projeto de pesquisa contribuirá, portanto, para ampliar as possibilidades de produção de conhecimento sobre esse tema.

A iniciativa funcionará como um projeto piloto que une teoria e prática, diz a representante da SAS Brasil. “Queremos que seja um estudo científico mais pragmático, que realmente vá até a população e seja aplicado no contexto prático. Esperamos que os dados sejam referência para implementação de políticas direcionadas de prevenção ao câncer de pele.”

O projeto conta, também, com uma vertente educativa. A SAS Brasil pensa em expandir para outros municípios parceiros o protocolo padronizado para rastreio de câncer de pele no sistema público. “A ideia é plantar aquela ideia de a pessoa estar sempre prestando atenção [na sua pele], assim como já acontece hoje com o câncer de mama, por exemplo”, declarou Avila. A docente brinca que o projeto acaba treinando não apenas máquinas, mas também humanos.

Foto de capa:

O estudo está sendo realizado em parceria com o Living Lab da organização social SAS Brasil
O estudo está sendo realizado em parceria com o Living Lab da organização social SAS Brasil
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