O pouco conhecido trabalho literário de Francisco de Paula Brito (1809-1861), jornalista e tipógrafo, primeiro editor de Machado de Assis, é resgatado no trabalho “Paula Brito e o ‘não lugar’ negro na sociedade brasileira do século XIX”, do aluno de graduação Haidar de Moura Limissuri, com orientação da professora Lúcia Granja, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). O trabalho recebeu menção honrosa na recém-encerrada Sessão de Pôsteres da 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Machado de Assis, em uma crônica publicada no Diário do Rio de Janeiro, escreveu: “Paula Brito foi o primeiro editor digno desse nome que houve entre nós”. Mas, para Limissuri, Paula Brito deve ser visto também como um “precursor do conto no Brasil”.
“Apesar de ser mais conhecido por seu trabalho de editor, muito por causa de Machado de Assis, sua curta obra de ficção conhecida mostra como os negros eram representados, com uma literatura crítica daquela realidade social”, afirma. O trabalho de Limissuri se debruça sobre uma obra ficcional que se resume a três contos, publicados no Jornal do Commercio em 1839 e intitulados “O enjeitado”, “A mãe-irmã — história contemporânea” e “A revelação póstuma”.
“Minha motivação para a pesquisa foi destacar a importância de reconhecer Paula Brito também como escritor. Por muito tempo, seu trabalho literário ficou esquecido. Foi somente em 1960, no livro Os Precursores do Conto no Brasil, de Barbosa Lima Sobrinho, que sua produção literária foi abordada, quase cem anos depois de sua morte. Depois, em 2021, surgiu novamente em uma outra antologia de contos, organizada por Hélio Guimarães e Vagner Camilo e intitulada O Sino e o Relógio — Uma Antologia do Conto Romântico Brasileiro”, completa.
Granja, que pesquisa Paula Brito desde 2017, serviu de inspiração para Limissuri. “Costumo apresentar aos alunos esses contos desconhecidos, esquecidos nas páginas dos jornais”, afirma. “Ele mostrou interesse na pesquisa e comprei o sonho dele”, continua a professora de literatura brasileira, que, inclusive, apresentou um dos contos do autor para os organizadores da antologia de 2021, publicada pela editora Carambaia.
A monografia de Limissuri ficou entre os três melhores trabalhos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) da Unicamp neste ano e o autor recebeu um convite para participar da Sessão de Pôsteres do SBPC. Granja credita a trajetória de sucesso do trabalho ao “ineditismo” da abordagem e afirma que novos textos de Paula Brito ainda podem estar escondidos nas páginas dos jornais de sua época. “Esse trabalho mostra o potencial da pesquisa na literatura e, sim, pode ser que ainda existam outros textos dele nos jornais.”
Para a professora, Paula Brito foi “desconsiderado” pela história da literatura brasileira. “Muitos de seus poemas só foram descobertos após a sua morte. Parece que ele mesmo não dava crédito para sua própria literatura. Mesmo Machado de Assis, que escreveu quase 80 contos, só escolheu 17 deles para publicar em livro. Hoje, com o nosso olhar, os textos têm muito a dizer sobre o Brasil do século XIX. O conto ‘A revelação póstuma’, por exemplo, fala sobre mulheres silenciadas”, completa.

No Brasil Império, Paula Brito começou sua trajetória como aprendiz das artes gráficas e, entre os anos de 1827 e 1830, sua carreira decolou. O ano de 1830 mostrou-se particularmente marcante em sua trajetória, quando fundou a Tipografia Imparcial de Brito, que passou a funcionar como livraria e editora. Uma curiosidade desse período foi a criação da primeira revista feminina do Brasil, chamada A mulher do Simplício ou A Fluminense Exaltada, que circulou até 1846.
Coube a Paula Brito fundar, ainda, o primeiro jornal da imprensa negra do Brasil, em 1833, chamado O Homem de Côr, mais tarde rebatizado de O Mulato, em uma época na qual os intelectuais negros começavam a lutar pela igualdade de direitos na ocupação de cargos públicos. Duas décadas depois, em 1850, fundou a Empresa Tipográfica Dous de Dezembro, escolhida como impressora oficial da Casa Imperial de D. Pedro II.

O editor participou da publicação de títulos importantes, como a peça Desencantos (1861), de Machado de Assis. Paula Brito também incentivou as artes cênicas e trabalhou como editor de uma das primeiras peças do teatro brasileiro, Antônio José ou o poeta e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães, de 1839, além da comédia lírica A Noite de São João, de José de Alencar, considerada a primeira ópera brasileira, regida pelo maestro Carlos Gomes em 1860.
O historiador Rodrigo Camargo de Godoi, professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, é autor de uma biografia de Paula Brito, intitulada Um Editor no Império e lançada pela Edusp. A obra, fruto de sua tese de doutorado defendida em 2014, analisa as condições históricas que permitiram o surgimento da figura do editor no Rio de Janeiro do século XIX.
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