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Atualidades Cultura e Sociedade

A construtora de memórias Daniela Arbex é a nova artista residente da Unicamp

Autora de ‘Holocausto Brasileiro’, jornalista inicia programação no próximo dia 5

A vinda da escritora e jornalista Daniela Arbex para o programa de artista residente do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp (IdEA) está sendo caracterizada por importantes “primeiras vezes”. A mineira, primeira jornalista convidada do projeto, estará na Unicamp pela primeira vez e, para preparar as atividades da residência, teve que adiar a escrita de um livro já apurado também pela primeira vez. A programação terá início no próximo dia 5 de agosto e prossegue até o dia 28 de setembro. (Confira abaixo a programação detalhada)

“Eu me senti muito honrada por ser a primeira jornalista. Será uma troca rica! Terei contato com tantas pessoas de diferentes áreas, estou emocionada, quero somar. A expectativa está alta”, diz. Sobre o novo livro, adiado, mantém o mistério. “Estou com o projeto todo apurado, vai ser uma história que vai surpreender, dessa vez fiz apuração até fora do Brasil”, adianta.

“Geralmente, levo de um ano e meio a dois anos para apurar e, depois, uns cinco ou seis meses para escrever. Desta vez, por causa da residência, tive que deixar a escrita para daqui a alguns meses”, conta. “O novo livro não tem uma efeméride, uma data para publicar, como alguns outros, o que me permitiu mais liberdade”, completa.

A jornalista Daniela Arbex em visita ao memorial construído em homenagem às vítimas do desastre de Brumadinho (MG)
A jornalista Daniela Arbex em visita ao memorial construído em homenagem às vítimas do desastre de Brumadinho (MG)

Arbex adianta que preparou muito material para a programação como artista residente. Seu tema central é O papel da literatura na construção da memória coletiva do Brasil, e a programação terá palestras, oficinas e mesas-redondas com convidados especiais. “Reuni fotos, documentos diversos, vamos começar com o pé direito.”

A jornalista, que começou sua trajetória na Tribuna de Minas, jornal de Juiz de Fora (MG), sua terra natal, onde trabalhou por mais de duas décadas, é uma das mais premiadas de sua geração, com mais de 20 prêmios nacionais e internacionais no currículo. Como escritora, lançou seis livros, sendo que o de estreia, em 2013, Holocausto brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil, eleito o Melhor Livro-Reportagem do Ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte e o segundo melhor Livro-Reportagem pelo Prêmio Jabuti de 2014, marcou em definitivo sua trajetória como escritora.

O livro aborda um dos maiores genocídios ocorridos no Brasil: as 60 mil mortes e milhares de vidas afetadas de maneira irreversível pelo descaso e abandono que durou mais de 50 anos no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, o Colônia. Para a autora, “Holocausto é um livro muito incômodo, indigesto, difícil, mas altamente necessário, porque dialoga sobre temas muito sensíveis e que continuam atuais”.

Segundo Arbex, o mais importante do jornalismo é “contribuir para a memória”. “Muitos me perguntam qual a importância desse trabalho, e eu sempre digo que é para que não esqueçamos a história. O importante de se conectar com o passado é que, assim, lidamos com o presente e ainda podemos mudar o futuro”, justifica.

Publicado no Brasil e em Portugal, o livro se tornou referência em saúde mental e foi adaptado para o formato documentário em 2016. Holocausto Brasileiro, disponível no catálogo da plataforma Netflix, também serviu de inspiração para a série de ficção Colônia (2021), da Globoplay, que está em sua segunda temporada, e ainda para o filme Ninguém Sai Vivo Daqui, que estreou em 2024 nos cinemas. “Holocausto me apresentou para a literatura; eu já era respeitada como jornalista, mas, depois do livro, o público em geral me conheceu.”

A jornalista conta que, de vez em quando, revisita o livro e gosta de ver como ele “continua atual”. “Tanto o livro como o documentário me deixam orgulhosa. Hoje, talvez o documentário pudesse ter uma edição mais ágil, mas eu manteria o roteiro e não tiraria nenhum personagem. Participo de eventos em faculdades e presto atenção. As reações de quem vê o filme pela primeira vez são as mesmas de 2016.”

A jornalista fará programaçao extensa na Unicamp até o dia 28 de setembro
A jornalista fará programaçao extensa na Unicamp até o dia 28 de setembro

A autora seguiu abordando temas incômodos com Cova 312, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria livro-reportagem (2016), que narra a história real de como as Forças Armadas torturaram e mataram um jovem militante político, Milton Soares de Castro, forjaram seu suicídio e sumiram com o corpo. Dois anos depois, Arbex lançou Todo dia a mesma noite, sobre o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), que resultou na morte de 242 pessoas em janeiro de 2013. No livro, deu voz aos sobreviventes e aos pais de vítimas, médicos, bombeiros e demais pessoas envolvidas na tragédia. O livro também foi adaptado como minissérie pela Netflix em 2023 e se tornou uma das dez séries de língua não-inglesa mais assistidas em todo o mundo.

