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Inovação Pesquisa

Projeto da Unicamp em parceria com o Sebrae testa intervenções inovadoras para melhorar gestão de microempresas

Pesquisa mostra como as ciências comportamentais ajudam empreendedores a enfrentar inadimplência e conflitos

Na rotina intensa dos pequenos negócios, questões como o pagamento de impostos ou a resolução de conflitos com clientes podem facilmente ser deixadas de lado — até se tornarem um problema maior. Para enfrentar esse desafio cotidiano dos empreendedores, a Unicamp, por meio do Laboratório de Estudos do Setor Público (Lesp) da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), desenvolveu o projeto Behavioral Insights Aplicados à Economia dos Pequenos Negócios, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro- e Pequenas Empresas (Sebrae).

A iniciativa, baseada em metodologias das ciências comportamentais, buscou compreender como os microempreendedores individuais (MEIs) e as micro- e pequenas empresas (MPEs) tomam decisões no dia a dia — e como as políticas públicas podem ser aprimoradas a partir disso.

Com duração de dois anos, o projeto combinou pesquisa aplicada, revisão de literatura, levantamento de dados primários e testes de intervenção comportamental. Os resultados, que envolveram quase 2 milhões de empreendedores de todo o país, já apontam caminhos para ampliar o impacto das ações do Sebrae, do governo federal e de outras instituições públicas.

Participantes do II Workshop Unicamp-Sebrae, realizado em abril último para divulgação dos resultados da pesquisa
Participantes do II Workshop Unicamp-Sebrae, realizado em abril último para divulgação dos resultados da pesquisa

Diagnóstico e intervenção

O projeto foi estruturado em duas frentes de trabalho. A primeira teve como foco os MEIs e a inadimplência no pagamento do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS). Já a segunda frente concentrou-se nas MPEs e na prevenção da judicialização de conflitos empresariais.

Na Frente I, foram ouvidos 4.683 microempreendedores por meio de uma pesquisa online. Os dados revelaram um cenário preocupante: grande parte dos MEI não pagava seus tributos em dia por esquecimento, falta de prioridade ou desconhecimento sobre as consequências desse ato. “Muitos nem sabiam que o não pagamento poderia acarretar a perda de determinados benefícios previdenciários”, relata Milena Pavan Serafim, diretora e professora da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp e coordenadora-executiva do projeto.

Já na Frente II, a equipe investigou como as MPEs lidam com conflitos. O levantamento com mais de 5 mil respondentes mostrou que 27,5% das empresas relataram enfrentamentos frequentes com clientes, funcionários e instituições financeiras — e, em sua maioria, sem qualquer política formal de resolução. A aposta, nesse caso, foi desenvolver estratégias que reforçassem a negociação direta como alternativa viável ao caminho judicial.

WhatsApp como ferramenta pública

Com base no diagnóstico, a equipe construiu um experimento inédito em parceria com a Receita Federal e o Centro Nacional de Economia Comportamental (Cecom). Por meio de mensagens enviadas via WhatsApp para mais de 1,8 milhão de MEIs, foram testadas diferentes estratégias de comunicação: desde simples lembretes até mensagens com linguagem de aversão à perda, normas sociais e instruções simplificadas para regularização.

Os resultados foram expressivos 32,8% dos inadimplentes que receberam as mensagens pagaram o imposto do mês, contra 28,6% no grupo que não recebeu comunicação, enquanto que 8,3% quitaram débitos anteriores, em contraste com 6,9% do grupo de controle. Ao considerar o conjunto de três efeitos esperados (pagamento do mês, quitação de atrasados e parcelamento), 36,3% dos MEIs reagiram positivamente às mensagens, frente a 31,7% do grupo sem intervenção.

Além da efetividade, os dados apontaram uma boa aceitação da iniciativa. Mais de 60% das mensagens enviadas foram abertas, e não houve rejeição ou bloqueio por parte dos empreendedores.

Para a professora Juliana Arruda Leite, coordenadora de comunicação do projeto, os resultados confirmam o potencial das ciências comportamentais para desenhar ações públicas mais efetivas. “Não é apenas sobre comunicar, mas sobre como e quando comunicar. A forma como a mensagem é apresentada influencia diretamente a tomada de decisão.”

Foram enviadas mensagens via WhatsApp para mais de 1,8 milhão de MEIs
Foram enviadas mensagens via WhatsApp para mais de 1,8 milhão de MEIs

Conflitos empresariais

Na segunda frente do projeto, voltada para a resolução de conflitos, a estratégia consistiu em investigar os fatores que dificultam a gestão de crises cotidianas envolvendo empresas e clientes. O diagnóstico evidenciou que a falta de conhecimento sobre métodos de resolução é o principal obstáculo, seguido por falhas de comunicação e insegurança na negociação.

Como intervenção, as empresas receberam um guia com orientações práticas, mensagens sequenciais de sensibilização e um modelo de planilha para o monitoramento de conflitos. A aplicação, no entanto, enfrentou desafios. “Tivemos uma alta adesão no início, mas a resposta à etapa final foi baixa. Isso revela uma necessidade de formatos mais interativos e personalizados, talvez com um acompanhamento mais próximo”, afirma Izadora Perkoski, pesquisadora sênior do projeto.

Nas entrevistas realizadas com empresários do Distrito Federal e de Rondônia, a maioria demonstrou preferência pela prevenção de conflitos — com destaque para contratos bem redigidos, comunicação clara e decisões assertivas. Alguns também mencionaram a prática de “demitir clientes” como medida de saúde organizacional.

Ainda assim, as entrevistas indicam limitações da negociação direta em contextos de má-fé ou desequilíbrio de poder. “A intervenção foi bem-recebida, mas muitos empresários apontaram que, sozinha, ela não resolve tudo. Em certos casos, é preciso mais do que boas práticas — é necessário suporte institucional e até novas formas de mediação”, explica Perkoski.

Parte da equipe de pesquisadores do Laboratório de Estudos do Setor Público, localizado na Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp
Parte da equipe de pesquisadores do Laboratório de Estudos do Setor Público, localizado na FCA, em Limeira

Ciência aplicada à política pública

Ao longo do projeto, foram realizados workshops, cursos e seminários para gestores do Sebrae, além do desenvolvimento de um livro técnico que será lançado em breve. As recomendações incluem desde ajustes na comunicação com os MEIs até sugestões para fortalecer a cultura da resolução extrajudicial de conflitos.

A diretora da FCA destacou: “Só na Frente I, conseguimos reverter em recursos para os cofres públicos um valor maior do que o projeto teve de recursos. Se tivesse sido a própria Receita Federal a enviar as mensagens, o impacto calculado teria sido algo entre 20 milhões e 30 milhões”.

“O que fica desse projeto é a demonstração de que a política pública pode ser mais eficaz quando escuta os usuários, testa soluções e adapta os caminhos com base em evidências”, concluiu Serafim. “O Brasil tem desafios complexos — mas também tem pesquisadores, instituições e servidores públicos comprometidos com a inovação.”

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