A psicanalista argentina Debora Tajer, referência latino-americana nos estudos de gênero e saúde coletiva, inicia sua estadia no Programa Cesar Lattes de Cientista Residente do Instituto de Estudos Avançados (Idea) da Unicamp com uma palestra intitulada “Masculinidades contemporâneas. Construção, desconstrução e reconstrução conservadora – abordagens interseccionais” no dia 22 de outubro, às 18h, no Anfiteatro 1 da Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
Tajer, que permanece até 15 de novembro no programa de residência, é doutora em psicologia pela Universidade de Buenos Aires (UBA) e mestre em ciências sociais e saúde pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Atualmente, como professora da Faculdade de Psicologia da UBA, é responsável pelas disciplinas de saúde pública/saúde mental e introdução aos estudos de gênero.
A professora é autora de livros como Psicoanálisis para todxs (Topía, 2020) e Psicología Feminista (2022), traduzidos para o português, francês e inglês. O livro Psicoanálisis para todxs, aliás, que foi lançado recentemente no Brasil pela Calligraphie Editora, será tema de um dos encontros abertos durante sua residência na Unicamp, no dia 14 de novembro, às 18h, no Espaço das Artes da FCM. Além das atividades abertas, a residência terá encontros fechados com docentes, pesquisadores e estudantes de áreas como saúde coletiva, psicologia, ciências sociais e estudos de gênero.
O Jornal da Unicamp conversou com a psicanalista, que visita a Unicamp pela primeira vez. Tajer falou sobre sua preparação para a residência, suas pesquisas e suas observações sobre as novas formas do amor e as questões de gênero.

Jornal da Unicamp – A senhora é a nova cientista residente da Unicamp. Já esteve na Universidade? Quais são suas expectativas sobre a residência?
Débora Tajer – Já estive muitas vezes no Brasil, mas nunca fui a Campinas. Será minha primeira vez na Unicamp. Estou muito contente, gosto muito da professora Rosana Onocko [docente do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp] e tenho colegas que estudaram na Unicamp. Há muitos anos trabalhei com Mario Testa [médico sanitarista argentino, referência e com importante atuação nas reformas sanitárias e planejamento em saúde na América Latina, que morreu em 2024] em uma época em que ainda não havia mestrado e doutorado em saúde coletiva.
JU – Quais as discussões que pretende apresentar?
Débora Tajer – Eu sou sanitarista, psicanalista e feminista. Nesta mistura de vertentes, trabalho com um olhar pós-patriarcal, pós-heteronormativo e pós-colonial. Abordo uma psicanálise de uma forma mais abrangente, que abrange todas as pessoas, por isso o título do livro que vou lançar na Unicamp é justamente Psicoanálisis para todxs.
JU – A palestra de abertura da sua residência será sobre masculinidades contemporâneas. O que vai abordar?
Débora Tajer – Eu vou compartilhar o que estou observando sobre a masculinidade, porque há mudanças importantes acontecendo. Mudanças positivas, como na questão da paternidade. Os homens, hoje, estão mais perto dos seus filhos porque estão gostando dessa proximidade, e é uma mudança que eles fizeram porque quiseram. Mas também vou abordar a volta do autoritarismo, algo que está acontecendo agora, um retorno da masculinidade hegemônica como modelo, enquanto as mulheres continuam demandando uma democratização das relações. Havíamos avançado, mas vejo que estamos retrocedendo. Temos que entender que a história não é sempre para a frente, mas vamos avançar de novo.
JU – A senhora fala sobre o fim do amor baseado na desigualdade e na crueldade e defende uma nova forma de relacionamento. Pela sua experiência, como é possível?
Débora Tajer – Os homens descobriram que eles têm gênero também, eles não sabiam (risos). Eles são os filhos saudáveis do patriarcado e começaram a se incomodar porque as mulheres mudaram muito e estão dizendo: ‘Ah, isso está acontecendo comigo porque sou homem’. Para serem parceiros, eles estão sendo obrigados a revisar o que entendemos como subjetivação do poder e estão sofrendo. Os homens sofrem quando não têm poder.