Em 2020, Arbex lançou a biografia Os dois mundos de Isabel, que retrata Isabel Salomão de Campos, uma mulher de 96 anos, nascida no interior de Minas Gerais, que dedicou a vida a ajudar milhares de pessoas. Dois anos depois veio Arrastados, livro que reconstitui a trajetória das vítimas do desastre de Brumadinho (MG), com relatos e fotografias que ajudam a dimensionar e a humanizar a tragédia. A obra venceu o prêmio Vladmir Herzog, na categoria Direitos Humanos (2023), e está em adaptação para série documental que será exibida pela Globoplay em 2026.

Para Arbex, “a palavra de alguma forma salva”. Seu trabalho mais recente é Longe do Ninho, de 2024, que trata da morte de dez atletas do Flamengo após um incêndio no Ninho do Urubu, e denuncia a falta de capacidade dos clubes brasileiros de promoverem a saúde mental de jovens esportistas. “As pessoas se reconhecem na dor”, atesta.

“Meu objetivo é escrever para todo mundo, dialogar com as diversas áreas e setores do conhecimento”, continua. A jornalista, que, em agosto, completa 30 anos de carreira, faz questão de destacar que “jornalista não é super-herói, não usa capa, não é blindado”. Em cada uma de suas apurações, ressalta, a empatia com as pessoas entrevistadas faz toda a diferença. “Não dá para ser jornalista sem ter empatia.”

O principal, segundo Arbex, é conseguir acessar a “memória afetiva” de seus entrevistados. “A gente só acessa se for convidado, é um lugar de segredos, é preciso entrar com respaldo. Eu me sinto privilegiada quando me dão esse acesso”, continua. Ao ser questionada sobre suas técnicas para as entrevistas, ela brinca: “Se isso existisse, talvez eu estaria rica vendendo cursos. Cada ser humano é uma vida, não existe uma receita, ainda mais quando há feridas abertas.”

Em seus livros, a jornalista entra na história de seus personagens e das situações retratadas com intimidade. “Qualquer palavra equivocada pode colocar tudo a perder, é difícil uma pessoa que nunca te viu te entregar algo pessoal. Aí é que entra a empatia, mostrar que você está realmente interessado. Para isso, não pode ter pressa. Pressa não combina com jornalismo de qualidade, é preciso estar disponível para o outro. E o outro precisa sentir que seu interesse é real. Essa pessoa nasceu muito antes daquela tragédia, e a história vai muito além do lead jornalístico. O caminho é longo”, ensina.

Sobre abandonar as duras verdades e partir para a ficção, Arbex é taxativa: “Queria ter talento para escrever ficção, um lugar para mentir, criar. Eu nunca tentei, gosto de ficar mais próxima da verdade, da realidade, da reconstituição. Acho incrível e admiro nossos novos autores, mas eu assumi um compromisso como construtora de memória.”

Durante sua residência na Unicamp, a escritora vai participar de palestras, oficinas e mesas-redondas. A programação é gratuita e aberta ao público.

Acesse o site do IdEA para se inscrever.

Confira a programação:

Nova tabela com a programação do programa Hilda Hist do artista residente

Sobre o Programa “Hilda Hilst”

O Programa “Hilda Hilst” do Artista Residente da Unicamp, criado em 1985, tem por objetivo trazer para a Universidade a possibilidade de manter um contato particular com a produção artística atual. Depois de uma fase inicial, o programa teve um hiato e foi retomado em 2006. A partir de 2017, o Programa do Artista Residente, sob a coordenação do IdEA, foi rebatizado em homenagem a Hilda Hilst, primeira participante da iniciativa.

Escritora, poeta e dramaturga, Hilda Hilst nasceu em Jaú (SP), em 21 de abril de 1930. Estudou na cidade de São Paulo, onde foi interna no Colégio Santa Marcelina e aluna do Instituto Mackenzie. Em 1948, ingressou no curso de Direito do Largo São Francisco, da USP, onde se formou em 1952.

Durante o bacharelado, lançou sua primeira obra de poesia, Presságio (1950), seguida de Balada de Alzira (1954). Vivendo na capital, ampliou sua produção na década seguinte, publicando, entre outras obras, Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor (1960), Ode Fragmentária (1961) e Sete Cantos do Poeta para o Anjo (1962), com o qual venceu o Prêmio Pen Clube de São Paulo.

Em meados da década de 1960, retornou para o interior paulista, mudando-se definitivamente, em 1966, para a Casa do Sol, chácara de sua propriedade em Campinas. Em 1977, publicou Ficções, que recebeu o prêmio de Melhor Livro do Ano da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Três anos depois, a APCA concedeu a Hilda Hilst o Grande Prêmio pelo conjunto da obra. A poeta morreu em 4 de fevereiro de 2004 em Campinas.

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