JU – Mas onde está o ponto de equilíbrio de uma sociedade na qual, de acordo com a senhora, chegamos a um momento histórico em que os homens começaram a se questionar, mas as mulheres continuam esperando que eles peçam perdão e que não errem mais?
Débora Tajer – Eu penso que na vida não há equilíbrio, são mudanças, novas conversações. As mulheres precisam falar, falar muito, para mostrar aos homens o que não funciona. Mas falar o que é preciso, pois estamos acostumadas a não falar certas coisas. Falar sem medo de assustar os homens. Às vezes, me parece que falamos de menos. Vou contar uma história: uns colegas psicanalistas, progressistas, todos homens, me pediram para revisar um livro que fizeram sobre masculinidade. Eu concordei, mas avisei que eles poderiam ficar bravos, porque iria corrigir tudo. Eles ficaram felizes, era justamente o que queriam. Em um outro exemplo, um escritor me perguntou sobre o que fazer com seus escritos misóginos de 20 anos atrás. Deveria mudá-los? Eu respondi que o importante era ele decidir o que ele pensava sobre isso. Ele foi assim, hoje é outra coisa.
JU – Como a senhora está vendo as novas gerações em relação às questões de gênero?
Débora Tajer – Em geral, tudo é incerto e eu acho que os jovens duvidam de tudo e estão buscando ampliar a paleta de identidade de gênero. O importante é que os adultos não se assustem. Temos que aceitar as verdades, o mundo muda.
JU – Em uma apresentação na TEDx Río de la Plata de 2019, a senhora compara o consentimento com o preservativo nos anos 1990, quando surgiu a Aids, que permitiu que as pessoas continuassem a se relacionar no amor e no sexo. O consentimento é a permissão de nos relacionarmos sem abusos?
Débora Tajer – Sim. Sou uma pessoa que atravessou a epidemia da Aids e minha geração aprendeu a usar e aceitar o preservativo. No início se dizia que o amor iria acabar, que o sexo não seria mais possível. Mas fomos aprendendo a nos proteger. Hoje há, novamente, essa sensação de que os relacionamentos vão acabar, tudo vai desmoronar. Para mim, o consentimento é o preservativo desses novos tempos. Para um relacionamento acontecer, o outro tem que consentir. E você só sabe se há esse consentimento se perguntar antes, e a pergunta tem de ser clara. A pessoa tem que falar sobre o que quer e o que não quer. Como professora, estou tentando trazer essa ideia.
JU – A sociedade atual, ditada pelas curtidas nas redes sociais, está marcada pela polarização. Como encarar amores e ódios em questões como identidade de gênero?
Débora Tajer – O ódio é um antidepressivo para as pessoas que se sentem excluídas. A pandemia trouxe o isolamento e os relacionamentos virtuais passaram a predominar. Isso não fica impune, então me parece que precisamos voltar ao presencial para que pessoas estejam com pessoas. Precisamos discutir mais sobre isso, fazer da ternura uma categoria política.
Agenda
Palestra “Masculinidades contemporâneas”, com Debora Tajer
Dia 22 de outubro, às 18h, no Anfiteatro 1 da FCM
Bate-papo sobre o livro Psicanálise para todxs
Dia 14 de novembro, às 18h, no Espaço das Artes da FCM da Unicamp
Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente – O programa homenageia o físico paranaense Cesar Lattes (1924-2005), um dos maiores nomes da ciência brasileira e co-descobridor do méson pi. Inspirado em sua trajetória de inovação e intercâmbio internacional, o programa convida pesquisadores de excelência a desenvolver atividades de difusão científica, fortalecendo o papel da Unicamp como espaço de reflexão e trocas.
Foto de capa:
